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Coronavírus: uma visão junguiana diante do distanciamento social

coronavirus e jung

O momento que estamos vivendo no Brasil e no mundo tem nos colocado em confinamento em nossas casas, um verdadeiro bigbrother da vida real. Não existe câmera, não existe bigfone, mas nossas projeções e sombras se encontram aí neste confinamento. Mais que isso, esse isolamento deixa evidente a dimensão dos opostos em nossa vida através dos nossos sentimentos e suas duplicidades, como o medo de estar infectado ou na crença de que não está, o medo de algum parente próximo em situação de risco estar infectado ou não e assim por diante.

Toda essa experiência que estamos vivenciando de um jeito ou de outro nos coloca diante de nós mesmos e de muitos pensamentos fantásticos. 

Historicamente, é sobretudo em épocas profundamente marcadas por dificuldades físicas, políticas, econômicas e espirituais que o ser humano volta seus olhos angustiados para o futuro e se multiplicam então as antecipações, utopias e visões apocalíticas.(JUNG,2011) 

Com isso fica evidenciado a negação do problema no pensamento mágico, isso não chega em mim. Não é preciso muito esforço para encontrar este tipo de pensamento, principalmente na mais humilde massa trabalhadora, influenciada pelo mesmo pensamento fantástico do nosso excelentíssimo presidente quando afirma: “ISSO É SÓ UMA GRIPINHA”. Desde segunda feira estou confinado em casa, trabalhando duramente para reorganizar minha dupla jornada no mundo corporativo e no consultório, para que seja possível a continuidade dos atendimentos através dos recursos online. Contudo, ainda vejo pessoas em bares, indo para os seus encontros sociais, aglomerados de famílias inteiras no supermercado e açougues de forma totalmente inconsequente, como se nada estivesse acontecendo no mundo. Em alguns é possível notar o medo estampado na cara, talvez porque não tenham auxílio de família ou de vizinhos. Por outro lado, podemos ver também o poder da solidariedade pelo mundo, com simples gestos de colaboração, solidariedade e cuidado.

É natural que em momentos de crise, a primeira atitude que nos ocorre é a negação. Existe uma certa inflação nesta negação, uma vontade de ser um super herói a ponto de acreditar que tudo que está acontecendo não pode chegar perto, ou mesmo uma projeção em problemas externos a ponto de acreditarmos que existe uma conspiração econômica ou qualquer outro tipo de problema com um objetivo de buscar um culpado no hostil mundo selvagem, como tem feito a família dissimulada que esta poder. A segunda atitude que nos acomete é a ansiedade, ficamos em uma tentativa mágica de saber o que vai acontecer, pensamos nos parentes, nos mais velhos da minha família, nas questões financeiras que talvez teremos de enfrentar no futuro. A terceira e mais consciente atitude é a aceitação, não gostamos do que está acontecendo, do medo que insiste em não sair dos pensamentos, porém podemos aceitar sem sair do aqui e agora, vivenciando o presente como ele é.

A falta de compreensão gerada pelas projeções compromete justamente o amor pelos outros homens. (JUNG,2011)

O fato é que muitos ainda não conseguem sair da negação ou da ansiedade, não aceitam o momento de crise, uma atitude que talvez possa apenas representar a falta de relação com o mundo interno, que nos possibilita olhamos para dentro e a tomada consciência do que está acontecendo aqui no meu mundo interno e externo ao mesmo tempo. Tudo isso nos coloca diante da incapacidade de contar ao outro o que está acontecendo conosco, nos coloca como reféns muito mais de uma crise interna.

A grande possibilidade que temos agora é aceitar tudo que está acontecendo, aceitar que corremos risco, e mais que isso, aceitar podemos ser o meio pelo qual outras pessoas também correm riscos. Precisamos colocar para fora nossa ansiedade, falar sobre permitir que o outro possa se expressar e desabafar também. Precisamos ser realistas com tudo, podemos dar espaço para nossa imaginação, o exercício de imaginar coisas que eu gostaria de fazer, de se ver fazendo elas. A imaginação abre espaço para o mundo interior e para a criatividade. A capacidade de imaginar pode também ser uma grande proteção contra o vírus, porque pode melhorar nossa maneira de lidar com as coisas, pode ajudar a melhorar nossa imunidade. Eu gosto da ideia colocada pelo Analista italiano Stefano Carpini, de que essa crise é uma grande possibilidade de transformação da maneira que a sociedade do ego estava construindo o mundo, excessivamente baseado em luxúria e satisfação imediata.

Esse vírus, de um jeito ou de outro, nos coloca diante de um mundo que a muito tempo ignoramos, o mundo interno, o mundo da sombra, o mundo da nossa alma. Outra grande possibilidade oferecida por essa crise talvez seja a oportunidade para que as economias mundiais transformem a maneira como estão atuando diante do menos favorecidos.

O momento que estamos vivendo está oferecendo uma grande chance ao mundo de vivenciar a globalização de maneira mais integral, onde o único inimigo no momento é o mesmo em todos os países, e mesmo que seja por pouco tempo o mundo se encontra em uma única direção, buscando colaborações que possam ajudar a mitigar os riscos o mais rápido possível. 

Este vírus é a oportunidade que o Brasil poderia ter para se tonar menos dividido, menos de esquerda ou de direita, e se deus quiser mais brasileiro, um povo brasileiro contra o coranavírus. É o momento de tomarmos consciência de que precisamos resgatar nossa integralidade e união como um povo capaz de refletir nossos futuros líderes. Hoje não precisamos de um líder que acusa, mas de um líder que agregue, não precisamos de um presidente que busca por culpados, e sim de um presidente que busque por soluções.

O que vivemos hoje nos oferece a grande oportunidade de assumir, ainda mais, nossa responsabilidade perante a vida, o avanço do desta calamidade pública não depende mais dos governantes, depende de cada um de nós. 

Podemos sentir o medo da morte, mas também podemos sentir a vontade de viver, a vontade pela vida. A atitude de exageros e do prazer imediato, típico da sociedade atual, pode começar abrir espaço para aprendermos a viver com o suficiente, com o necessário, com a solitude, a solidariedade e assim, quem sabe, aprender que no futuro podemos manter essa grande lição.

Daniel Gomes

Psicoterapeuta junguiano – Membro analista em formação pelo IJEP

dgterapia@gmail.com

Referências Bibliográficas

JUNG, C. G. Presente e futuro vol. 10/1 Ed. Vozes, 2011

Foto de cottonbro no Pexels

Daniel Gomes

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