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Deusa Hécate, e agora na encruzilhada da vida?

Os mitos sempre tiveram uma atenção especial para a Psicologia Analítica de C.G.Jung, este artigo apresenta a Deusa Hécate e seus vários aspectos para contribuir na simbolização da natureza feminina.

Resumo: Os mitos sempre tiveram uma atenção especial para a Psicologia Analítica de C.G. Jung,  este  artigo apresenta a Deusa Hécate e seus vários aspectos para contribuir na simbolização da natureza feminina.

É necessário vivenciar o mito; é assim que ele existe em nós. Ao escutá-lo, começamos a dançar, e essa melodia nos envolve, mesmo que não possamos compreendê-la de imediato. (Campbell, 1990)

Sentido da vida? Não, a experiência da vida. É necessário compreender o mito em nós, em nossa vivência, para que a dança aconteça internamente. (Campbell,1990)

Todas as mitologias exigiam, durante toda a história da humanidade, um exercício psíquico de imaginação. A criação de suas histórias com personagens diversos é uma representatividade de processos psíquicos e culturais.

“Eles (os mitos) não apenas representam, mas também são a vida anímica da tribo primitiva, a qual degenera e desaparece imediatamente depois de perder sua herança mítica, tal como um homem que perdesse sua alma. A mitologia de uma tribo é sua religião viva cuja perda é tal como para o homem civilizado, sempre e em toda parte, uma catástrofe moral.” (Jung, 2013, p. 156)

Ao se tratar de um mito, não é apropriado o interpretar de forma literal e lógica, toda a simbologia emergida com a narrativa de um mito requer um olhar poético e metafórico.

“…todo mito intencionalmente ou não, é psicologicamente simbólico. Suas narrativas e imagens devem ser entendidas, portanto, não literalmente, mas como metáforas.” (CAMPBELL, 1991, p. 50)

A simbologia inspirada pela força do mito mobiliza a energia psíquica no qual gera transformações, novas formas de ser e se comportar no mundo, proporcionando um significado à vida, uma ampliação da consciência. Uma forma de integrar consciente e inconsciente coletivo, com as imagens primordiais em nós, os arquétipos. Como não conseguimos conscientemente olhar essas imagens arquetípicas, a linguagem metafórica dos mitos nos serve como espelhos. 

Para Jung, os mitos são fontes fundamentais na Psicologia Analítica, nos presenteando com o conhecimento do que é mais arcaico em nós.

 O mito é uma narrativa com conteúdos arquetípicos e extremamente simbólicos e é importante destacar que os símbolos geram a transformação da energia psíquica. A força dos mitos são os símbolos que trazem a mobilização desta energia. Por esse motivo, a sua interpretação não pode ser como de uma história qualquer e é um aprendizado para começar a observar os símbolos em nossas próprias vidas.

“o mecanismo psicológico que transforma a energia é o símbolo” (JUNG,1999, p.44)

As Deusas e suas formas, características e percurso nos apresentam preciosidades da natureza feminina, que podem ser notadas presente em muitas mulheres na contemporaneidade. 

“a forma que um arquétipo feminino pode assumir no contexto de uma narrativa ou epopeia mitológica, […] o que vale dizer, fontes derradeiras daqueles padrões emocionais de nossos pensamentos, sentimentos, instintos e comportamento que poderíamos chamar de ‘femininos’ na acepção mais ampla da palavra. Tudo o que pensamos com criatividade e inspiração, tudo o que acalentamos, que amamentamos, que gostamos, toda a paixão, desejo e sexualidade, tudo o que nos impele à união, à coesão social, à comunhão e à proximidade humana, todas as alianças e fusões, e todos os impulsos de absorver, destruir, reproduzir e duplicar, pertencem ao arquétipo do feminino”. (Wollner, 1994, p. 15-16)

A Grande Deusa, nos revela, nos inspira para as imagens arquetípicas, mitos que elevam e destroem, poderes na própria mulher, e transcendem à época.

Tudo está marcado na alma, no inconsciente e retorna muitas vezes, de maneira autônoma. Embora o processo de evolução da consciência tente desmerecer e arrancar seu poder, ela reaparece na arte, na criatividade, em comportamentos culturais, na sensibilidade e principalmente nas transformações necessárias no espírito da época.

Tomando a narrativa mítica e seus símbolos, e voltando as atenções para a natureza feminina, podemos estudar a Deusa Hécate. Ao evocar sua sabedoria e intuição, integramos passado, presente e futuro, facilitando o contato direto da mulher com suas pulsões e desejos, bem como sua relação com o corpo e em suas relações.

Deusa das encruzilhadas na mitologia grega, Hécate visualizava três caminhos ao mesmo tempo e sabia onde iriam dar na vida das pessoas. Ela é a deusa da intuição. 

“Sua perspectiva tríplice lhe permite ver a ligação entre o passado, o presente e o futuro. Nas junções significativas da vida, ela relembra a forma do passado, vê o presente com honestidade e sente o que vem a seguir no nível da alma.” (Bolhem, 2005, p.85)

Hécate é uma deusa parente de Ártemis, filha de Preses e Astória. É uma divindade misteriosa e age conforme os seus atributos. Zeus concedeu alguns privilégios a Hécate e aumentou suas funções.

