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A virtude da temperança

Na visão junguiana, a meta da vida é o significado, ser feliz é apenas uma consequência. Assim, precisamos aprender a enxergar o sentido de cada situação que passamos. Viver uma vida totalmente voltada para o literal ou de maneira unilateralizada produz sintomas e adoece, pois é a capacidade de simbolizar que permite um diálogo entre a situação/objeto e o indivíduo, levando então ao sentido de cada momento. 

Se quisermos de fato iniciar o diálogo com o nosso inconsciente, precisamos primeiro aprender a decifrar a sua linguagem. O inconsciente se apresenta e se comunica sempre através de símbolos, que são “um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional”. (JUNG, 2008 p.18) Desta forma, o símbolo nos convida para ir além do que se pode ver, ao subjetivo de cada situação. Pede envolvimento pessoal e individual. 

Quando entramos em contato com oráculos, o convite para o envolvimento pessoal, para ir além do que é apresentado se intensifica, pois eles são recursos simbólicos para o acesso aos conteúdos do inconsciente. Indo para o universo do Tarot, cada lâmina, rica em símbolos, conta uma história, nos mostra uma personalidade e um aprendizado. Todas as cartas são rituais de passagem – estágios ou processos, não resultados ou lugares estáticos imutáveis.

Aproveitando a excelente oportunidade, peguei o meu próprio deck e me concentrei para ver qual carta estaria em conexão com o momento e, para a surpresa – nem tanto, confesso – saiu a carta que mais representaria não apenas o momento pessoal mas também coletivo, uma vez que sabemos que os oráculos falam sobre a nossa vida sempre dentro de um contexto coletivo, sendo inevitável a visitação do que acontece ao nosso redor.

A carta em questão, tão bonita e doce quanto temida, é a Temperança. Representada pelo número XIV, a Temperança faz parte dos Arcanos Maiores – e vale aqui compartilhar como curiosidade que a palavra arcano significa mistério – e, portanto, sendo um dos mistérios do Tarot, pede para tentarmos decifrar seu simbolismo além de evidenciar um desafio dentro da jornada da vida. 

Nos tarots clássicos e modernos, vemos um homem com asas, representando a conexão entre os homens com as hierarquias superiores, tocando o solo com os pés – um deles em contato com a água e outro na terra, e segura nas mãos dois jarros onde a água é trocada entre eles, como se fosse temperar as forças opostas através do liquido. Percebemos aqui a importância de temperar, equilibrar as polaridades: temos homem e anjo, água e terra, razão e emoção, consciente e inconsciente etc.

Vale reparar que mesmo tendo a troca de água entre os jarros, seu conteúdo está contido. Não é despejado de volta na água nem entra água nova. É um momento mais de pausa, de contenção e é por isso que muitas pessoas não se sentem à vontade quando ela aparece – não adianta apressar, tentar controlar, fingir que nada está acontecendo. A carta pede sim movimento, equilíbrio, porém ficamos reféns de algo maior que nós – o momento certo e oportuno está fora das nossas mãos. Muitas vezes temos que fazer nossa parte e apenas esperar. 

Nos tempos em que vivemos, cheios de urgência, crises de ansiedade em larga escala; pedir para fazer o possível, tentando equilibrar os opostos na própria individualidade e aguardar, parece até um pouco torturante. Mas é exatamente o que a vida nos pede em muitos momentos. Sair da onipotência de achar que controlamos tudo e todos e parar para olhar os sinais e o ritmo que a própria vida nos impõe é de grande sabedoria. E isso é algo que precisamos aprender com a Temperança.

O Arcano XIV nos convida a fazer a nossa alquimia pessoal – ver em qual área da vida está precisando de um pouco mais de sal, onde precisamos adoçar mais, em qual área colocar pimenta, quase que um processo gastronômico. Ela pede um olhar apurado e coragem para as transformações – é preciso lapidar, é preciso transmutar, é preciso entrar em processos profundos e refletir. E para fazer tudo isso, precisa de tempo.  

O tempo é o nosso maior aliado no alcance dos nossos objetivos. Neste arcano, dedicar tempo para os cuidados com o corpo, alimentação, estudos, acalmar, entrar em contato com a nossa alma é imprescindível; o tempo se torna nosso maior aliado para a realização dos nossos objetivos. Precisamos resgatar a confiança que as metas e exigências materiais podem ser conquistadas com leveza e serenidade. A vida pode e deve ser levada de forma diferente, com mais presença e atenção. É preciso se lançar para as conquistas da jornada com coragem de se relacionar com cada etapa deste processo, permitindo influenciar e ser influenciado, buscando o sentido profundo de tudo a nossa volta. No tempo onde o imediatismo e o consumismo estão tão em alta, a Temperança surge para desacelerar e nos ensinar a ver além do literal e objetivo. 

