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Mandrágora? Da Magia à Homeopatia

Mandrágora e Homeopatia

A Mandragora é uma planta da família das Solanáceas, cuja principal característica é a presença de uma raiz bifurcada que lembra a figura humana, motivando inúmeras lendas e superstições. Faz parte do folclore de algumas regiões onde é mencionado seu poder de fecundidade, de dar riquezas e sorte no amor.

Existem muitas espécies de Solanáceas de interesse homeopático: Datura stramonium, Hyosciamus niger, Atropa belladonna, Solanum dulcamara, Capsicum annum e Nicotiana tabacum.

Algumas Solanáceas são comestíveis como a batata, a berinjela, o tomate, a pimenta e o pimentão.

Outras tem em comum a presença de alcaloides (hiosciamina, escopolamina e atropina) que são tóxicos por bloquear o sistema nervoso parassimpático, podendo levar a sintomas de envenenamento, que serão abordados oportunamente.

Esses alcaloides tem atividades estimulantes e alucinógenas, o que atrai o interesse de jovens adultos para o uso dessas espécies na preparação de chás entorpecentes.

A toxicidade provém da ação anticolinérgica dos alcaloides que inibem a acetilcolina em efetores autônomos e na musculatura lisa causando vários sintomas, tais como, broncodilatação, inibição das secreções salivares, brônquicas e sudoríparas, dilatação da pupila e bloqueio dos efeitos vagais sobre o coração, levando a um aumento da frequência cardíaca.

A Mandragora é uma erva perene de até 30 cm, com talos curtos e uma raiz tuberosa, grossa, semelhante ao nabo e que frequentemente pode apresentar uma forma que lembra a do corpo humano.

É encontrada em prados úmidos, às margens dos campos e dos rios, na Espanha, em Portugal, na Itália, na Grécia, no Oriente médio e no Himalaia.

Usos da Planta

A Mandragora tem sido usada desde a Antiguidade, existindo relatos que datam há cerca de 1.500 a.C., mas foi durante a Idade Média que alcançou maior aceitação. Existem diversos usos relatados:

Histórias e Lendas

Na história da Mandragora houve diversas citações envolvendo desde seu lado de mistério e magia, até seus usos medicinais.

Pitágoras indicava que a Mandragora era usada nos cultos de muitos povos como erva mágica, devido ao formato humano da raiz.

Algumas lendas devem ser relatadas para que se possa ter uma ideia do que esta planta representava.

Para sua colheita havia um sério ritual, descrevia-se com uma espada três círculos ao seu redor antes de arrancá-la, devendo-se estar olhando para o poente. Outros desenterravam ao redor da raiz e então a amarravam a um cão que, ao atender ao chamado para sair do local, morria a seguir como vítima propiciatória. Para outros só era possível arrancá-la se antes fosse rodeada com urina de mulher ou sangue de menstruação. Relata-se que a raiz da Mandragora, ao ser desenterrada sem um ritual preparatório, gritava e gemia de tal forma que colocava louco ou matava quem a arrancasse.                  

Também acreditava-se que a Mandragora crescia junto às forcas e que seu poder afrodisíaco vinha daí, pois o enforcado ejaculava na terra ao cair pendurado, e nesse local nasciam as plantas.

Era chamada a raiz da loucura, usada pela bruxa Circe, que transformava homens em animais pela sua magia.

Na mitologia grega estava relacionada a Hécate, a deusa da magia, da sabedoria, da intuição, e ligada ao arquétipo da parteira (que ajuda no momento do nascimento e também no da morte).

Na Idade Média a Mandragora era conhecida com alraum (que significa raiz que tem figura humana), sendo considerada um talismã mágico que trazia sorte e bens terrenos.

No século XVI queimava-se a Mandragora e guardava-se as cinzas envoltas em lenços de linho ou seda, na crença de que seu portador jamais seria infeliz.

Como remédio foi usada desde a Antiguidade como antidepressivo, sedativo e anestésico em casos de cirurgias. Paracelso conhecia-a como efetiva para calculose renal e sedativo para epilepsia, coreia e tosse. Em outro relato era utilizada para inflamações dos olhos, para adiantar a menstruação e provocar trabalho de parto.

Dioscórides explicava que a Mandragora colocada no liquor faz melhorar a melancolia, mas dose exagerada levava a morte.

Na literatura houve citação da lenda em Romeu e Julieta de Shakespeare, na cena em que Julieta irá beber um líquido que a fará parecer como morta, ela adverte para soar uma trombeta antes de retirar a Mandragora do solo, para não ouvir seus brados e enlouquecer.

Maquiavel escreveu a comédia A Mandragora que foi uma das primeiras do teatro moderno, onde mostra o uso da planta para tornar fértil as mulheres estéreis.

