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Contribuição da Epigenética na Psicossomática

epigenética e psicologia

A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original. Albert Einstein 

Uma das áreas mais pesquisadas na atualidade demonstra como os estímulos ambientais, os fatores estressantes e os pensamentos/ sentimentos vivenciados por uma pessoa interferem no binômio saúde-doença.

Esta área é a Epigenética, o estudo dos mecanismos moleculares através dos quais os fatores psicossociais controlam a expressão dos genes, ligando ou desligando sua manifestação.

Os fatores epigenéticos não alteram a fita de DNA (a herança genética continua a mesma), mas promovem alterações na expressão genética, que são transmitidas através das gerações como uma herança epigenética, mas que podem ser revertidas por outros estímulos psicossociais.

1.    Os genes e suas funções

Para compreender esses mecanismos relatados, cabe uma recordação sumária sobre os genes e suas funções. Caso sinta que esta parte é entediante passe para o próximo item, que vai elucidar os fatores psicossociais envolvidos na Epigenética.

Cada célula humana é composta de membrana celular, citoplasma e núcleo.

– Um açúcar (Dexoribose) está ligado a outro açúcar por moléculas de fosfato formando a espinha dorsal da molécula de DNA (uma das fitas).

– Cada açúcar de uma fita está ligado a uma base (que pode ser Adenina, Citosina, Guanina ou Timina), sendo que cada base de uma fita se liga à base da outra fita, como se fossem os degraus de uma escada unindo cada haste lateral. Existem quatro possibilidades de ¨degraus¨: A-T, T-A, C-G, G-C.

Através da replicação do DNA, cópias de cada gene são fornecidas a todas as células de um organismo, da mesma forma como às gerações seguintes.

As proteínas são geradas pela tradução da mensagem da sequência de bases, escolhendo os aminoácidos que se unem para formar as proteínas, pois cada proteína tem sua própria sequência de aminoácidos.

2.    Mecanismos epigenéticos

Existem algumas formas de regulação epigenética que podem ocorrer da seguinte forma:

– metilação do DNA: um grupo metila (-CH3) se une ao DNA inibindo a atividade daquela região.

– modificações das histonas: metilação, acetilação, fosforilação. Podem inibir ou ativar a expressão gênica.

– ação dos microRNAs: que inibem a formação da proteína, ou seja, inibem a expressão do gene.

Nesta perspectiva epigenética os genes atuam durante a síntese proteica, que vai atuar sobre os genes. Assim, os genes têm duas faces, uma voltada para fora (produção de proteínas) e outra voltada para dentro (o ambiente citoplasmático influencia na regulação gênica). Portanto, os genes são a um só tempo instrutores e instruídos, diretores e dirigidos.

São muitos os fatores psicossociais envolvidos nos mecanismos epigenéticos. Pode-se citar: o estresse em todas as suas modalidades (psicológica, biológica, física, química, social), hábitos e vícios, atividade física, alimentação, e outros.

3.    As interações psicossociais como mecanismo importante de regulação gênica.

Para elucidar como os fatores psicossociais atuam é interessante descrever algumas pesquisas e alguns relatos científicos que exemplificam claramente o tema que está sendo abordado.

Algumas substâncias agem mimetizando os estrógenos, como o bisfenol (usado na fabricação das garrafas de plástico), alguns fungicidas e herbicidas. Os genes podem ser marcados por essas substâncias e levarem a falhas no desenvolvimento de células, com incidência aumentada de câncer de próstata, doenças renais e anormalidades nos testículos (produção de espermatozoides defeituosos e queda da fertilidade).

Foram realizados experimentos em ratos expostos ao fungicida Vinclozolin, que mostraram espermatozoides defeituosos e queda da fertilidade quando adultos. O uso desse fungicida causou efeito transgeracional, pois seus filhotes do sexo masculino também apresentaram os mesmos problemas, sem que tivesse havido exposição ao fungicida. O mesmo se repetiu na terceira e quarta geração, lembrando que não houve alteração do DNA, somente ocorreu alteração na expressão dos genes e subsequentes eventos.

Em gêmeos idênticos que nasceram com uma doença genética chamada Síndrome de Kallmann (em que há mutação do DNA, com alteração do desenvolvimento sexual e redução do olfato) houve uma surpreendente ocorrência. Quando se esperava que ambos apresentassem os mesmos sintomas, já que possuíam a mesma carga genética, estes se manifestaram de forma diferente em cada um dos gêmeos: ambos tiveram redução no olfato, mas num deles o desenvolvimento sexual foi adequado, mostrando que mecanismos epigenéticos inibiram ou reduziram a atividade do gene mutante, corroborando com a abordagem psicossomática, que enfatiza a maneira individual que cada ser humano interage com o  ambiente sócio-econômico-cultural que está inserido,  com as experiências vivenciadas na suas relações familiares e com suas primeiras experiências de vida.

Estudos realizados em cérebros de pessoas que cometeram suicídio encontraram uma associação entre maior metilação da região do gene que sintetiza RNA ribossômico e história de negligência e/ou abuso identificada no perfil psicopatológico do indivíduo. A metilação impede a síntese proteica,

interferindo na expressão de genes na região do hipocampo (estrutura associada à impulsividade), fato que resulta em menores volumes dessa região. A redução do hipocampo em crianças vítimas de maus-tratos já era conhecida, mas esses estudos ajudam na compreensão do fenômeno.

