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Gaia no antropoceno

Nosso mundo existe há 4,5 bilhões de anos, e sua evolução foi dividida em 5 grandes eras geológicas: Arqueozoica, Proterozoica, Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica. Esta ultima subdivide-se em período terciário, que se iniciou há 60 milhões de anos e período quaternário, iniciado há 1 milhão de anos. Desde a formação da crosta terrestre, o acúmulo de oxigênio na atmosfera, o surgimento da vida a principio unicelular, formação de florestas, outros seres vivos mais complexos, insetos, aves, mamíferos, a separação dos continentes, muitas transformações foram vividas neste planeta. Seres vivos surgiram e foram extintos até que se desse o surgimento da espécie humana, há aproximadamente 200.000 anos. (ARTAXO, 2014)

O Holoceno, a última época do período quaternário iniciou-se há 11.700 anos, após a última glaciação e continua até o presente momento. Esta época, diferente das que a precederam, tem sido de grande estabilidade climática.

Entretanto, nos anos 80 pesquisadores começaram a definir o termo Antropoceno, como sendo uma nova era geológica da terra, fazendo com o Homem deixe de ser meramente parte do conjunto de habitantes da terra e a influência humana passe a exercer um papel preponderante em processos críticos do planeta como a composição da atmosfera e o clima. Diferente de outras épocas, o Antropoceno se caracteriza, portanto, pelo protagonismo da humanidade como força transformadora do planeta. (ARTAXO, 2014)

Tem-se tentado estabelecer uma data para quando esse período tenha começado e parece consenso de que a revolução industrial no século XIX e a consequente aceleração demográfica, econômica e industrial do século XX marcam o começo dessa era, em que a estabilidade vem sendo progressivamente perdida. (VIOLA; BASSO, 2016)

No século XX passamos de 1,6 bilhões de pessoas para 6 bilhões de pessoas, e hoje somos cerca de 7,8 bilhões de seres  com necessidades de consumo, de produção e sobrevivência que causam um grande impacto no meio ambiente. Em 2100 devemos passar de 10,9 bilhões.

Desde o desenvolvimento de máquinas, inicialmente a vapor e depois com o uso de combustíveis fosseis a composição atmosférica sofreu grande alteração, com aumento do dióxido de carbono, metano, oxido nitroso, ozônio, influenciando no efeito estufa e no balanço da radiação terrestre.

Segundo  Lovelock (2006) a Teoria de Gaia vê a terra como um sistema autorregulador constituído por todos os organismos vivos, a parte rochosa, os oceanos e a atmosfera, sendo que todos estes elementos estão unidos como um sistema em evolução, com um objetivo único: manter o equilíbrios das condições de superfície para que sejam sempre favoráveis à vida atual. Ele define Gaia como sendo:

Gaia é um invólucro esférico fino de matéria que cerca o interior incandescente. Começa onde as rochas crustais encontram o magma do interior quente da terra, uns 160 quilômetros abaixo da superfície, e avança outros 160 quilômetros para fora através do oceano e ar até a ainda mias quente termosfera, na fronteira com o espaço. Inclui a biosfera e é um sistema fisiológico dinâmico que vem mantendo nosso planeta apto para a vida há mais de 3 bilhões de anos. Chamo Gaia de um sistema fisiológico porque parece dotada do objetivo inconsciente de regular o clima e a química em um estado confortável para a vida (LOVELOCK, 2006, l. 366)

 Portanto, em Gaia, a biosfera faz parte do sistema de controle ativo e adaptativo capaz de manter a terra em homeostase, juntamente com o meio ambiente material. Isto faz de nosso planeta um sistema capaz de manter seu equilíbrio contando com todo o conjunto onde o ser humano faz parte deste equilíbrio, sendo uma, entre as 10 a 14 milhões de espécies atuais. 

Jung nos apresenta uma cosmovisão profundamente ecológica, uma vez que para ele a psique é parte integrante da natureza. Em muitos pontos de sua obra traça paralelos entre o funcionamento da natureza e da psique e como ela, ainda há muito que ser descoberta e estudada . Para Jung “nossa psique é uma parte da natureza e seu mistério é igualmente insondável” (JUNG, 2013b, p.210)

          A ideia de interconectividade da psique com a natureza está presente no conceito de inconsciente coletivo, o fio ancestral que conecta todas as culturas, em todos os tempos, quando Jung aponta que o inconsciente coletivo tem correspondência com nosso meio ambiente natural, e no qual encontra-se projetado constantemente (JUNG, 2013e, p. 59). E sendo o inconsciente coletivo a morada dos arquétipos, Jung também os correlaciona com a natureza: 

Em “Estrutura da alma” tentei dar uma visão geral da estrutura do inconsciente. Seus conteúdos – os arquétipos – são de certa forma os fundamentos da psique consciente ocultos na profundidade ou, usando outra comparação, suas raízes afundadas não só na terra, em sentido estrito, mas no mundo em geral […] Propriamente falando, são a parte ctônica da psique – se assim podemos falar – aquela parte através da qual a psique está vinculada à natureza. (JUNG, 2013c, p. 40)

            Os arquétipos manifestam-se na consciência através de imagens arquetípicas, sendo o mito uma de suas formas.