Ela nos convida a agir com moderação e talvez seja isso que assuste. Como moderar quando apenas se quer controlar e acelerar todos os processos? Como pensar em moderar quando se busca extrair o máximo de cada experiência? E é aqui que novamente ela entra para recordar que a moderação não é necessariamente rasa. Moderar é dar tempo ao tempo, ponderar, é também buscar a exata medida e, para isso, é necessária uma profunda reflexão. O problema é acharmos que apenas o que é exagerado é profundo. Há muita intensidade, análise e envolvimento na moderação e isso é um paradoxo – como a própria vida também o é.

Com moderação, deixamos de ser escravos dos desejos e passamos a ser co-autor das realizações. Podemos sim conquistar, ir atrás do que queremos, mas sempre entendendo que o tempo oportuno precisa estar afinado com os nossos desejos para que eles se concretizem no agora. A moderação também é nossa aliada pois nos protege de ciladas. Por que se briga tanto com ela, não é?  

Com a energia da Temperança na nossa vida, entendemos que o momento, muitas vezes, não é de superar, mas sim, de respeitar nossos limites. Entender o que queremos, o que é possível, o que é bom, sempre na harmonia perfeita da consciência e dos ‘mistérios’ do inconsciente que também têm voz ativa nos nossos dias. 

Quantos momentos fantasiamos ter super poderes para acelerar os fatos, concluir o que nos consome, e brincarmos assim de semi-Deus? Mas a Temperança aparece nestes exatos momentos para nos ensinar que não se deve ter pressa; que é melhor aprender a ser pacientes e avançar aos poucos, com mais preparo, com mais cautela. Geralmente são momentos em que temos apenas que aceitar que nem tudo está ao nosso alcance, que nos resta ter calma e aguardar. Há um tempo certo para tudo na nossa vida. Encontramos na Bíblia a passagem que retrata perfeitamente este tempo de amadurecimento das coisas, que revela o ritmo da vida, do qual desconhecemos  a ordem em que se dará o evento, pois isso pertence a Deus, mas que para cada coisa o seu tempo no propósito da existência:

“1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. 

2 Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; 

3 Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; 

4 Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; 

5 Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; 

6 Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; 

7 Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; 

8 Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz “. (Eclesiastes 3:1-8 )

Não podemos esquecer que, na simbologia desta carta, temos a figura de um anjo. Ou seja, não podemos deixar de lado a dimensão espiritual. É preciso também dar voz para este algo além da gente (da mente racional) quando ela se manifesta. O Self vai sempre tentar dialogar com a gente, então nos cabe apenas escutá-lo através das diversas manifestações do inconsciente.

Neste raciocínio, impossível não lembrar do relato do próprio Jung no ‘O Livro Vermelho’. Em duas passagens distintas, em momentos de angústia, ansiedade e raiva, a voz da alma fala para ele esperar. A primeira passagem pode ser encontrada no Liber Primus, Cap IV chamado ‘O deserto’:

“(…) o que me leva para o deserto, e o que eu devo fazer lá? Existe uma ilusão de que não posso mais confiar ao meu pensamento? Verdadeira é apenas a vida, e tão só a vida me leva ao deserto, realmente não meu pensar que gostaria de voltar para as pessoas, para as coisas, pois lhe é sinistro estar no deserto. Minha alma, o que eu devo fazer aqui? Mas a minha alma falou-me e disse: ‘Espera’. Eu escuto a terrível palavra. Ao deserto pertence a dor”. (JUNG, 2013 p.128)

A partir deste capítulo começa uma discussão de Jung sobre a questão do tempo  – ele fala sobre o homem moderno e sua busca em ganhar tempo, acelerar o processo, etc., e que usa da aceleração do tempo um meio de não se responsabilizar. 

Antes de prosseguir para o segundo exemplo, é importante ressaltar que nos capítulos seguintes, de aprofundamento no deserto, Jung conclui que nem o espirito da época, nem o espirito da profundeza – alma – são divinos, mas que a balança é divina – se referindo ao equilíbrio entre o homem que trabalha e o homem que tem essas experiências, o equilíbrio entre o ego e o Self. Puxando para o nosso tema da virtude da Temperança, mesmo que seja iniciado por um período de dor ou desconforto, aprender a equilibrar as polaridades consciência e inconsciente é uma grande virtude. 

Na jornada dos Arcanos Maiores do Tarot, temos os arquétipos do Enforcado e da Morte antecedendo a Temperança, nos indicando a possibilidade de antes analisarmos as situações que nos trazem desconforto e fazermos as mudanças necessárias, tirando o que não nos serve mais, limpando o que foi deixado de lado para então, no momento dela, fazermos este equilíbrio, a ponderação, reorganizando os assuntos e sentimentos conforme cabe em cada vida. Pensando nos processos alquímicos, após a Putrefação sugerida no Arcano XIII da Morte, deve-se fazer a Destilação, onde todas as impurezas são extraídas do material já dissolvido, um processo de extração das virtudes. Robert M. Place reforça o propósito da Temperança com a simbologia da Alquimia quando relembra que a “mítica Maria, a Judia, é creditada como inventora da Destilação – também conhecida como Banho-Maria” (2016 p.186), traz o processo mais fundamental da alquimia que é a extração do material de sua solução pela evaporação forçada.

