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Medicalização da vida: uma questão de saúde, educação ou política?

O que a perspectiva Junguiana pode contribuir no debate sobre a

medicalização da vida?

Medicalização poder ser vista como uma atitude, maneira de ver, viver e se conduzir em que o que não corresponde ao padrão esperado (normal, saudável etc.) é julgado como uma doença no indivíduo, que precisa ser evitado, prevenido, tratado e curado: problema médico. Disto decorre o termo “medicalização” que não ser reduz, exclusivamente, a prescrição de medicações literalmente falando, mas do olhar que transforma em doença médica tudo que é vivido como erado, ruim, moralmente reprovável etc. Por exemplo: se toda dor de cabeça for vista como uma cefaleia ela deverá ser investigada, cuidada, tratada dentro de protocolos médicos. Ela será submetida a linguagem e a todos os procedimentos médicos. 

Na perspectiva Junguiana, para que algo seja visto e vivido como “errado”, “ruim”, “prejudicial” é necessário uma comparação entre o evento presente e uma referência avaliada como “certo”, “bom” ou “favorável”. Este julgamento aconteceria na dependência de um complexo associativo que daria a interpretação do evento atual, quer a consciência percebesse ou não. Não haveria acesso a nada imediatamente dado; sempre uma interpretação mediada por algum complexo associativo (imagem afetiva) que faria com que o que surge no presente fosse visto e vivido como tendo determinado sentido e significado.

Complexos organizam-se por padrões coletivos, universais, históricos, culturais seguindo grandes temas (padrões arquetípicos) e com isto levam as pessoas, famílias, instituições etc. a pensarem, julgarem, de acordo com os valores (JUNG, Energia Psíquica, 2013) que os configuraram; conduzindo as formas de viver, morar, produzir, relacionar-se na família, trabalho, cultura etc., muitas vezes sem que a consciência perceba – inconscientemente.

Os valores coletivos se realizam afetando os sujeitos: o que tem mais valor afeta mais e produz mais força de associação; o que tem menos valor afeta menos ou passa sem ser percebido. Assim os valores universais ou coletivos realizam-se singularmente num processo de individuação que configura complexos que conduzem os sujeitos, dando a base de interpretação do que aparece na vida psíquica, a maioria das vezes inconscientemente.

Complexos como conjuntos associativos com autonomia e independência em relação à consciência podem ser personificados como pessoas em nós. Não se tem complexos, os complexos é que podem nos ter. E mesmo o que é denominado como “eu” seria um complexo associativo entre vários outros complexos. Sujeito seria muito mais do que o complexo do Eu e existiria antes mesmo que qualquer associação se formasse ligada ao hábito de dizer eu. Em poesias coligidas um poema de Fernando Pessoa (PESSOA, 1977, §711) pode ajudar na aproximação desta experiência de sujeito para além do eu:

Sou um evadido.

Logo que nasci

Fecharam-me em mim,

Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa

Do mesmo lugar,

Do mesmo ser

Por que não se cansar?

Minha alma procura-me

Mas eu ando a monte,

Oxalá que ela

Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,

Ser eu, não é ser.

Viverei fugindo

Mas vivo a valer.

Complexos teriam uma posição relativamente autônoma diante do complexo do “Eu”: seriam “outro” para o Eu. A consciência não seria unificada – “Gostamos de pensar que somos unificados, mas isto não acontece nem nunca aconteceu” (JUNG, Fundamentos de Psicologia Analítica, 1983, p. 67). Às vezes o que se passa na consciência não só não está de acordo com o que se está fazendo como por vezes está em franca oposição.

Os complexos realizariam processos de invasão na consciência que em si não seriam doenças, mas momentos em que se é tomado, capturado por uma emoção dominadora e então se sente, pensa, reage, tem reações musculares, expressões faciais, liberações de hormônios etc. tudo diferente. Não haveria uma separação entre corpo e mente pois a constelação de um complexo ativaria todas as associações chamadas físicas ou psíquicas. Quando se é invadido e/ou conduzido – quando o complexo está constelado – acionam-se todas as associações e a consciência não tem como impedir este processo automático.