Utilização da Homeopatia

Apesar de conhecida desde remotos tempos, houve uma lastimável demora para que se experimentasse a Mandrágora homeopaticamente.

Somente em 1920 é que Allen publicou na Enciclopedia de Matéria Médica Pura as primeiras experimentações da Mandrágora, realizadas em 1834 (Dr. Dufresne) e 1874 (Dr. Richardson).

Em 1951 foi ricamente experimentada por Julius Mezger, que ampliou os conhecimentos homeopáticos a respeito desta planta, tendo experimentado em 30 médicos.

Raedson fez outra experimentação em 1963/64 em 15 pessoas observando em todas elas o aparecimento de fortes dores articulares, e em 12 vezes dores de cabeça, depressão e dificuldade para concentrar-se.

Em 1980 Edward Whitmont fez experimentação a partir das folhas sem observar diferença em relação às outras experimentações que usaram a raiz.

Sintomas Patogenéticos das Matérias Médicas

  1. Sintomas Mentais

Do ponto de vista mental, a Mandrágora causa peculiar paradoxo de sonolência e entorpecimento junto com intensa excitação, ocorrendo uma irritabilidade apática. Há tendência a depressão, com apatia ou irritação, podendo bruscamente alternar com euforia e alegria. Há estados de deliro e de confusão mental, hipersensibilidade aos ruídos, sentimento de insegurança e ansiedade, falta de concentração e de memória, aversão ao trabalho, mudança de humor, acessos de choro alternado com euforia ou agitação exagerada. São indivíduos hipersensíveis, histéricos, com tendência a estados hipomaníacos ou maníaco-depressivos, acompanhado por sintomas psicossomáticos.

Os indivíduos Mandragora se comportam como se estivessem sob domínio da magia da planta, ora estão entorpecidos e anestesiados, ficando indiferentes ao prazer e ao trabalho, ora estão excitados, eufóricos, com visões terríveis e fantasmagóricas, agindo como que enlouquecidos.

Compreendendo seu gênio medicamentoso

Os indivíduos Mandrágora são como sua raiz, que embaixo da terra tem aparência da figura humana. É a caricatura da espécie humana, carregando múltiplos comportamentos paradoxais da espécie, na figura do vagabundo, “homeless” (desabrigado), aquele tipo de louco que habita as ruas e saídas de escolas; uma vez que vivem uma realidade própria dentro de seu universo delirante, ora eufórico cantarolante, ora maníaco ou prostrado, ou ainda como que endemoniado, histérico e fora de si, irresponsável e obsceno.

Exercitam no picadeiro da vida aquilo que é ridículo, mas que cada um de nós carrega um pouco. Nesta figura exótica rimos daquilo que somos.

Ao lermos que sua depressão melhora urinando, fica evidente a necessidade deste medicamento de excretar ao meio sua conflitiva interior, ao urinar coloca para fora seu produto interno.

Em Mandragora há “honestidade” em excesso por mostrar o lado caricato da humanidade, urinando a angústia do homem, seu feitiço interior ou seu pecado original (miasma).

A personalidade Mandrágora retrata a miséria humana, sua confusão, sua incongruência, sua ambivalência, sua inconseqüência e sua irresponsabilidade.

A loucura, aqui usada como facilitador didático, representa a expressão direta do mundo inconsciente. Tumultuado, incoerente, inconseqüente e imprevisível.

As emoções afloram tal qual realmente são sentidas, cálidas, transbordantes, expressas pelo riso louco, fala desconexa e andar sem rumo; ou pela tristeza, com emoções dolorosas e paralisantes.

A música “A Balada Para Um Louco” de Astor Pizzola é uma crítica refinada onde, como no filme “O Estranho No Ninho”, os temas sanidade e loucura ocorrem.

  1. Sintomas Gerais

Há agravação de sintomas:

Há melhora de sintomas:

As manifestações sintomáticas são predominantemente do lado direito. Não tolera o calor; as secreções tem mau odor. 

Tem sono agitado, intranquilo, com sonolência durante o dia, mesmo depois de uma boa noite de sono.

Há intolerância aos alimentos gordurosos, aos doces, álcool e fumo. Desejo por alimentos picantes, carnes e doces.

Cabe neste momento falar sobre o teste “Hocke”, que vem do alemão hocken, que significa acocorar-se.

Neste teste o paciente flete os joelhos e fica de cócoras, com a cabeça inclinada para frente e abaixada. Com esta posição há excitação do parassimpático (reflexo vagal) levando a bradicardia, miose, aumento do peristaltismo intestinal e outros sintomas contrários àqueles produzidos pela atropina, ocorrendo relato de piora geral nesta posição.

