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A Criança com Câncer, Seus Pais e Espiritualidade

criança rezando

 “A espiritualidade não pode ser esquecida, pois é ela que nos faz humanos”

Viktor Frankl

Atualmente falamos muito em oferecer tratamento integral para os pacientes. Para isto é necessário também um olhar mais atento ao papel que a família desempenha como agente de cuidados quando um de seus membros adoece. Mais importante ainda, se o paciente que adoece é uma criança. Desta forma, pensamos sempre em uma unidade de cuidados paciente/família.

Durante a gestação o psiquismo da criança está imerso no psiquismo materno, formando um vinculo que se atenua ao longo da vida, mas que não cessa de existir. Mesmo quando o filho atinge a fase adulta e se encontra a milhares de quilômetros de distância esta ligação se mantém.

Quando uma criança adoece de câncer, sua vida passa por rápida e intensa transformação, assim como o cotidiano familiar. De um momento para o outro, ela se vê atirada em um hospital, onde é cercada por pessoas estranhas em um ambiente desconhecido, no qual será submetida a uma série de exames e procedimentos invasivos e dolorosos. Independentemente de sua idade e de sua capacidade de compreensão cognitiva da realidade que a rodeia, ela de algum modo se dá conta de que algo grave e temível está acontecendo consigo (Menezes et. al. 2007).

Abalada pela sensação de perda iminente, impotente e vulnerável, a família acompanha a criança na travessia de situações desconhecidas, difíceis e dolorosas. No desejo de oferecer apoio e poupar a criança de um excesso de sofrimento, os familiares experimentam, eles próprios, sentimentos de desamparo, que comprometem seu bem-estar físico, emocional e espiritual.

Auxiliar os pais no comportamento de enfrentamento adequado pode ter efeitos positivos no ajustamento e sobrevida da criança com câncer. Contrariamente, enfrentamento inadequado por parte dos pais está associado à piora dos sintomas de estresse na criança, tais como aumento da ansiedade, perda de esperança, insegurança e aumento da dor. Um programa de auxílio deve levar em consideração as características culturais e as variáveis religiosas da família (Suzuki & Kato, 2003)

Integrar espiritualidade e religiosidade à área da saúde física e mental tem inspirado muitas pesquisas que atestam os benefícios desta integração. Pacientes e familiares, ameaçados na sua existência, precisam encontrar no profissional de saúde que os assiste, a possibilidade de recuperar sua saúde física, psicológica, emocional e também a saúde existencial, lembrando que a espiritualidade faz parte da existência humana.

As manifestações de religiosidade e de espiritualidade de crianças com câncer  e de seus familiares, no decorrer do tratamento, que aparecem permeadas por situações de crise originadas pelos sofrimentos que a doença impõe, pela instabilidade da vida que pode ficar “por um fio” ou se acabar, pela apreensão e medos de diferentes ordens, dentre os quais o medo da morte, é uma realidade no hospital (Valle, 2006).          

Para a autora acima, a possibilidade de morte de um filho ameaça a função da paternidade… Significa uma perda de parte de si mesmo. E é em Deus e na religião, freqüentemente, que os pais se refugiam, que eles buscam apoio para conseguir uma compreensão para o que está acontecendo e para conseguir dar continuidade à sua vida.

Muitos estudos demonstram associação positiva entre espiritualidade e religiosidade, sendo que a maioria desses aponta para melhores indicadores de saúde mental e adaptação ao estresse em pessoas que praticam atividades ditas religiosas (Moreira-Almeida; Lotufo Neto e Koenig, 2006). Desta forma, atender aos aspectos da espiritualidade se torna cada vez mais necessário na prática de assistência à saúde, o que justifica sua integração no trato com pacientes e familiares.

De fato, crenças espirituais costumam ser uma fonte importante de conforto e apoio para muitos pacientes com câncer e suas famílias, mas elas podem desempenhar um papel particularmente grande quando o paciente é uma criança. Os pais que enfrentam uma doença grave e possível morte de um filho, e as próprias crianças tentando encontrar um sentido para a doença, para o sofrimento e a morte, muitas vezes voltam seu olhar para além do mundo material na busca de conforto e explicações. Pais de crianças e de adolescentes com câncer podem encontrar na espiritualidade o apoio fundamental necessário ao processo de enfrentamento.  A espiritualidade imprime significado ao adoecimento e auxilia na identificação de forças para enfrentar as dificuldades advindas do sofrimento e da morte, qualquer que seja a religião da família.