Mais a frente, no cap. VI chamado Divisão do espírito, Jung novamente se revolta com a sua alma quando, novamente, ela propõe algo difícil para ele:

“(…) Este caminho está cercado de magia infernal; laços invisíveis foram atirados sobre mim e me amarram. Mas o espírito da profundeza aproximou-se de mim e falou: ‘Desce para tua profundeza, afunda-te’. Eu, porém, me revoltei contra ele e falei: ‘Como posso afundar-me? Sou incapaz de fazer isso comigo’. Então o espírito me dirigiu palavras que me pareceram ridículas, e ele disse: Senta-te e descansa’.”. (JUNG, 2013, p.142)

Concluímos, então, que a alma pede ação, mas muitas vezes pede que enfrentemos o estado da espera, da maturação. Enquanto a alquimia está sendo feita, devemos deixar alguns comandos de lado pois só assim é que teremos mais sabedoria para seguirmos a diante. Nem todos os conteúdos estão prontos para serem mexidos no agora.

A Temperança, desta forma, também nos induz a compreender a importância do sentimento como uma função de escolha ativa e inteligente. A água despejada incessantemente de um cálice para o outro se dá porque o sentimento também deve fluir constantemente, sendo reequilibrado a cada momento, de acordo com o que a situação pede. Nós temos a liberdade de escolha, mas temos também que entender que nem sempre os resultados serão imediatos. Deve se ter um olhar atento, honesto e profundo a cada momento, sempre e de novo – parafraseando o Jung no livro ‘A Natureza da Psique’ (2011).

Nesta difícil relação de espera, devemos compreender que não se trata de uma espera passiva, omissa, onde corremos o risco da procrastinação. A grande joia desta carta é compreender que na espera ativa, eu faço a minha parte, o que já está a minha disposição e deixo o espírito, a alma fazer a parte dela, numa equilibrada e harmoniosa interação do homem com o universo. 

Assim, nos tempos atuais de cólera, intolerância e imediatismo, vamos conversar com a Temperança dentro de nós e aprendermos qual é o nosso limite e quais os potenciais ainda não trabalhados, buscando sempre o nosso melhor diante das situações. Como comentei no início, é uma carta bela e doce porque se este momento for encarado como um potencial vasto de aprendizado da nossa alma, ela só tem a nos presentear. Agora é também temido por muitos pois nos traz aquele tipo de lição a qual nós não podemos fugir. Se quisermos amadurecer, teremos que aprender a lidar com ela, olhar no fundo dos seus olhos e humildemente nos render que existem outros de nós neste jogo da vida querendo também ter espaço e presença. Que na jornada da vida, temos alguns momentos de controle. Mas nos outros, só nos resta aguardar. 

Referências Bibliográficas

JUNG, C.G. A natureza da Psique: a dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C.G. O Livro Vermelho: edição sem ilustrações. Petrópolis: Vozes, 2013

JUNG, C.G. [et al.] O Homem e seus símbolos. 2 edição especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

PLACE, Robert M. Alquimia e tarô – Uma investigação de suas conexões históricas. São Bernardo do Campo: Presságio, 2016.

Marcella Helena Ferreira

Analista Junguiana em formação pelo IJEP, especialista em Psicoterapia Junguiana e Psicossomática.

Para contato: marcellahlferreira@gmail.com /@conhecendojung

A virtude da Temperança

Na visão junguiana, a meta da vida é o significado, ser feliz é apenas uma consequência. Assim,

precisamos aprender a enxergar o sentido de cada situação que passamos. Viver uma vida totalmente voltada para o literal ou de maneira unilateralizada produz sintomas e adoece, pois é a capacidade de simbolizar que permite um diálogo entre a situação/objeto e o indivíduo, levando então ao sentido de cada momento. 

Se quisermos de fato iniciar o diálogo com o nosso inconsciente, precisamos primeiro aprender a decifrar a sua linguagem. O inconsciente se apresenta e se comunica sempre através de símbolos, que são “um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional”. (JUNG, 2008 p.18) Desta forma, o símbolo nos convida para ir além do que se pode ver, ao subjetivo de cada situação. Pede envolvimento pessoal e individual. 

Quando entramos em contato com oráculos, o convite para o envolvimento pessoal, para ir além do que é apresentado se intensifica, pois eles são recursos simbólicos para o acesso aos conteúdos do inconsciente. Indo para o universo do Tarot, cada lâmina, rica em símbolos, conta uma história, nos mostra uma personalidade e um aprendizado. Todas as cartas são rituais de passagem – estágios ou processos, não resultados ou lugares estáticos imutáveis.

Aproveitando a excelente oportunidade, peguei o meu próprio deck e me concentrei para ver qual carta estaria em conexão com o momento e, para a surpresa – nem tanto, confesso – saiu a carta que mais representaria não apenas o momento pessoal mas também coletivo, uma vez que sabemos que os oráculos falam sobre a nossa vida sempre dentro de um contexto coletivo, sendo inevitável a visitação do que acontece ao nosso redor.

