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Emergência Climática: Um Olhar a partir da Psicologia Analítica

EMERGÊNCIA CLIMÁTICA: UM OLHAR A PARTIR DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

O planeta pede socorro. Eventos climáticos extremos em aumentado devido ao aquecimento global e tendem a aumentar. As medidas tomadas para se evitar esta tragédia anunciada ainda são bastante tímidas e bastante discutíveis. E o homem não pode se considerar apartado da natureza. Segundo Jung, o eu não está confinado ao corpo e se estende a tudo a sua volta. Somos parte integrante do todo. O objetivo deste artigo é apresentar a emergência climática como fato e discutir a forma com que a psique humana se vê refletida na crise ambiental.

Explore a Emergência Climática através da lente da Psicologia Analítica. Descubra como mudanças climáticas intensificadas estão refletindo na psique humana e saiba como a relação entre a natureza e o homem impacta nossa sobrevivência global.

É chegada a hora de abandonarmos a concepção futurista de que a devastação da natureza levará a mudanças climáticas. Na verdade, estas mudanças já estão aí, às nossas portas, e por isso o termo “mudanças climáticas” está sendo substituído por EMERGÊNCIA CLIMÁTICA, COLAPSO CLIMÁTICO E CAOS CLIMÁTICO. Estes termos trazem melhor o senso de urgência que a situação pede.

Nosso planeta está doente. O aquecimento global já é um fato consumado e as medidas que vem sendo tomadas pela humanidade são bastante tímidas.

O acordo de Paris, firmado em 2015, foi um compromisso mundial sobre as alterações climáticas e teve como principal objetivo elaborar estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a fim limitar o aumento médio de temperatura global a 2ᵒC, quando comparado a níveis pré-industriais, com esforços para se limitar o aumento de temperatura em 1,5ᵒC. Isso para se diminuir os problemas climáticos agravados por essas emissões.

Hoje já estamos em um aquecimento de 1,1ᵒ a 1,2ᵒ, e isto faz com que ondas de calor, que antes tinham um tempo de recorrência de a cada 50 anos, estejam 4,8 vezes mais frequentes. Essas ondas de calor causam uma mudança no ciclo hidrológico e as secas se tornam 70% mais frequentes. Períodos de secas, no passado, ocorriam a cada 100 anos e hoje já temos uma seca a cada 10 ou 20 anos. Há também mudanças nos ciclos de precipitação com tempestades severas que estão 30 % mais frequentes.

Assim sendo, o aumento da temperatura global em 1,5ᵒ conforme estabelecido pressupõe muito mais tragédias, muitas mais do que as que temos visto com os alagamentos, deslizamentos e incêndios, pois os eventos crescem e muito a cada décimo de grau de aumento da temperatura planetária.

Segundo o 6ᵒ relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), de 2023, vemos hoje concentrações de CO2 sem precedentes nos últimos 2 milhões de anos, há um recuo das geleiras sem precedentes nos últimos 2 mil anos, a última década foi mais quente do que qualquer período nos últimos 125 mil anos, o nível do mar aumentou mais rápido do que em qualquer século nos últimos 3 mil anos, o aquecimento oceânico é o mais rápido desde a era do gelo.

O patriarcado e a relação com o meio ambiente

Sabemos que nossa sociedade se estrutura e se organiza de acordo com a ordem social determinada pelo patriarcado, o qual se fundamenta em estruturas de poder, favorecendo uns enquanto obriga outros a se submeterem ao grande favorecido, sob pena de violência e morte (TIBURI, 2018). É um sistema de valores onde existe uma elite dominante que submete a todos os outros seres humanos, o feminino, os animais, a natureza, o planeta como um todo. Para além da discussão sobre esse complexo conceito do que seria o patriarcado, tomamos aqui principalmente a estrutura econômica capitalista que amplamente se desenvolveu dentro do patriarcado e cuja palavra-chave é a submissão.

É nesta relação de poder e submissão que o homem tem se relacionado com a natureza, que se tornou um utilitário de exploração e geração de riqueza.