A vida seria maior do que todos os padrões ou normas que os valores organizados, pela infinidade de padrões coletivos inconscientes, possam produzir. A vida seria excessiva, abundante, prodiga, esbanjadora, por demais múltipla, variada com infinitos sentidos e significados e em constante mudança. A vida transbordaria para além do que a consciência individual ou coletivamente tentasse organizar como tendo sentido e significado. Por isso é importante o lugar para o desconhecido, misterioso, enigmático ou inconsciente. A manifestação e/ou invasão de complexos não precisa, necessariamente, ser vivida como problema ou doença médica; pode ser manifestação da vida pulsando para além da consciência e do complexo do ego. As vezes o sofrimento acontece não porque algo está errado ou faltando, mas porque a vida está transbordando, excedendo procurando caminhos por onde se realizar e os caminhos coletivos individualizados empiricamente estão estreitos demais. O sofrimento pode virar arte, poesia, música, mudança de vida e não apenas doença.

Doença na perspectiva Junguiana pode ser entendida como a dominação unilateralde um estilo, padrão, na consciência em cisão e embate contra outros padrões que se associaram seguindo valores de vida diferentes. A atitude na consciência é fundamental pois se for de embate e exclusão ter-se-ia um tipo de efeito gerando lutas defesas contra algo vivido como de natureza mórbida. Entretanto se atitude na consciência for de escuta a sério, o que não quer dizer apenas literalmente, mas nos sentidos poéticos, metafóricos, simbólicos etc., os efeitos seriam muito diversos. O texto junguiano faz pensar que a alternância e colaboração entre os complexos (entre formas de vida e valores diferentes), a multiplicidade em colaboração, protegeria no sentido de uma vida saudável.

Pode-se aproximar estas ideias da concepção de saúde em Canguilhem: “O que caracteriza a saúde é a possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir normas novas em situações novas.” (CANGUILHEM, 2000, p. 160).  Saúde seria infidelidade a norma habitual e a possibilidade de produzir normas novas em situações novas.

Se o complexo do Ego levado por alguns valores passou a se identificar com atributos que anteriormente eram exclusivos dos deuses como: autonomia, independência, autodeterminação, unidade, autenticidade, espontaneidade etc., pode viver acreditando que realizar estes atributos são a norma para uma vida saudável e bem-sucedida. Seria como se para ter uma vida saudável e realizada tivesse que virar Deus. E se ainda não se virou “Deus” algo há de errado no indivíduo. Jung falava de uma inflação do Ego “(…) em consequência da inflação, a hybris humana escolhe o eu, em sua miserabilidade visível, para senhor do universo.”  (JUNG, Psicologia e Religião, 1978, p. 92).

Esta forma inflada do complexo do ego pode ser vivida como o “indivíduo saudável”. Nos códigos de saúde mental atuais – Manual Estatístico e Diagnóstico (DSM) (DSM V – APA, 2014) da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e Código Internacional de Doenças – (CID X) (CID-10 OMS, 1993) da Organização Mundial da Saúde (OMS) o transtorno metal é algo que diz respeito a um sofrimento que acontece exclusivamente num indivíduo.

Pode-se pensar que estes valores, vividos imperativamente como ideais de um indivíduo saudável, já colocaria para o complexo do ego exigências sobre-humanas; entretanto estas podem ter sido intensificadas com a passagem da sociedade da produção ou do trabalho para a sociedade do consumo. Se na sociedade da produçãovigorava valores como acumulação de capital e afastamento de todo gozo espontâneo da vida, segurança, estabilidade, respeito a hierarquia; na sociedade do consumo o valor desloca-se para o imperativo de não ceder em “seu desejo” (desejo do ego). Desaparecem os discursos de repressão aos prazeres e se afirmam os vínculos materiais com o prazer com cobranças de gratificação irrestrita. Limitar, refrear, tomar distância, alienar perdem o lugar de valor. Haveria um estilo de consciência onde “limite” é a marca de inadequação, incapacidade. Uma vida não realizada para a forma homem vivida como o “Eu” para o qual foram transferidos os atributos outrora relacionados às divindades.