A carta em questão, tão bonita e doce quanto temida, é a Temperança. Representada pelo número XIV, a Temperança faz parte dos Arcanos Maiores – e vale aqui compartilhar como curiosidade que a palavra arcano significa mistério – e, portanto, sendo um dos mistérios do Tarot, pede para tentarmos decifrar seu simbolismo além de evidenciar um desafio dentro da jornada da vida. 

Nos tarots clássicos e modernos, vemos um homem com asas, representando a conexão entre os homens com as hierarquias superiores, tocando o solo com os pés – um deles em contato com a água e outro na terra, e segura nas mãos dois jarros onde a água é trocada entre eles, como se fosse temperar as forças opostas através do liquido. Percebemos aqui a importância de temperar, equilibrar as polaridades: temos homem e anjo, água e terra, razão e emoção, consciente e inconsciente etc.

Vale reparar que mesmo tendo a troca de água entre os jarros, seu conteúdo está contido. Não é despejado de volta na água nem entra água nova. É um momento mais de pausa, de contenção e é por isso que muitas pessoas não se sentem à vontade quando ela aparece – não adianta apressar, tentar controlar, fingir que nada está acontecendo. A carta pede sim movimento, equilíbrio, porém ficamos reféns de algo maior que nós – o momento certo e oportuno está fora das nossas mãos. Muitas vezes temos que fazer nossa parte e apenas esperar. 

Nos tempos em que vivemos, cheios de urgência, crises de ansiedade em larga escala; pedir para fazer o possível, tentando equilibrar os opostos na própria individualidade e aguardar, parece até um pouco torturante. Mas é exatamente o que a vida nos pede em muitos momentos. Sair da onipotência de achar que controlamos tudo e todos e parar para olhar os sinais e o ritmo que a própria vida nos impõe é de grande sabedoria. E isso é algo que precisamos aprender com a Temperança.

O Arcano XIV nos convida a fazer a nossa alquimia pessoal – ver em qual área da vida está precisando de um pouco mais de sal, onde precisamos adoçar mais, em qual área colocar pimenta, quase que um processo gastronômico. Ela pede um olhar apurado e coragem para as transformações – é preciso lapidar, é preciso transmutar, é preciso entrar em processos profundos e refletir. E para fazer tudo isso, precisa de tempo.  

O tempo é o nosso maior aliado no alcance dos nossos objetivos. Neste arcano, dedicar tempo para os cuidados com o corpo, alimentação, estudos, acalmar, entrar em contato com a nossa alma é imprescindível; o tempo se torna nosso maior aliado para a realização dos nossos objetivos. Precisamos resgatar a confiança que as metas e exigências materiais podem ser conquistadas com leveza e serenidade. A vida pode e deve ser levada de forma diferente, com mais presença e atenção. É preciso se lançar para as conquistas da jornada com coragem de se relacionar com cada etapa deste processo, permitindo influenciar e ser influenciado, buscando o sentido profundo de tudo a nossa volta. No tempo onde o imediatismo e o consumismo estão tão em alta, a Temperança surge para desacelerar e nos ensinar a ver além do literal e objetivo. 

Ela nos convida a agir com moderação e talvez seja isso que assuste. Como moderar quando apenas se quer controlar e acelerar todos os processos? Como pensar em moderar quando se busca extrair o máximo de cada experiência? E é aqui que novamente ela entra para recordar que a moderação não é necessariamente rasa. Moderar é dar tempo ao tempo, ponderar, é também buscar a exata medida e, para isso, é necessária uma profunda reflexão. O problema é acharmos que apenas o que é exagerado é profundo. Há muita intensidade, análise e envolvimento na moderação e isso é um paradoxo – como a própria vida também o é.

Com moderação, deixamos de ser escravos dos desejos e passamos a ser co-autor das realizações. Podemos sim conquistar, ir atrás do que queremos, mas sempre entendendo que o tempo oportuno precisa estar afinado com os nossos desejos para que eles se concretizem no agora. A moderação também é nossa aliada pois nos protege de ciladas. Por que se briga tanto com ela, não é?  

Com a energia da Temperança na nossa vida, entendemos que o momento, muitas vezes, não é de superar, mas sim, de respeitar nossos limites. Entender o que queremos, o que é possível, o que é bom, sempre na harmonia perfeita da consciência e dos ‘mistérios’ do inconsciente que também têm voz ativa nos nossos dias. 

Quantos momentos fantasiamos ter super poderes para acelerar os fatos, concluir o que nos consome, e brincarmos assim de semi-Deus? Mas a Temperança aparece nestes exatos momentos para nos ensinar que não se deve ter pressa; que é melhor aprender a ser pacientes e avançar aos poucos, com mais preparo, com mais cautela. Geralmente são momentos em que temos apenas que aceitar que nem tudo está ao nosso alcance, que nos resta ter calma e aguardar. Há um tempo certo para tudo na nossa vida. Encontramos na Bíblia a passagem que retrata perfeitamente este tempo de amadurecimento das coisas, que revela o ritmo da vida, do qual desconhecemos  a ordem em que se dará o evento, pois isso pertence a Deus, mas que para cada coisa o seu tempo no propósito da existência:

“1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. 