A deusa Hécate tem origens mitológicas obscuras e sabe-se pouco de sua história. Ela é muito valorizada pelo poeta Hesíodo, na obra Teogonia exaltando os dons concedidos por Zeus a Hécate por ter lutado ao seu lado na guerra com os Gigantes. (Varela, 2015)

Hécate é citada no sequestro de Perséfone por Hades. A jovem donzela foi colher um botão de flor e a terra se abriu. Hades, o Senhor do Mundo Inferior, surge e a rapta, levando Perséfone ao submundo. Hécate ouviu os gritos da menina.

Deméter, a mãe, procurou pela donzela por todo o mundo, sem sucesso. Hécate se aproxima e revela a Deméter ter ouvido os gritos da menina e sugere que procure o deus Hélio para saber o que realmente aconteceu. As duas deusas, Deméter e Hécate, descobrem a verdade: Perséfone foi sequestrada por Hades com o consentimento de Zeus (Bolem, 2005).

Depois de muita peregrinação e fingindo-se ser uma velha, passa algum tempo cuidando de Demofonte, filho de Metaneira e do Rei Céleo, Deméter é descoberta como a deusa mãe e então volta a procura de sua filha e a terra continua seca sem produzir nada. Os deuses entram em acordo com ela e Perséfone é liberada mediante acordo com Hades, ficando um período com a mãe e outro com o marido.

Após seu retorno, Perséfone encontra sua mãe Deméter e Hécate, que lhe dão as boas-vindas. A partir de então, Hécate está sempre ao lado de Perséfone.

Na descida ao submundo, Perséfone retorna, mas não é a mesma; a inocência dos dias em que colhia flores já não existe mais. É como se uma nova consciência surgisse, dada sua relação com Hades ambos se tornam conscientes de sua condição de adultos.

Sofrimento e amor fazem parte da vida; a resiliência na dor e o retorno da escuridão trazem sabedoria e fazem de Hécate uma companheira interior das mulheres.

“As pessoas acreditam não suportar encarar a verdade, então adaptam-se, muitas vezes por meio de racionalizações, negação, vícios que servem para amortecer a consciência e não enxergar a verdade. Somente quando uma mulher percebe que é possível enfrentar a realidade é que ela adquire a sabedoria de Hécate.” (Bolen, 2005, p.90)

Em busca desta verdade, a mulher na meia-idade se encontra em uma encruzilhada, sendo necessário refletir e buscar a força de Hécate na forma de intuição. Mudanças terão que acontecer nesta nova fase da vida, uma pausa para decidir qual caminho seguir e um espaço para a intuição trazer a resposta da alma nesta encruzilhada.

Esses pedidos de mudança não estão necessariamente associados ao mundo externo; muitas vezes são movimentos da própria psique ao notar que algo não tem mais significado e sentido na vida, falta alma.

A deusa Hécate, como representação das parteiras que se abrem para o novo, simboliza o nascimento de novos aspectos da vida. Para que o novo possa surgir, é necessário desapegar do velho. Sua sabedoria nos ajuda a deixar ir, a soltar o que não serve mais, a morte de algo para o nascimento de uma nova forma de ser.

Essa deusa misteriosa se tornou o arquétipo da bruxa, com sua relação com o oculto, o anoitecer, as feitiçarias e magias. Essa característica pode remeter a uma época em que as mulheres que se envolviam com o oculto e os mistérios eram condenadas à morte na fogueira em praça pública.

“Às vezes, quando se sabe que o que se tem a fazer pode parecer meio herético, surge um medo irracional, uma reação emocional que parece antecipar o grito de “Queimem a bruxa!”. Este medo é transpessoal e parece estar alojado na psique feminina, bem próximo da superfície, onde ainda se esconde o pavor de ser rotulada e perseguida como feiticeira. Sentir o medo e fazer o que precisa ser feito, não obstante, exige coragem. Com o efeito do campo mórfico, quanto mais mulheres confrontarem esse medo coletivo, mais fácil se tornará para outras fazerem o mesmo.” (Bolen, 2005, p.100)

No entardecer da vida, a mulher se encontra em uma encruzilhada, e a força da deusa Hécate se faz necessária para um mergulho em seus impulsos interiores. Nessa fase afloram indecisões e reflexões diante do desafio. Se ela conseguir permanecer nesse lugar até que sua intuição indique o caminho, “emerge renovada e reformada”, em todos os aspectos de sua vida.

 Euflausina Goes dos Santos – Membro Analista em Formação IJEP

 Dra. E. Simone Magaldi – Membro Didata IJEP

Referências:

BOLEN JS. As deusas e a mulher madura: arquétipos nas mulheres com mais

de 50, 1ª ed. São Paulo: TRIOM, 2005.

Campbell J, O poder do mito, São Paulo: Palas Atenas,1990

CAMPBELL, J. A extensão interior do espaço exterior. Rio de Janeiro: Campus, 199l.

JUNG CG. Arquétipos e inconsciente coletivo, 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2013

JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB. Petrópolis: Vozes, 1999.

WOOLGER, Jennifer Barker. Roger J. WOOLGER. A deusa interior. Tradução de Carlos Afonso Mal Ferrari. São Paulo: Cultrix. 1994

VARELA, JV, Hécate: Um Estudo Inicial, Lisboa: Faculdade de Letras, 2015.

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