Na sociedade de consumo, os valores como propriedade privada, mercado competitivo, liberdade de expressão, livre mercado tomaram a forma de movimento que foi denominado de neoliberalismo. Valoriza-se neste a capacidade de enfrentar riscos, flexibilização, maleabilidade; deslocar-se sem se prender a fronteiras ou diferenças hierárquicas, de estatuto, papel, origem, grupo etc. A desregulação do trabalho apareceria como produção de formas de recusa à estrutura disciplinar das identidades, isto através de suas flexibilizações. As pessoas deveriam se transformar em empresas de si mesmos.

O Complexo do Ego inflado, identificado com os atributos dos deuses tem que, imperativamente conseguir não ceder em seus desejos, ter gratificação irrestrita, iniciativa pessoal, obrigação de ser si-mesmo, autoafirmar, autorrealizar, autoexpressar sob o crivo individual do desempenho e da performance. A patologia vira a insuficiência e disfuncionalidade da ação deste Ego inflado.  Inquietação, violência, mal-estar, tudo que limita, faz sofrer esta forma “indivíduo” poderia ser interpretado como fazendo parte de uma síndrome, um transtorno mental para ser tratado na perspectiva médica.

Estes valores funcionando como certo, bom, saudável (uma vida bem realizada) não parariam de produzir no seu contraponto, em sua negação determinada, o que será vivido como errado, ruim e doente. O poder disciplinar (exame, pesquisa observação etc.) tendo como parâmetro esta forma de indivíduo internalizada como normal toma tudo que ameace a este conjunto de valores como errado, ruim e pode então aglutinar os elementos “negativos” para estes valores em categorias, classificando como doenças para serem estudadas, pesquisadas, para que sejam prevenidas e tratadas medicamente.

O funcionamento majoritário deste conjunto de valores torna o mundo de relações mais parecido com um jogo de tênis, onde se joga para que o outro erre, do que num jogo de frescobol, onde se joga para que o outro acerte…

Os valores encarnados no movimento neoliberal ganham força como política de estado no mundo no final da década de 70 do sec. XX com as políticas econômicas de Augusto Pinochet no chile de 1973 a 1990; Margaret Thatcher no Reino Unido (1979-1990) e Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989). Neste mesmo período acontece uma mudança significativa na forma de fazer diagnóstico em saúde mental. Os códigos que até então apresentavam fortes influências psicodinâmicas foram vistos como problemáticos para se conseguir validade, confiabilidade e fidedignidade nas categorias diagnósticas. O Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana – DSM III é lançado em 1980 com uma forma de diagnosticar objetiva em que os transtornos mentais aparecem como padrões de síndrome, ou seja, conjunto de sinais e sintomas presentes durante certo tempo em um indivíduo. A nova proposta é eliminar diferenças subjetivas; as inovações metodológicas incluíam “(…) critérios explícitos de diagnóstico, um sistema multiaxial, e um enfoque descritivo que tentava ser neutro em relação às teorias etiológicas” (DSM IV TM – APA, 1995, p. xvii). Posteriormente a 10ª revisão do Código Internacional de Doenças – (CID-10 OMS, 1993) da Organização Mundial da Saúde (OMS) segue a mesma lógica propondo-se a fazer uma classificação ateórica. Transtorno mental é conceituado como sofrimento, incapacitação etc. apenas e exclusivamente quando acontece no Indivíduo.

Observa-se uma expansão crescente do número de categorias diagnósticas, em especial nos últimos 50 anos. Se no Censo de 1840 nos EUA haviam 2 (duas) categorias; em 1880 eram 7 (sete) categorias. Pinel, no final sec. XVIII indicava 8 (oito) categorias (vesânias, melancolia, mania, demência, idiotismo, hipocondria, sonambulismo e a hidrofobia). Esquirol acrescenta imbecilidade. A 6ª revisão do CID da OMS (1952) incluiu o capítulo dos transtornos mentais com 26 (vinte e seis) categorias entre psicoses, psiconeuroses, transtornos de caráter, comportamento e inteligência; DSM II de 1968 com 182 (cento e oitenta e duas) categorias; DSM III com 265 (duzentos e sessenta e cinco) categorias; DSM III-R (1987) 292 (duzentas e noventa e duas) categorias; DSM IV (1994) 297 (duzentas e noventa e sete) categorias e DSM V ( 2013) 450 (quatrocentas e cinquenta) categorias.