2 Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; 

3 Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; 

4 Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; 

5 Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; 

6 Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; 

7 Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; 

8 Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz “. (Eclesiastes 3:1-8 )

Não podemos esquecer que, na simbologia desta carta, temos a figura de um anjo. Ou seja, não podemos deixar de lado a dimensão espiritual. É preciso também dar voz para este algo além da gente (da mente racional) quando ela se manifesta. O Self vai sempre tentar dialogar com a gente, então nos cabe apenas escutá-lo através das diversas manifestações do inconsciente.

Neste raciocínio, impossível não lembrar do relato do próprio Jung no ‘O Livro Vermelho’. Em duas passagens distintas, em momentos de angústia, ansiedade e raiva, a voz da alma fala para ele esperar. A primeira passagem pode ser encontrada no Liber Primus, Cap IV chamado ‘O deserto’:

“(…) o que me leva para o deserto, e o que eu devo fazer lá? Existe uma ilusão de que não posso mais confiar ao meu pensamento? Verdadeira é apenas a vida, e tão só a vida me leva ao deserto, realmente não meu pensar que gostaria de voltar para as pessoas, para as coisas, pois lhe é sinistro estar no deserto. Minha alma, o que eu devo fazer aqui? Mas a minha alma falou-me e disse: ‘Espera’. Eu escuto a terrível palavra. Ao deserto pertence a dor”. (JUNG, 2013 p.128)

A partir deste capítulo começa uma discussão de Jung sobre a questão do tempo  – ele fala sobre o homem moderno e sua busca em ganhar tempo, acelerar o processo, etc., e que usa da aceleração do tempo um meio de não se responsabilizar. 

Antes de prosseguir para o segundo exemplo, é importante ressaltar que nos capítulos seguintes, de aprofundamento no deserto, Jung conclui que nem o espirito da época, nem o espirito da profundeza – alma – são divinos, mas que a balança é divina – se referindo ao equilíbrio entre o homem que trabalha e o homem que tem essas experiências, o equilíbrio entre o ego e o Self. Puxando para o nosso tema da virtude da Temperança, mesmo que seja iniciado por um período de dor ou desconforto, aprender a equilibrar as polaridades consciência e inconsciente é uma grande virtude. 

Na jornada dos Arcanos Maiores do Tarot, temos os arquétipos do Enforcado e da Morte antecedendo a Temperança, nos indicando a possibilidade de antes analisarmos as situações que nos trazem desconforto e fazermos as mudanças necessárias, tirando o que não nos serve mais, limpando o que foi deixado de lado para então, no momento dela, fazermos este equilíbrio, a ponderação, reorganizando os assuntos e sentimentos conforme cabe em cada vida. Pensando nos processos alquímicos, após a Putrefação sugerida no Arcano XIII da Morte, deve-se fazer a Destilação, onde todas as impurezas são extraídas do material já dissolvido, um processo de extração das virtudes. Robert M. Place reforça o propósito da Temperança com a simbologia da Alquimia quando relembra que a “mítica Maria, a Judia, é creditada como inventora da Destilação – também conhecida como Banho-Maria” (2016 p.186), traz o processo mais fundamental da alquimia que é a extração do material de sua solução pela evaporação forçada.

Mais a frente, no cap. VI chamado Divisão do espírito, Jung novamente se revolta com a sua alma quando, novamente, ela propõe algo difícil para ele:

“(…) Este caminho está cercado de magia infernal; laços invisíveis foram atirados sobre mim e me amarram. Mas o espírito da profundeza aproximou-se de mim e falou: ‘Desce para tua profundeza, afunda-te’. Eu, porém, me revoltei contra ele e falei: ‘Como posso afundar-me? Sou incapaz de fazer isso comigo’. Então o espírito me dirigiu palavras que me pareceram ridículas, e ele disse: Senta-te e descansa’.”. (JUNG, 2013, p.142)

Concluímos, então, que a alma pede ação, mas muitas vezes pede que enfrentemos o estado da espera, da maturação. Enquanto a alquimia está sendo feita, devemos deixar alguns comandos de lado pois só assim é que teremos mais sabedoria para seguirmos a diante. Nem todos os conteúdos estão prontos para serem mexidos no agora.

A Temperança, desta forma, também nos induz a compreender a importância do sentimento como uma função de escolha ativa e inteligente. A água despejada incessantemente de um cálice para o outro se dá porque o sentimento também deve fluir constantemente, sendo reequilibrado a cada momento, de acordo com o que a situação pede. Nós temos a liberdade de escolha, mas temos também que entender que nem sempre os resultados serão imediatos. Deve se ter um olhar atento, honesto e profundo a cada momento, sempre e de novo – parafraseando o Jung no livro ‘A Natureza da Psique’ (2011).