E quando colocado em posição ereta e com inclinação do tronco para trás (espreguiçando-se), há uma espécie de “bloqueio” do parassimpático, “como se houvesse liberação de substâncias semelhantes a atropina”, ocorrendo sintomas em similitude a Mandragora com consequente melhoria sintomática.

  1. Sintomas Particulares

Cabeça: há congestão cefálica (semelhante a Belladonna), com sinais de pletora, acompanhados de mãos e pés frios. Cefaleia congestiva relacionada a ansiedade e antecipação, que melhora com ar frio e pressão forte, piorando com exposição ao sol, fumo e álcool.

Vertigem: muitas vezes a vertigem é semelhante a Síndrome de Menière (tontura, náuseas, vômitos, redução da audição e dificuldade para permanecer em pé), precisando deitar para melhorar; outras vezes piora ao se deitar ou se virar. Geralmente ocorre após emoção ou ansiedade.

Olhos: congestão aguda dos olhos, conjuntivite, irite, midríase, os objetos parecem ter listras.

Ouvidos: zumbido persistente, hipersensibilidade aos ruídos.

Aparelho Circulatório: ocorre estase venosa com hemorróidas, varizes em membros inferiores, tendência hemorrágica com petéquias nas coxas e estomatite hemorrágica.

Aparelho Respiratório: tosse por irritação laríngea, bronquite aguda, rouquidão e dispnéia.

Pele: há Herpes labial e zoster, furúnculos e erupções, com pele oleosa que suja as roupas pessoais e de cama.

Aparelho Digestório: Há Herpes labial (semelhante a Natrum muriaticum), boca seca, estomatite aftosa, estomatite hemorrágica, mau hálito, periodontite (deixando o dente extremamente doloroso ao mais leve toque), há amigdalites recidivantes e dormência da garganta como se estivesse anestesiada. Dor epigástrica frequente que melhora ao comer e ao beber, e ao se inclinar para trás (como Belladonnna, Bismuthum, Causticum, Dioscorea, Kali carbonicum). Tem saciedade logo ao começar a comer, com náuseas e vômitos após alimentos gordurosos. Há alteração na secreção biliar (cólica biliar). Ocorre obstipação com fezes em cíbalas, ou evacuação de fezes amolecidas porém com dificuldade. Ardência anal e hemorroidas sangrantes.

Aparelho Gênito-Urinário: bexiga frouxa com necessidade frequente de urinar, incontinência noturna, ou dificuldade para urinar. A saída abundante de urina melhora a depressão (único remédio, no Repertório Homeopático). Libido sexual aumentada ou diminuída (uso histórico como afrodisíaco).

Extremidade: lombociatalgia que melhora ao se reclinar ou se movimentar, artralgias com hipoestesia da pele, há mialgias generalizadas, dores em grandes articulações e em coluna, que melhoram com movimentação contínua, artrites (com sinais flogísticos)

Sistema Nervoso Periférico: sensação de dormência nos braços e pernas, na cabeça, no rosto e nas mucosas, alteração da sensibilidade profunda.

Diagnóstico Diferencial:

Os sintomas em comum são devidos a inibição do parassimpático, obsevando-se congestão cerebral (mais ativa em Belladonna), cefaléia congestiva e pulsátil, midríase, mucosas secas, taquicardia, hipertermia, obstipação e alternância de excitação e depressão.

Existem diferenças entre a forma de cada medicamento vivenciar seu desequilibro, a começar pelo delírio:

Ainda cabe lembrar Canabis indica pelo lado alucinógeno (entretanto a agitação dos indivíduos Mandragora é mais marcante), e também Opium onde a alienação, a parca atividade, a hipotonia e hiposensibilidade fazem a diferença, apesar da característica do aspecto narcotizado que se encontra nos dois pacientes.

Em relação às convulsões:

            Todos são hipersensíveis, mas modalizando:

A respeito de ciúme e clarividências:

Existem outros medicamentos que devem ser comparados através da sintomatologia em comum com a Mandragora:

Com o estudo da Mandrágora tem-se à mão uma nova prescrição para aqueles pacientes com artrose, gota e ciática, que já foram tratados com inúmeros medicamentos e sem grande melhora, podendo obter alívio com o uso organicista deste medicamento.

Por outro lado, abre um novo horizonte para aqueles pacientes que vem usando Belladonna ou Hyoscyamus ou Stramonium e que não estão progredindo, apesar do medicamento ter sido bem escolhido. Talvez sejam Mandrágora!

Pela experiência clínica o que se sabe é que dos quatro medicamentos a Mandragora apresenta sintomas mais atenuados e com evolução mais crônica dos mesmos.   

REFERÊNCIAS

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Autora: Dra Lia Rachel B. Romano

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