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A falácia da supremacia da consciência

Ao apostarmos todas as fichas na consciência, o ego também ganha posto nobre na falsa ideia de que precisa ser realizado. Assim, se enrijece e, ora acredita ser o senhor de tudo (dando origem a tirânicos exemplares laranjas do self-made man, que acreditam e agem em prol de seus próprios desejos), ora torna-se todo o mal, numa busca igualmente fantasiosa por sua morte, em prol da iluminação espiritual.

Ao apostarmos todas as fichas na consciência, o ego também ganha posto nobre na falsa ideia de que precisa ser realizado. Assim, se enrijece e, ora acredita ser o senhor de tudo (dando origem a tirânicos exemplares laranjas do self-made man, que acreditam e agem em prol de seus próprios desejos), ora torna-se todo o mal, numa busca igualmente fantasiosa por sua morte, em prol da iluminação espiritual.

Resumo: Ao apostarmos todas as fichas na consciência, o ego também ganha posto nobre na falsa ideia de que precisa ser realizado. Assim, se enrijece e, ora acredita ser o senhor de tudo (dando origem a tirânicos exemplares laranjas do self-made man, que acreditam e agem em prol de seus próprios desejos), ora torna-se todo o mal, numa busca igualmente fantasiosa por sua morte, em prol da iluminação espiritual.

Você tem razão. Te contaram que era preciso aprender, entender, conhecer, dominar. Agir em prol de seus desejos. Te estimularam a fazer de tudo para receber reconhecimento, conquistar uma promoção, comprar uma casa, um carro, fazer uma viagem, casar-se, separar-se, ter filhos biológicos, não ter filhos, adotá-los. Te explicaram porque viver a não-monogamia é essencial e também porque apenas a monogamia é digna dos humanos. Te venderam cursos nos quais você poderia aprender os passos necessários para ser tudo aquilo que se espera de você.

E você teve força, foco e fé. Foi lá e fez.

Mas o vazioMesmo ao alcançar o objetivo imposto, o desejo comprado e a ideia alheia, o vazio se faz presente. Silencioso e incômodo pois dificilmente contornável. A angústia que não tem onde nem porquê. O aperto no peito. A falta de significado.

Aos questionamentos sobre suas escolhas, uma vasta lista de explicações razoáveis, perfeitamente sustentadas em dados, fatos, citações ocupam rápida e violentamente todo o espaço que poderia ser deixado para a dúvida. Mas ela está lá. A dúvida, em forma de tristeza, de falta de significado, da incapacidade de se estar em silêncio sem ter explicações, de viver na sobriedade. A dúvida como sintoma, como sonho esquecido, como desenho que apavora.

No clássico A Paixão Segundo GH, Clarice Lispector descreve a sensação da entrega ao desconhecido da dúvida:

Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo, e como uma cega perdida num campo. Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar. Essa coisa corajosa que será entregar-me, e que é como dar a mão à mão mal-assombrada do Deus, e entrar por essa coisa sem forma que é um paraíso. Um paraíso que não quero! (pág. 16)

Como diz James Hillman, no radical O Código da Alma: “Há algo a mais na vida humana do que nossas teorias permitem saber”.

A não-compreensão

A inexperiência em sustentar o não entendimento, o mistério, a dúvida e as possibilidades que ela contém, talvez seja a maior das angústias contemporâneas. E como sugere a cosmovisão junguiana que sustenta opostos, a mesma inexperiência pode conter, simultaneamente, o desconhecido caminho da rendição ao diálogo com símbolos do inconsciente, seus desígnios e o sentido maior da vida de todas as vidas.

Quando analisamos – ou melhor, sentimos – essa noção de solidão mais de perto, descobrimos que é formada por diversos elementos: nostalgia, tristeza, silêncio e uma imaginação que deseja ‘algo mais’ que não está nem aqui nem agora. Para que esses elementos e imagens apareçam, é preciso primeiro nos concentrarmos neles e não em remédios para ficarmos literalmente sozinhos. O desespero só piora quando buscarmos saídas para acabar com ele.

(O Código da Alma, pág. 75)

Em A Natureza da Psique, Jung despudoradamente afirma que “É ao crescimento da consciência que devemos a existência dos problemas; eles são o presente de grego da civilização”.

Com essa frase radical, o pensador ousou questionar a mais valiosa das virtudes que deveria desenvolver a humanidade: a lógica ocidental, o cientificismo pretensamente capaz de dar conta de 13,8 bilhões de anos de história do universo desde o Big Bang, ignorando saberes ancestrais, culturas primitivas, rejeitando o inexplicável.