Cabe elucidar que estudos da Neurociência evidenciaram que as conexões neurais podem ser modificadas pelas experiências vivenciadas pelos indivíduos, o que é chamada de plasticidade cerebral.                  

As sinapses químicas são modificadas na parte funcional, aumentando ou reduzindo sua efetividade. E também podem sofrer alterações anatômicas, inclusive com redução do número de sinapses preexistentes ou mesmo do crescimento de novas conexões. É essa plasticidade funcional dos neurônios que caracteriza cada um de nós como seres individuais.

Uma pesquisa com ratos e seus filhotes mostraram respostas diferentes ao estresse:

– Filhotes retirados do ninho materno por longos períodos foram recebidos pela mãe como estranhos, e não recebiam lambidas: tornaram-se estressados por toda vida.

– Filhotes retirados por curtos períodos, manipulados com cuidado por humanos, receberam lambidas com vigor: a reação ao estresse se mostrou reduzida.

– Filhotes criados por mães mais dedicadas a lambê-los demonstraram uma redução da reação ao estresse.

– Filhotes retirados de uma mãe má lambedora e misturados à ninhada de uma boa lambedora, tiveram reação ao estresse mais semelhante aos filhotes da boa lambedora.

Os resultados mostraram que os animais lambidos tornaram-se adultos mais tranquilos, porque o amor materno alterou os níveis de metilação no gene do receptor de glicocorticoides nas regiões do hipocampo, alterando assim a regulação dos níveis de hormônio do estresse durante a vida adulta.

Em relação ao câncer a Epigenética tem uma perspectiva inovadora. A desmetilação (perda de um grupo metila -CH3) provoca um aumento na expressão dos oncogenes, e o desligamento de histonas do DNA provoca um aumento na atividade desses genes, ambas levando a uma proliferação celular desenfreada.

O câncer decorre de uma interação intercelular rompida, ou seja, o microambiente apresenta uma perturbação nas interações intercelulares normais. A matriz extracelular é um dos meios principais pelos quais as células interagem umas com as outras, tanto no desenvolvimento adequado, quanto no câncer. A perturbação altera o ambiente interno das células, que resulta na hipometilação e outras mudanças epigenéticas.

Um carcinógeno é algo que altera a regulação epigenética e como os processos são reversíveis, ao contrário das genéticas, existem inúmeras implicações terapêuticas.

O foco do tratamento do câncer deveria estar mais atento a ajudar a população de células normais a lidar com o problema. O que é o contrário do que se vê no arsenal quimioterápico e radiológico dos tratamentos vigentes.

4.    Conclusão

Nesta breve exposição sobre a Epigenética, fica claro que não são os genes os responsáveis pela saúde/ doença, mas sim o que cada um de nós faz com suas emoções, memórias, expectativas positivas ou negativas, com suas imaginações e fantasias, com as relações internas e externas, com suas crenças, com sua espiritualidade, com seu ambiente sócio-econômico-cultural, com sua interação familiar e profissional, com sua relação corporal, ou seja, com todos os fatores psicossociais envolvidos desde nossa concepção e mesmo antes dela.

A Psicossomática enfatiza a inter-relação entre o sistema nervoso, o sistema endócrino e o imunológico numa troca de informações ininterrupta para manutenção do equilíbrio do soma e da psique, além da promoção de sistemas adaptativos para manter o organismo estável frente às mais diversas situações desestabilizantes, do ponto de vista físico, psíquico, social e espiritual.

As intervenções epigenéticas podem ser realizadas por meio da psicoterapia, da meditação, da espiritualidade, da mudança de crenças, dos hábitos alimentares saudáveis, dos exercícios físicos regulares, enfim, de qualquer situação que possa ser terapêutica, no sentido de proporcionar alteração do mal sentir/ mal pensar/ mal agir, uma vez que essas abordagens podem reverter as marcações epigenéticas existentes, interferindo na saúde/ doença pessoal, além de atuar minimizando ou impedindo a repetição dos padrões familiares que permeiam muitas gerações de indivíduos.

Referências

FRANCIS, Richard C, Epigenética. Como a ciência está revolucionando o que sabemos sobre hereditariedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.

HAMILTON, David R. Mente e emoções. O poder do pensamento sobre a matéria e sua influência para o bem-estar do nosso corpo. São Paulo: Cultrix, 2009.

KANDEL, Eric R, SCHWARTZ, James H, SIEGELBAUM, Steven A, HUDSPETH, A. J. Princípios de neurociências. 5 ed. Porto Alegre: AMGH Editora Ltda, 2014.

LIPTON, Bruce H. A biologia da crença. Ciência e espiritualidade na mesma sintonia: o poder da consciência sobre a matéria e os milagres. São Paulo: Editora Butterfly, 2007.

ROSSI, Ernest. Psychosocial genomics: gene expression, neurogenesis and human experience in mind-body medicine, Advances, 18(2), p. 22-30, 2002.

WANG, S. BARTOLOME, J. SCHANBERG, S. Heonatal deprivation of maternal touch may suppress ornithine descarboxylase via downregulation of the protooncogenes c-myc and max. J. Neuroscience, 16 (2), p. 836-842, 1996.

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