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A crise da meia-idade como chamado da alma

A crise da meia-idade, embora frequentemente associada a um período negativo, pode ser reinterpretada como um chamado profundo da alma, um convite à introspecção e à transformação. Este artigo examina esse momento delicado da segunda metade da vida sob a perspectiva da psicologia junguiana, ampliando o nosso olhar para a necessidade de reintegrar aspectos não vividos da vida, que são essenciais para o desenvolvimento da personalidade e para a sensação de significado existencial mais profundo.

Resumo: A crise da meia-idade, embora frequentemente associada a um período negativo, pode ser reinterpretada como um chamado profundo da alma, um convite à introspecção e à transformação. Este artigo examina esse momento delicado da segunda metade da vida, sob a perspectiva da psicologia junguiana, ampliando o nosso olhar para a necessidade de reintegrar aspectos não vividos da vida – que são essenciais para o desenvolvimento da personalidade e para a sensação de significado existencial mais profundo.

A história de desenvolvimento da humanidade é marcada por ciclos de crise, revolução e transformação, tanto em nível coletivo, quanto individual.

A contemporaneidade, em particular, se caracteriza por uma intensificação dessas crises, manifestando-se em instabilidade política, econômica e social, e reverberando profundamente na experiência individual.

Momentos de crise, embora frequentemente associados a eventos puramente negativos, são, em sua essência, períodos que impulsionam mudança e transformação. 

A própria etimologia da palavra “crise” remete a movimento, a um processo dinâmico que impulsiona a reflexão e a busca por novas possibilidades.

A profundidade das dúvidas e incertezas, inerentes aos momentos de crise, nos força a questionar padrões de comportamentos e paradigmas arraigados. Abrindo caminho para a (de)cisão – a ruptura com o conhecido e o surgimento de novas perspectivas.

Na visão da psicologia analítica, longe de representar um desastre, a crise se configura como uma oportunidade de confrontar a psique, a fim de reconhecer e integrar aspectos sombrios da personalidade.

Em momentos de crise, somos levados a refletir sobre nossas polaridades. Essa atitude de confrontação gera uma tensão psíquica que se manifesta como sofrimento, angústia e ansiedade.  Embora desagradáveis, essas emoções podem ser impulsionadoras de mudança, levando à criatividade e à busca de novas soluções. No entanto, se reprimidas, podem resultar no desenvolvimento de patologias.

A necessidade de olhar para o mundo interno pode surgir de maneira natural, quando passamos por momentos difíceis e precisamos superar perdas, desafios e problemas diversos – ou através do estímulo para ampliação da consciência que ocorre durante o processo de análise.

Embora possível em qualquer fase da vida, a meia-idade se apresenta como um período particularmente propício a essa busca interna.

A inversão natural da energia psíquica, do mundo externo para o interno, combinada com a crescente consciência da finitude, impulsiona o anseio de reconciliação com as partes não vividas da personalidade. Levando à necessidade de integrar aspectos inconscientes, com o propósito de reunir nossos pedaços faltantes e nos tornamos inteiros.

A dor da crise de meia-idade frequentemente resulta da dissonância entre o “eu” autêntico e a personalidade construída ao longo da vida. As escolhas inevitáveis que fazemos implicam na renúncia de outras possibilidades, gerando um conflito interno, especialmente quando essas renúncias, que não foram vivenciadas, representam aspectos essenciais da nossa identidade. 

Assim, podemos observar que sempre teremos que lidar com nossas possibilidades não vividas. No entanto, a problemática surge quando essas partes não vividas são fundamentais para a nossa sensação de completude.

Jonhson e Ruhl esclarecem que:

 A vida não vivida inclui todos os aspectos essenciais do sujeito que não foram integrados à sua experiência. São talentos e capacidades que foram abandonados ao longo da primeira metade da vida e permaneceram inconscientes. Estes aspectos não vividos encontram lugar no subterrâneo da nossa psique e, à medida que vamos envelhecendo, podem tornar-se problemáticos se não forem resgatados.

(JOHNSON; RUHL, 2010)

Nos períodos de crise temos a sensação de estar desconectados de nossa própria vida. Perdendo a capacidade de sentir prazer e se envolver nas relações e situações do dia a dia.

Nestes momentos, somos atravessados por questionamentos como:

Quem sou eu?

O que estou fazendo da minha própria vida?

Será que está é a profissão que realmente deveria estar seguindo?

Será que está relação faz sentido para mim?

A crise de meia-idade, portanto, se apresenta como uma oportunidade de confrontar a personalidade moldada pela aculturação, com o “si-mesmo” autêntico. Caracteriza-se, assim, por um período de conflito interno intenso que geralmente é acompanhado pela redução da energia disponível para a realização das atividades cotidianas. Essa experiência nos leva a questionar crenças e paradigmas que nortearam a nossa vida até então.