Em uma sociedade altamente racionalista, os indivíduos são desencorajados a enxergar e dialogar com o mundo dos símbolos, dos sonhos, das fantasias, possibilidade intrínseca a todos os seres humanos, em todos os tempos.

A ideia de se saborear um livro, sem intenção de aprender algo “útil” é considerada perda de tempo, assim como a reverência a versos e melodias de uma música. O olhar contemporâneo viciado no rolamento de feeds das redes sociais já tem dificuldade de se perder nas cores de uma tela por mais de alguns minutos.

Neste contexto, o mundo das imagens é considerado supérfluo e, sobre este, o poeta irlandês Oscar Wild já ensinou: “Deem-me o supérfluo, pois o necessário qualquer um pode ter.

Consciência e ego

Vale retomar aqui a origem da consciência, segundo Jung. Para ele, a consciência nasce a partir do inconsciente coletivo, poço de histórias e significados inatos. Nasce em uma vida até outrora mantida pela energia arquetípica, instintiva, e vai se tornando mais e mais complexa e multidimensional com o desenvolvimento físico, mental, social, espiritual e psíquico do indivíduo.

Por essa perspectiva, o ego é a estrutura central da consciência, que surge a partir da mesma e está altamente identificado com o corpo, tendo em vista que seu desenvolvimento se dá pelo caminho da propriocepção (a percepção corporal). Para que o desenvolvimento psíquico transcorra de forma plena, o ego precisa ser flexível a ponto de administrar conteúdos conscientes e inconscientes (sejam oriundos do inconsciente pessoal, familiar ou coletivo) ao longo da vida.

Ao apostarmos todas as fichas na consciência, o ego também ganha posto nobre na falsa ideia de que precisa ser realizado.

Assim, se enrijece e, ora acredita ser o senhor de tudo (dando origem a tirânicos exemplares laranjas do self-made man, que acreditam e agem em exclusivamente prol de seus próprios desejos), ora torna-se todo o mal, numa busca igualmente fantasiosa por sua morte, em prol da iluminação espiritual.

Como escreve o professor e analista junguiano Waldemar Magaldi Filho, em Fundamentos da Psicologia Analítica (2022, pág.130): “O ego pertence à alma e sua maior realização é servi-la”.

Em Estudos Alquímicos, Jung sintetiza a ideia do que chamou de monoteísmo da consciência:

A dessacralização de nossa época tão profana é devida ao nosso desconhecimento da psique inconsciente e ao culto exclusivo da consciência. Nossa verdadeira religião é o monoteísmo da consciência, uma possessão da consciência que ocasiona uma negação fanática da existência de sistemas parciais autônomos.

(O/C 13 § 51)

Uma vida árida

Assim, o infinito conteúdo inconsciente que adquire energia suficiente para emergir e cruzar a linha da consciência é ignorado sistematicamente. Desta forma, perde-se, individual e coletivamente, a chance de simbolizar tais conteúdos, por meio da ampliação dos sonhos, das expressões artísticas, da associação de palavras e das sincronicidades. Perde-se também a chance de permanecer na dúvida.

Ignorado, o inconsciente selvagem, que contém ideias arquetípicas desvinculadas dos julgamentos morais do espírito de nossa época, encontra formas cada vez mais enfáticas, senão violentas, para se realizar.

Nem apenas inconsciente, nem só consciência e ego, a existência humana integral necessita das estruturas psíquicas em interdependência.

Os vislumbres dos símbolos do inconsciente precisam e devem ser tratados com a mesma reverência da consciência capaz de discernir e de um ego forjado a realizar tarefas em prol da manifestação do arquétipo central da psique, o Si-mesmo, que serve ao individual e ao coletivo num só tempo.

Em um contexto global altamente sintomático, no qual o tempo para os sonhos é roubado por jornadas de trabalho desumanas, os sintomas são calados com medicações para tudo, a criatividade desvinculada de metas estéticas e performáticas não é estimulada, em um sistema que desmerece o mistério, a revisão da ideia da supremacia da consciência nunca foi tão urgente.

Luciana Branco – Analista em Formação pelo IJEP

Waldemar Magaldi Filho – Analista Didata do IJEP

Referências:

HILLMAN, James. O Código da Alma. São Paulo: Goya, 2025.

JUNG, CG. A Natureza da psique. 10ª edição. Petrópolis: Vozes, 2013.

______ Estudos Alquímicos. 1ª edição. Petrópolis: Vozes, 2016.

LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo GH. 1ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

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