E é nesta relação de poder exploratório que vemos sucumbirem os biomas brasileiros.

Nossas florestas sofrem ante a fúria da ganância capitalista e o impacto ambiental se faz sentir progressivamente. Em nosso país o principal motor da devastação dos ecossistemas é a expansão agropecuária seguido pela mineração, a caça ilegal e a pesca predatória. O desenvolvimento de grandes obras de infraestrutura como hidrelétricas barragens, usinas e rodovias, e o baixo investimento em energia de fontes limpas e sustentáveis também levam a sérios impactos ambientais.

Nossa Amazônia já sofre com o aquecimento global, pois o aumento da frequência dos períodos de seca leva a uma mortandade espontânea de árvores, o que por si só isso já libera grande quantidade de CO2 na atmosfera. Com o agravante do desmatamento temos ainda mais CO2 liberado, o que amplifica o aquecimento levando a uma mortandade de árvores ainda maior, e com isto entramos num ciclo de morte.

Assim, é necessário interromper o desmatamento, pois, a Amazônia tem tanto carbono estocado no solo que se for liberado lançará à atmosfera 400 bilhões de toneladas de CO2. Uma verdadeira bomba de CO2.

Segundo Costa (2023), corremos o risco de a Amazônia entrar num empobrecimento autossustentado e atingir um ponto de não retorno.

Estima-se que este limiar esteja em torno de 20 a 25% de desmatamento, sendo que até hoje já perdemos 17 a 18% da área de cobertura original da floresta.

E tudo isso para atender a interesses econômicos que se preocupam com o lucro imediato de segmentos sociais ricos e poderosos que mantém com a natureza uma relação de exploração e espoliação. Já nos alertava Jung (2011) “onde impera o amor, não existe vontade de poder; e onde o poder ter precedência, aí falta o amor. Um é a sombra do outro.”

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia moderna se deu concomitantemente ao surgimento e consolidação do capitalismo, e foram vistas como avanço e sinal de desenvolvimento, servindo de régua para que se medisse o quão atrasado está um país está em comparação com os países desenvolvidos. A ciência passou a descrever os fenômenos naturais de forma isolada e não mais integrada, ou animada por uma força sobrenatural. O antropocentrismo foi dominando e a natureza foi sendo vista mais como mais um patrimônio.

A revolução industrial trouxe a necessidade de uma fonte de energia que atendesse às necessidades da produção em larga escala, e foi então que os combustíveis fósseis ganharam espaço. Nesse contexto, a atmosfera vem sendo o depositário dos resíduos poluentes das indústrias desde o século XVIII sem que se pague nada por isso

Adotamos um modo de vida insustentável. Nos transformamos em parasitas do planeta.

Nos rendemos à compulsão do capitalismo que é transformar tudo em mercadoria, estimular o consumo, e o consumo em larga escala. Os recursos da terra não são infinitos, mas vivemos como se fossem. A obsolescência programada está aí para nos provar que a mercadoria existe para suprir alguma necessidade por um tempo e depois ser descartada. A relação do ser humano com a terra nem sempre foi a de submissão desta às vontades e ao desfrute do homem. Povos antigos tratavam a Natureza com respeito e temor, pois dependiam dela para sua sobrevivência. Fenômenos naturais eram tratados como sendo divinos e muitas vezes se tornaram deuses e deusas (JUNG, 2014).

À medida em que a racionalidade foi ganhando espaço e domínio na psique do homem atual, a natureza foi perdendo a sua sacralidade, e a relação do homem passou a ser a de extrair da terra a sua demanda de consumo, denotando a cisão vivida pelo homem moderno. Segundo Jung (2013a) foi a racionalização exagerada da consciência que, na preocupação de produzir processos orientados, isolou-se da natureza, e com isso condenou o homem a um presente limitado racionalmente, privando-o de sua história natural.