Nesta difícil relação de espera, devemos compreender que não se trata de uma espera passiva, omissa, onde corremos o risco da procrastinação. A grande joia desta carta é compreender que na espera ativa, eu faço a minha parte, o que já está a minha disposição e deixo o espírito, a alma fazer a parte dela, numa equilibrada e harmoniosa interação do homem com o universo. 

Assim, nos tempos atuais de cólera, intolerância e imediatismo, vamos conversar com a Temperança dentro de nós e aprendermos qual é o nosso limite e quais os potenciais ainda não trabalhados, buscando sempre o nosso melhor diante das situações. Como comentei no início, é uma carta bela e doce porque se este momento for encarado como um potencial vasto de aprendizado da nossa alma, ela só tem a nos presentear. Agora é também temido por muitos pois nos traz aquele tipo de lição a qual nós não podemos fugir. Se quisermos amadurecer, teremos que aprender a lidar com ela, olhar no fundo dos seus olhos e humildemente nos render que existem outros de nós neste jogo da vida querendo também ter espaço e presença. Que na jornada da vida, temos alguns momentos de controle. Mas nos outros, só nos resta aguardar. 

Referências Bibliográficas

JUNG, C.G. A natureza da Psique: a dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C.G. O Livro Vermelho: edição sem ilustrações. Petrópolis: Vozes, 2013

JUNG, C.G. [et al.] O Homem e seus símbolos. 2 edição especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

PLACE, Robert M. Alquimia e tarô – Uma investigação de suas conexões históricas. São Bernardo do Campo: Presságio, 2016.

Marcella Helena Ferreira

Analista Junguiana em formação pelo IJEP, especialista em Psicoterapia Junguiana e Psicossomática.

Para contato: marcellahlferreira@gmail.com /@conhecendojung

A virtude da Temperança

Na visão junguiana, a meta da vida é o significado, ser feliz é apenas uma consequência. Assim,

precisamos aprender a enxergar o sentido de cada situação que passamos. Viver uma vida totalmente voltada para o literal ou de maneira unilateralizada produz sintomas e adoece, pois é a capacidade de simbolizar que permite um diálogo entre a situação/objeto e o indivíduo, levando então ao sentido de cada momento. 

Se quisermos de fato iniciar o diálogo com o nosso inconsciente, precisamos primeiro aprender a decifrar a sua linguagem. O inconsciente se apresenta e se comunica sempre através de símbolos, que são “um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional”. (JUNG, 2008 p.18) Desta forma, o símbolo nos convida para ir além do que se pode ver, ao subjetivo de cada situação. Pede envolvimento pessoal e individual. 

Quando entramos em contato com oráculos, o convite para o envolvimento pessoal, para ir além do que é apresentado se intensifica, pois eles são recursos simbólicos para o acesso aos conteúdos do inconsciente. Indo para o universo do Tarot, cada lâmina, rica em símbolos, conta uma história, nos mostra uma personalidade e um aprendizado. Todas as cartas são rituais de passagem – estágios ou processos, não resultados ou lugares estáticos imutáveis.

Aproveitando a excelente oportunidade, peguei o meu próprio deck e me concentrei para ver qual carta estaria em conexão com o momento e, para a surpresa – nem tanto, confesso – saiu a carta que mais representaria não apenas o momento pessoal mas também coletivo, uma vez que sabemos que os oráculos falam sobre a nossa vida sempre dentro de um contexto coletivo, sendo inevitável a visitação do que acontece ao nosso redor.

A carta em questão, tão bonita e doce quanto temida, é a Temperança. Representada pelo número XIV, a Temperança faz parte dos Arcanos Maiores – e vale aqui compartilhar como curiosidade que a palavra arcano significa mistério – e, portanto, sendo um dos mistérios do Tarot, pede para tentarmos decifrar seu simbolismo além de evidenciar um desafio dentro da jornada da vida. 

Nos tarots clássicos e modernos, vemos um homem com asas, representando a conexão entre os homens com as hierarquias superiores, tocando o solo com os pés – um deles em contato com a água e outro na terra, e segura nas mãos dois jarros onde a água é trocada entre eles, como se fosse temperar as forças opostas através do liquido. Percebemos aqui a importância de temperar, equilibrar as polaridades: temos homem e anjo, água e terra, razão e emoção, consciente e inconsciente etc.

Vale reparar que mesmo tendo a troca de água entre os jarros, seu conteúdo está contido. Não é despejado de volta na água nem entra água nova. É um momento mais de pausa, de contenção e é por isso que muitas pessoas não se sentem à vontade quando ela aparece – não adianta apressar, tentar controlar, fingir que nada está acontecendo. A carta pede sim movimento, equilíbrio, porém ficamos reféns de algo maior que nós – o momento certo e oportuno está fora das nossas mãos. Muitas vezes temos que fazer nossa parte e apenas esperar. 

Nos tempos em que vivemos, cheios de urgência, crises de ansiedade em larga escala; pedir para fazer o possível, tentando equilibrar os opostos na própria individualidade e aguardar, parece até um pouco torturante. Mas é exatamente o que a vida nos pede em muitos momentos. Sair da onipotência de achar que controlamos tudo e todos e parar para olhar os sinais e o ritmo que a própria vida nos impõe é de grande sabedoria. E isso é algo que precisamos aprender com a Temperança.