Interessante pesquisa qualitativa foi feita no Brasil, com o objetivo de se conhecer a relação entre as experiências de nove famílias de diferentes religiões, que vivenciaram a experiência de ter uma criança gravemente doente e sua religião, doença e histórias de vida (Bousso, Serafim e Misk, 2010). Como resultado observou-se que as narrativas evidenciaram a busca pelas famílias, qualquer que fosse sua religião, por atribuir significados às experiências vivenciadas, a partir de suas crenças religiosas.

            Para Peres et al (2007), 

Cada vez mais a ciência se curva diante da grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser humano. Ser humano é buscar significado em tudo que está em nós e em nossa volta, pois somos seres inacabados por natureza e estamos sempre em busca de nos completar. A transcendência de nossa existência torna-se a essência de nossa vida à medida que esta se aproxima do seu fim.

Embora a literatura nos sugira que a busca de significado e propósito de uma doença costuma ser freqüente, ainda nos é difícil avaliar sobre em que medida a doença infantil provoca angustia existencial dos pais ou sobre como estes podem encontrar sentido nesta experiência. E será em sua espiritualidade que muitos se encontrarão forças para resistirem.

Podem os médicos colaborar com os pais de crianças com câncer em suas buscas de sentido e significado? As pesquisas mostram que para muitos médicos que cuidam de pacientes terminais uma preocupação cada vez mais importante é o bem-estar espiritual e o senso de significado e propósito na vida daqueles sob seus cuidados.

Os médicos e todos da equipe de saúde podem ser capazes de auxiliarem a formulação da paz de espírito e senso de controle, ao darem aos pais informações médicas de alta qualidade, incluindo informações acerca dos prognósticos, mas também suportando ouvir e facilitando aos pais manterem-se confiantes em suas crenças. As crenças podem ter um efeito profundo em suas vidas e escolhas para o cuidado (Mack et al. 2009).

Para Peres et. al.(2007), a psicoterapia baseada na linha integrativa transpessoal ou com enfoque existencial também pode ser uma ferramenta eficaz no auxílio ao paciente e/ou sua família que procura resolver aspectos relacionados ao significado e ao propósito da vida.

Mestre Rita de Cassia Macieira

Professora do IJEP

Referencias:          

Bousso, RS., Serafim TS., Misk MD. Histórias de vida de familiares de crianças com doenças graves: relação entre religião, doença e morte. Rev. Latino-Am. Enfermagem 18(2):[07 telas]mar-abr 2010

Mack, JW.; Wolfe, J.; Cook, EF.; Grier, HE.; Cleary PD.; Weeks, JC.. Peace of Mind and Sense of Purpose as Core Existential Issues Among Parents of Children With Cancer. Arch Pediatr Adolesc Med. 2009;163(6):519-524. DOI: 10.1001/archpediatrics.2009.57

Menezes CNB; Passareli PM; Drude FS; Santos MA; Valle ERM. Câncer infantil: organização familiar e doença. Rev. Mal-Estar Subj. v.7 n.1 mar. 2007

Moreira-Almeida, A.; Lotufo Neto, F.; Koenig, H.G. – Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr 28(3):242-250, 2006

Peres, MFP.; Arantes, ACLQ; Lessa, PS; Caous, CA. A importância da integração da espiritualidade e da religiosidade no manejo da dor e dos cuidados paliativos. Rev. psiquiatr. clín. vol.34  suppl.1 São Paulo  2007 doi: 10.1590/S0101-60832007000700011  

Suzuki LK, Kato PM. Psychosocial support for patients in pediatric oncology: the influences os parents, schools, peers and technology. J Ped Onc Nurs, 2003; 20(4):159-174

Valle ERM. O câncer na criança e as manifestações da espiritualidade. Boletim III(2) Soc Bras Psico-Oncologia, 2005. Disponível em http:///www.virtuotech.com.br/download/webanexoslink/sbpo-105/edicoes/III-002.htm

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