“a qualidade da eternidade, que é tão característica da vida do primitivo, falta inteiramente em nossas vidas. Vivemos protegidos por nossas muralhas racionalistas contra a eternidade da natureza.” (JUNG, 2013a)

Nada pode ser visto apartado da natureza.

Tudo é natureza. Cada canto que nosso olhar acompanhe, cada criação humana, cada ponto de floresta, rio, cidade, carro, estrada, céu, estação espacial, telescópio James Webb, cosmos, outros planetas, tudo é natureza. E tudo o que o olhar acompanha para dentro também. Tudo faz parte de uma única e mesma coisa. A natureza reflete tudo o que existe em nosso inconsciente (JUNG, 2013).

“O meu eu não está confinado no corpo; estende-se a todas as coisas que fiz e a todas as coisas à minha volta, sem estas coisas não seria eu, não seria um ser humano. Tudo que me rodeia é parte de mim.” (JUNG apud DUARTE, 2017).

Por isso, se o mundo está doente, a humanidade também está. Para Duarte (2017) a crise ambiental reflete o estado da psique humana.  Segundo Hillman (2010) não há mais como distinguir claramente entre neurose do “eu” e neurose do mundo, psicopatologia do “eu” e psicopatologia do mundo. Fazemos todos parte de uma mesma é única coisa.

O mundo, devido a sua crise, está ingressando num novo momento de consciência: por chamar a atenção para si por meio de seus sintomas, está se tornando consciente de si mesmo como realidade psíquica. O mundo é agora objeto de imenso sofrimento, exibindo sintomas agudos e grosseiros, com os quais se defende do colapso.

(Hillman, 2010, p.86)

Vivemos um momento crítico, do qual depende nossa sobrevivência como um todo.

Nosso planeta está no divã.

Cabe a nós enquanto humanidade encontrar soluções e cobrar resultados. Cuidar daquilo do qual fazemos parte, que é a natureza, o todo. Desenvolver e apoiar iniciativas de preservação e cuidado. Nos conectarmos com a eternidade da natureza, que ao mesmo tempo é a nossa eternidade.

Selma de Fátima Silva Canoas – Analista em Formação pelo IJEP

Mª Cristina Guarnieri – Analista Didata IJEP

Contato: selmacanoas@gmail.com

Referências:

COSTA, Alexandre Araújo. A ciência por traz da amazônia [S. I.: s. n.], 2023, vídeo. Publicado pelo canal O que vocês fariam se soubessem o que eu sei.  Disponível em:<  https://www.youtube.com/watch?v=zYjCE0pUBOo

BOEHM, Sophie: SCHUMER, Clea. 10 conclusões do Relatório do IPCC sobre Mudanças Climáticas de 2023. WRI Brasil. Disponível em: < https://www.wribrasil.org.br/noticias/10-conclusoes-do-relatorio-do-ipcc-sobre-mudancas-climaticas-de-2023>

DUARTE, Alisson J. O. Ecologia da alma: a natureza na obra científica de Carl Gustav Jung. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, v. 35, p. 5-19, 2017.

GREENPEACE. Cai a floresta, cresce o pasto. Greenpeace Brasil. 2019. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/cai-a-floresta-cresce-o-pasto/?utm_term=desmatamento%20no%20brasil&utm_campaign=%5BMAIO/20%5D+Florestas+-+SE&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=7235609613&hsa_cam=10032863440&hsa_grp=101387987939&hsa_ad=434680096521&hsa_src=g&hsa_tgt=kwd-301152600943&hsa_kw=desmatamento%20no%20brasil&hsa_mt=b&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gclid=CjwKCAjw3cSSBhBGEiwAVII0Z4gDgnpaWYo_QeJASGvo9VFex00Ge2AYF5nKxd77vrSmSsTaSP3GYhoCdvMQAvD_BwE

HILLMAN, James. O pensamento do coração e a alma do mundo. Campinas: Versus, 2010.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

______. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2013a.

______. Símbolos da transformação. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2013b.

______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

______. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

TIBURI, Marcia. Feminismo em comum para todas, todes e todos. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1018.

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