O Arcano XIV nos convida a fazer a nossa alquimia pessoal – ver em qual área da vida está precisando de um pouco mais de sal, onde precisamos adoçar mais, em qual área colocar pimenta, quase que um processo gastronômico. Ela pede um olhar apurado e coragem para as transformações – é preciso lapidar, é preciso transmutar, é preciso entrar em processos profundos e refletir. E para fazer tudo isso, precisa de tempo.  

O tempo é o nosso maior aliado no alcance dos nossos objetivos. Neste arcano, dedicar tempo para os cuidados com o corpo, alimentação, estudos, acalmar, entrar em contato com a nossa alma é imprescindível; o tempo se torna nosso maior aliado para a realização dos nossos objetivos. Precisamos resgatar a confiança que as metas e exigências materiais podem ser conquistadas com leveza e serenidade. A vida pode e deve ser levada de forma diferente, com mais presença e atenção. É preciso se lançar para as conquistas da jornada com coragem de se relacionar com cada etapa deste processo, permitindo influenciar e ser influenciado, buscando o sentido profundo de tudo a nossa volta. No tempo onde o imediatismo e o consumismo estão tão em alta, a Temperança surge para desacelerar e nos ensinar a ver além do literal e objetivo. 

Ela nos convida a agir com moderação e talvez seja isso que assuste. Como moderar quando apenas se quer controlar e acelerar todos os processos? Como pensar em moderar quando se busca extrair o máximo de cada experiência? E é aqui que novamente ela entra para recordar que a moderação não é necessariamente rasa. Moderar é dar tempo ao tempo, ponderar, é também buscar a exata medida e, para isso, é necessária uma profunda reflexão. O problema é acharmos que apenas o que é exagerado é profundo. Há muita intensidade, análise e envolvimento na moderação e isso é um paradoxo – como a própria vida também o é.

Com moderação, deixamos de ser escravos dos desejos e passamos a ser co-autor das realizações. Podemos sim conquistar, ir atrás do que queremos, mas sempre entendendo que o tempo oportuno precisa estar afinado com os nossos desejos para que eles se concretizem no agora. A moderação também é nossa aliada pois nos protege de ciladas. Por que se briga tanto com ela, não é?  

Com a energia da Temperança na nossa vida, entendemos que o momento, muitas vezes, não é de superar, mas sim, de respeitar nossos limites. Entender o que queremos, o que é possível, o que é bom, sempre na harmonia perfeita da consciência e dos ‘mistérios’ do inconsciente que também têm voz ativa nos nossos dias. 

Quantos momentos fantasiamos ter super poderes para acelerar os fatos, concluir o que nos consome, e brincarmos assim de semi-Deus? Mas a Temperança aparece nestes exatos momentos para nos ensinar que não se deve ter pressa; que é melhor aprender a ser pacientes e avançar aos poucos, com mais preparo, com mais cautela. Geralmente são momentos em que temos apenas que aceitar que nem tudo está ao nosso alcance, que nos resta ter calma e aguardar. Há um tempo certo para tudo na nossa vida. Encontramos na Bíblia a passagem que retrata perfeitamente este tempo de amadurecimento das coisas, que revela o ritmo da vida, do qual desconhecemos  a ordem em que se dará o evento, pois isso pertence a Deus, mas que para cada coisa o seu tempo no propósito da existência:

“1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. 

2 Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; 

3 Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; 

4 Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; 

5 Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; 

6 Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; 

7 Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; 

8 Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz “. (Eclesiastes 3:1-8 )

Não podemos esquecer que, na simbologia desta carta, temos a figura de um anjo. Ou seja, não podemos deixar de lado a dimensão espiritual. É preciso também dar voz para este algo além da gente (da mente racional) quando ela se manifesta. O Self vai sempre tentar dialogar com a gente, então nos cabe apenas escutá-lo através das diversas manifestações do inconsciente.

Neste raciocínio, impossível não lembrar do relato do próprio Jung no ‘O Livro Vermelho’. Em duas passagens distintas, em momentos de angústia, ansiedade e raiva, a voz da alma fala para ele esperar. A primeira passagem pode ser encontrada no Liber Primus, Cap IV chamado ‘O deserto’:

“(…) o que me leva para o deserto, e o que eu devo fazer lá? Existe uma ilusão de que não posso mais confiar ao meu pensamento? Verdadeira é apenas a vida, e tão só a vida me leva ao deserto, realmente não meu pensar que gostaria de voltar para as pessoas, para as coisas, pois lhe é sinistro estar no deserto. Minha alma, o que eu devo fazer aqui? Mas a minha alma falou-me e disse: ‘Espera’. Eu escuto a terrível palavra. Ao deserto pertence a dor”. (JUNG, 2013 p.128)

A partir deste capítulo começa uma discussão de Jung sobre a questão do tempo  – ele fala sobre o homem moderno e sua busca em ganhar tempo, acelerar o processo, etc., e que usa da aceleração do tempo um meio de não se responsabilizar. 