A resistência a essa confrontação, bem como a incapacidade de abandonar crenças ou relacionamentos que não fazem mais sentido, pode gerar sentimento de vazio existencial, angústia e falta de propósito, demonstrando que a vida está acontecendo desconectada das necessidades da alma. Já a conscientização e a integração dessas partes não vividas, por outro lado, abrem caminho para uma nova etapa de desenvolvimento pessoal.

Johnson e Ruhl salientam que:

 A tarefa mais importante da meia-idade é viver a vida não vivida em busca de ser mais realizado e trazer sentido à existência. Ao explorarmos a vida não vivida, ultrapassamos os limites de nossos medos, anseios e decepções, adquirimos nova vitalidade e energia e aprendemos a expandir nossa visão para além da consciência comum, assumindo nossa forma plena de ser.

(JOHNSON; RUHL, 2010)

A vida nos oferece uma quantidade de energia suficiente para a nossa jornada, contudo, quando percebemos a redução progressiva dessa energia, é necessário nos questionar se as escolhas que estamos fazendo fazem sentido para a nossa alma.

Hollis salienta que “somente observando a nossa perda de energia que podemos segui-la até o local da separação. A energia perdida é recuperável. Se escolhermos servir a alma a energia volta a nos servir.

Percebemos que o descontentamento e a falta de energia comum nos momentos de crise, podem servir como um portal que nos conduz à ressignificação das experiências vividas e a mudanças necessárias para nos expressar no mundo conectados com a alma.

Diante do exposto, podemos nos questionar: qual a melhor maneira para lidar com momentos de crise?

Como já vimos, devemos lidar com a crise como uma oportunidade e não como um desastre. Buscando desenvolver um trabalho reflexivo para entender o propósito de estarmos passando por ela, qual o sentido desta situação em nossa vida e o que podemos aprender com essa experiência?

As possíveis respostas encontradas durante a reflexão, embora dolorosas, por revelar nossas contradições, podem ser profundamente libertadoras, permitindo o resgate e a integração de potencialidades reprimidas.  Essa nova compreensão pode proporcionar um redirecionamento de vida mais consciente e a descoberta de novos caminhos, mais plenos de realização existencial.

No entanto, para o Self ganhar espaço e energia na vida, e poder atuar como uma bússola interna que a direciona segundo os anseios da alma, torna-se necessário o “morrer” simbólico de velhas atitudes e pensamentos, considerados essenciais pelo ego.  Vale salientar, que essa “morte” não é literal, mas uma transformação que permite um renascimento mais autêntico e alinhado com a verdadeira essência do ser.

Jung enfatiza que a psique é um sistema dinâmico, a qual possui características autocorretivas e compensatórias. Fato que a permite retornar sempre a sua trajetória, ou seja, torna-se si-mesmo.

Corroborando com este ponto de vista, Jung traz a visão de metanóia como mudança radical vinda de um inconsciente que entra em conflito com a consciência sintônica e com o status quo adquirido com tanto esforço. Ela produz angústia, depressão, pensamento de morte, assim como perspectiva de liberdade, de novos planos e de um novo renovador que muda o rumo de uma vida.

Jung explica que a palavra metanoien significa justamente “mudar de mente” ou “mudar a maneira de pensar.”

A metanóia remete ao corte que rompe o contínuo da história, estabelecendo uma nova ordem, podendo acontecer tanto em nível coletivo como individual. Fala sobre a necessidade de mudanças ao longo da vida e remete tanto a noção de morte, quanto de renascimento compatível com a demanda inconsciente.

Desta forma, percebemos que os aspectos da vida não vivida, repletos de potencial criativo, merecem atenção, pois representam uma rica fonte de motivação e propósito.  As escolhas feitas ao longo da vida inevitavelmente levaram à repressão de outras facetas da personalidade, que agora podem emergir como novas oportunidades de desenvolvimento e direcionamento existencial.

Quando trazida a consciência, a vida não vivida pode torna-se o combustível para nos levar além de nossas limitações atuais e em direção a uma vida mais profunda.

Em última análise, a crise de meia-idade, apesar de seu caráter desafiador, apresenta-se como um catalisador fundamental para a introspecção e a subsequente reconexão com alma.  Este processo permite a ressignificação de padrões comportamentais e ao direcionamento da energia vital para a realização do propósito da alma.

Caroline Costa – Membro Analista em formação IJEP

Waldemar Magaldi – Membro Analista Didata IJEP

REFERÊNCIAS:

JOHNSON, R. A.; RUHL, J. M. Viver a vida não vivida: A arte de lidar com sonhos não realizados e cumprir o seu propósito na segunda metade da vida. Petrópolis: Vozes, 2010.

HOLLIS, James. A passagem do meio: da miséria ao significado na meia idade. São Paulo: Paulus, 1999.

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