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Enfim, um feliz dia dos pais

A paciente X é filha do segredo, isto é, a mãe lhe contou, quando atingiu a maioridade, que seu pai era outro que não o marido dela.

Num caso deste, o analista junguiano possivelmente trabalhará conteúdos associados ao complexo paterno e, claro, materno, que levam a moça a “jogar” com o amor paterno do pai “adotivo” e a hesitar em assumir seu papel social, ingressando numa universidade.

Ora, uma das críticas às psicoterapias – e igualmente a alguns métodos em outras áreas do conhecimento, como a análise do discurso em Comunicação – seria a de não levar em consideração elementos sócio-históricos.

Vamos voltar ao caso. A garota está inserida no século XXI, na maior metrópole latino-americana, tendo sido criada numa família de classe média baixa, de condições humildes.

Se formos analisar o caso tomando em consideração o aspecto histórico, teríamos de lembrar que se trata de alguém imerso numa cultura patrilinear. O pai, no caso, assume o papel de provedor, uma vez que a mãe não exerce uma atividade remunerada fora do lar.

Historicamente, fazemos parte de uma nação ainda predominantemente machista, no qual a mulher ocupa uma posição pública considerada por muitos como “menor” do que o homem.

Neste contexto, o adultério feminino é considerado mais sério do que o masculino – ainda que, convenhamos, o próprio Jesus teria perdoado uma adúltera com o argumento de que todos têm suas falhas.

Se voltássemos no tempo das culturas celtas ou das míticas Amazonas, por exemplo, com sua gestão matrilinear, essa questão seria irrelevante e não causaria psicopatologias na moça.

Uma vez que, imersa numa cultura diferente, não só ela mas várias outras seriam fruto de uniões semelhantes porque o hábito social era o de as mulheres procurarem um parceiro quando desejavam ter prazer ou gestar um filho.

Em tese, aplicar o modelo matrilinear à análise da moça no século XXI, naturalmente, não resolveria a questão. Seria mais ou menos como tentar rodar um Windows 10 num antigo computador 486 – não há diálogo entre o hardware antigo e o software novo.

Por essa linha de raciocínio, um caminho possível seria conscientizar sobre as linhagens matrilineares, as patrilineares e a necessidade contemporânea de entender os gêneros numa perspectiva de relação, onde um não existe sem o outro, preferencialmente em equilíbrio.

Nesse caso, podemos dizer que o esclarecimento do contexto sócio-histórico seria benéfico. Contudo, não bastaria. Limitar-se aos índices e signos de uma sociedade em um dado tempo e espaço não é suficiente para compreendê-la.

É por isso que, para dar conta da complexidade contemporânea, só mesmo o símbolo poderia ajudar de uma forma mais integral na tentativa de compreensão do ser humano.

O que é símbolo? Trata-se de algo cujo significado transcende suas bordas, suas fronteiras. Dois troncos de uma árvore unidos em ângulos de 90 graus formam uma cruz. Mas o simbolismo da cruz pode ter leituras distintas em culturas diferentes.

A cruz celta, por exemplo, em seu hibridismo cultural, traz tanto a raiz cristã quanto o círculo, que nesta tradição simboliza o ciclo da vida.

A análise junguiana preconiza o processo de conscientização de conteúdos inconscientes pessoais, que emergem ao longo das sessões, a partir da perspectiva do paciente.  Já conteúdos simbólicos de caráter arquetípico, mais profundos, são ampliados com o auxílio do analista, que deve ter um bom repertório de variadas mitologias.

Sem isso, corre-se o risco de as sessões gravitarem apenas em torno do ego – o centro da consciência -, representado por queixas, diagnósticos de transtornos mentais e/ou fenômenos que impactam o indivíduo inserido na sociedade contemporânea. O que não atende a necessidade de compreender o norte que o self – entendido na psicologia junguiana como o centro e a totalidade psíquicas – deseja.

O self pode se manifestar de várias formas. Na psicologia junguiana, em geral se observam as sincronicidades, os sintomas e os sonhos trazidos espontaneamente ao consultório pelo paciente ou o resultado de “lições de casa” que envolvem expressões criativas, como pinturas.

A conclusão é a de que um analista com esta visão ampliada talvez pudesse ajudar a jovem a romper o ciclo de perceber-se como uma vítima, excluída socialmente e focada em suas psicopatologias.  

Ao despotencializar este complexo, ela poderia se sentir agradecida pelo pai “adotivo”, que lhe deu as bases necessárias para que ela seja um ser humano integrado como indivíduo e como parte de uma família, capaz de contribuir socialmente e até ajudar outras pessoas.

Monica Martinez, ítalo-brasileira, é especialista em Psicologia Junguiana pelo IJEP, jornalista, escritora, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pós-doutora pela Umesp. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade do Texas em Austin. Atende na Vila Madalena, zona Oeste de São Paulo. Contatos: analisejunguianasp@blogspot.com. E-mail: analisejunguianasp@gmail.com

Monica Martinez 

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