          Segundo a mitologia grega, no principio havia apenas o Caos, o vazio primordial anterior à criação. Do caos surgiram Géia (Gaia), Tártaro e Eros. Gaia é a Terra, elemento primordial e deusa cósmica. Urano, o céu , a cobre, enquanto ela o suporta. Dela nascem todos os seres, porque Gaia é mulher e é mãe. Gaia simboloza a função materna. (BRANDÃO, 2015)

          Gaia corresponde, portanto ao arquétipo materno que manifesta-se como a Grande Mãe Terra, geradora, nutridora e mantenedora da vida.

 Para Jung (2013d, p. 139) natureza reflete tudo o que existe em nosso inconsciente. Portanto, se nos deparamos com uma crise ambiental, podemos dizer que existe uma correspondente psíquica também.

Agimos hoje, enquanto humanidade cosmopolita, como se a natureza estivesse “lá fora”.  Desconectados que estamos da natureza, temos uma percepção compartimentada dos problemas humanos e ambientais. Os recursos naturais estão à serviço de um capitalismo imaterial onde o que importa é acumular, tanto faz se dinheiro ou poder. Para o homem contemporâneo o que respeito à ele é somente o que é de sua propriedade e o uso do pronome possessivo “meu” é feito em larga escala. Tudo o que não é de sua propriedade é visto como estando do lado de fora.

Lovelock (2006) utiliza a metáfora de planeta vivo, e como todo organismo vivo sendo agredido, Gaia reagirá para se proteger. O aquecimento global, o uso indiscriminado de recursos hídricos, a poluição e acidificação dos oceanos, o desmatamento das florestas, a contaminação do solo, o uso indiscriminado de agrotóxicos. a perda do ozônio estratosférico, são agressões que o ser humano inflinge ao planeta, mas que podem despertar-lhe a ira.

Como todo arquétipo traz em si todos os elementos positivos e negativos, o arquétipo da Grande Mãe é vida e morte, portanto ambivalente, com dois polos opostos e pode se apresentar na forma da Mãe Boa e da Mãe Terrível. A Mãe Boa é a benevolente. A Mãe terrível, ao contrario da Mãe Boa, é aquela que possibilita a manifestação da negligência, do abandono, da proteção em demasia que tolhe a individualidade, ou mesmo da morte. (NEUMANN, 2006)

Se ultrapassarmos os limites seguros de alterações que Gaia suporta, podemos desestabilizar a grande conquista do Holoceno, a estabilidade climática. 

          É chegada a hora de assumirmos, enquanto humanidade, nosso papel responsável em Gaia, da qual fazemos parte, a qual somos nós. Gaia sou eu, Gaia é você.  É chegada a hora de vivermos a verdade das palavras de Jung: “a alma do mundo é uma força natural, responsável por todos os fenômenos da vida e da psique”. (JUNG, 2013a, p.144). Jung também cita Salomão, no cântico dos cânticos:

…a pura natureza está dentro de vós. E se conhecerdes a pura natureza, que é vosso verdadeiro ser, liberto de todo egoísmo perverso, então conhecereis a Deus; pois a divindade está oculta dentro da pura natureza, tal como a noz no envoltório da casca. (JUNG 2012, p. 184) 

Selma de Fátima Silva Canôas – Analista em formação pelo IJEP.

Didata responsável: Maria Cristina Mariante Guarnieri

Bibliografia:

ARTAXO, Paulo. Uma nova era geológica em nosso planeta: o Antropoceno?. Revista USP. São Paulo, n. 103, p. 13-24, 2014. Disponível em < https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i103p13-24 >

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. 26 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. v.1.

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2013a.

______. A vida  simbólica. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2013b. v. 1.

______. Civilização em transição. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2013c.

______. Símbolos da transformação. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2013d.

______. Um mito moderno sobre coisas vistas do céu. 6.  ed. Petrópolis: Vozes, 2013e.

LOVELOCK, James. A vingança de gaia. 1. ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006, E-book Kindle.

NEUMANN, Erich. A grande mãe. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

VIOLA, E; Basso, L. O sistema internacional no antropoceno. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 31, n. 92, p. 1-18, out. 2016. Disponivel em: < https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/N4LVLLhsfppqP64MhB5KXZj/?format=pdf&lang=pt >

Selma Canoas

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