Antes de prosseguir para o segundo exemplo, é importante ressaltar que nos capítulos seguintes, de aprofundamento no deserto, Jung conclui que nem o espirito da época, nem o espirito da profundeza – alma – são divinos, mas que a balança é divina – se referindo ao equilíbrio entre o homem que trabalha e o homem que tem essas experiências, o equilíbrio entre o ego e o Self. Puxando para o nosso tema da virtude da Temperança, mesmo que seja iniciado por um período de dor ou desconforto, aprender a equilibrar as polaridades consciência e inconsciente é uma grande virtude. 

Na jornada dos Arcanos Maiores do Tarot, temos os arquétipos do Enforcado e da Morte antecedendo a Temperança, nos indicando a possibilidade de antes analisarmos as situações que nos trazem desconforto e fazermos as mudanças necessárias, tirando o que não nos serve mais, limpando o que foi deixado de lado para então, no momento dela, fazermos este equilíbrio, a ponderação, reorganizando os assuntos e sentimentos conforme cabe em cada vida. Pensando nos processos alquímicos, após a Putrefação sugerida no Arcano XIII da Morte, deve-se fazer a Destilação, onde todas as impurezas são extraídas do material já dissolvido, um processo de extração das virtudes. Robert M. Place reforça o propósito da Temperança com a simbologia da Alquimia quando relembra que a “mítica Maria, a Judia, é creditada como inventora da Destilação – também conhecida como Banho-Maria” (2016 p.186), traz o processo mais fundamental da alquimia que é a extração do material de sua solução pela evaporação forçada.

Mais a frente, no cap. VI chamado Divisão do espírito, Jung novamente se revolta com a sua alma quando, novamente, ela propõe algo difícil para ele:

“(…) Este caminho está cercado de magia infernal; laços invisíveis foram atirados sobre mim e me amarram. Mas o espírito da profundeza aproximou-se de mim e falou: ‘Desce para tua profundeza, afunda-te’. Eu, porém, me revoltei contra ele e falei: ‘Como posso afundar-me? Sou incapaz de fazer isso comigo’. Então o espírito me dirigiu palavras que me pareceram ridículas, e ele disse: Senta-te e descansa’.”. (JUNG, 2013, p.142)

Concluímos, então, que a alma pede ação, mas muitas vezes pede que enfrentemos o estado da espera, da maturação. Enquanto a alquimia está sendo feita, devemos deixar alguns comandos de lado pois só assim é que teremos mais sabedoria para seguirmos a diante. Nem todos os conteúdos estão prontos para serem mexidos no agora.

A Temperança, desta forma, também nos induz a compreender a importância do sentimento como uma função de escolha ativa e inteligente. A água despejada incessantemente de um cálice para o outro se dá porque o sentimento também deve fluir constantemente, sendo reequilibrado a cada momento, de acordo com o que a situação pede. Nós temos a liberdade de escolha, mas temos também que entender que nem sempre os resultados serão imediatos. Deve se ter um olhar atento, honesto e profundo a cada momento, sempre e de novo – parafraseando o Jung no livro ‘A Natureza da Psique’ (2011).

Nesta difícil relação de espera, devemos compreender que não se trata de uma espera passiva, omissa, onde corremos o risco da procrastinação. A grande joia desta carta é compreender que na espera ativa, eu faço a minha parte, o que já está a minha disposição e deixo o espírito, a alma fazer a parte dela, numa equilibrada e harmoniosa interação do homem com o universo. 

Assim, nos tempos atuais de cólera, intolerância e imediatismo, vamos conversar com a Temperança dentro de nós e aprendermos qual é o nosso limite e quais os potenciais ainda não trabalhados, buscando sempre o nosso melhor diante das situações. Como comentei no início, é uma carta bela e doce porque se este momento for encarado como um potencial vasto de aprendizado da nossa alma, ela só tem a nos presentear. Agora é também temido por muitos pois nos traz aquele tipo de lição a qual nós não podemos fugir. Se quisermos amadurecer, teremos que aprender a lidar com ela, olhar no fundo dos seus olhos e humildemente nos render que existem outros de nós neste jogo da vida querendo também ter espaço e presença. Que na jornada da vida, temos alguns momentos de controle. Mas nos outros, só nos resta aguardar. 

Referências Bibliográficas

JUNG, C.G. A natureza da Psique: a dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C.G. O Livro Vermelho: edição sem ilustrações. Petrópolis: Vozes, 2013

JUNG, C.G. [et al.] O Homem e seus símbolos. 2 edição especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

PLACE, Robert M. Alquimia e tarô – Uma investigação de suas conexões históricas. São Bernardo do Campo: Presságio, 2016.

Marcella Helena Ferreira

Analista Junguiana em formação pelo IJEP, especialista em Psicoterapia Junguiana e Psicossomática.

Para contato: marcellahlferreira@gmail.com /@conhecendojung

Marcella Helena Ferreira 

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