 Autores como Vladimir Safatle (SAFATLE, 2015) citando Axel Honneth (HONNETH, 2015, p. 385) falam de uma privatização do descontentamento, pois as pessoas seriam levadas a acreditar que cada um é responsável, individualmente, pelo desemprego iminente etc. Um sentimento de ser o único responsável por seu destino, inclusive o destino profissional. Pode-se pensar que os modos de socialização poderiam ser, ao mesmo tempo, os modos de suporte do sofrimento vivido, pois haveria um tipo de sofrimento em todo processo de socialização, de construção de identidades socialmente reconhecida, de constituição do Eu, ao internalizar padrões de conduta que poderiam ser utilizados, normativamente, sobre os sujeitos, a psique e a vida.

Todos os sentimentos, pensamentos, emoções etc., que não se submeterem ao padrão do melhor, mais adequado serão vividos como erro, falta, fraqueza ou incapacidade etc. Isto seria valido tanto por quem vive como por quem trata, pela estrutura que reconhece, pela política de saúde e educação etc. E será visto como doença que precisa ser tratado, medicalizado!  A norma ideal e saudável que será usada como referência no julgamento está implícita nos valores: autonomia, independência, autodeterminação, autoafirmação, autorrealização, autoexpressão, controle de si, senhor que julga e determina o que é naturalmente bom, gratificação irrestrita a si mesmo. etc.

São valores internalizados no processo de socialização pela educação que, quando funcionando demasiadamente eficaz e eficiente, poderia produzir a destruição de outras formas vida. Quanto mais jovem menos “filtro” ou barreira haveria para que os valores afetassem com mais intensidade: “A educação tem por fim implantar complexos duradouros na criança. (…) A tonalidade afetiva se mantém devido a estímulos constantemente atualizados.” (JUNG, Psicogênese das Doenças Mentais, 1999, §90).

Quem apresentaria mais “sintomas” seriam os que mais aderiram unilateralmente a norma “saudável” (com mais ou menos esforço; conscientemente ou não) e esta passou a funcionar de maneira dominante em cisão e oposição a outras normas e outros padrões que passaram a funcionar como inimigos ameaçadores.

Não se trata de defender uma posição a favor ou contra diagnósticos, seria uma posição onipotente, pois a psique é criativa e performaticamente produz “doenças” aglutinando tudo que é vivido como errado, ruim etc., para todo e qualquer determinado conjunto de valores, quer a consciência queira ou não. Quando aparece algo como mentalmente doente, um complexo julgou quais ideias, comportamentos e fantasias estão “erradas” – comparando com padrões ideais, morais, estatísticos etc. Isto se constela independente da vontade do padrão dominante na consciência.

Não haveria nada a opor aos diagnósticos médicos, protocolos de investigação, tratamento, exames ou a prescrição de medicamentos se fossem vividos como uma possibilidade entre várias que pudessem se alternar e colaborar, de acordo com os momentos da vida. A questão da medicalização é a dominação unilateral destes valores, condutas e atitudes centradas exclusivamente no indivíduo com tendência a serem unicamente médicas: medicalizando a vida.

Não se busca ser contra o uso de medicações por exemplo como o metilfenidato (nome farmacológico da Ritalina) porque os dados da ANVISA mostram um aumento consumo de em 74% entre 2006 e 2011 (DAROQUE, et. al, 2016). Nem de ser contra diagnósticos como Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) porque há indícios que até 75% dos jovens medicados com a substância acima referida não teriam sido corretamente diagnosticados (FERNANDES, C. T. & MARCONDES, J. F., 2017). Qual seria o efeito de avaliar mais intensamente mais crianças? Isto não poderia produzir mais diagnósticos individualizados e mais medicalização?

A lógica dos valores ligado a propriedade privada trata toda manifestação como equivalente que pode ser comparado, quantificado e virar mercadoria. O mesmo conjunto de valores que afeta produzindo um aumento de prontidão para o ataque aos inimigos das propriedades privadas aumenta também, por exemplo, níveis de cortisol com várias consequências. O aumento excessivo do cortisol, em resposta a uma atitude constante de ameaça, pode causar sofrimento que será estudado, prevenido e tratado medicamente com alguma forma de correção; seja com medicamentos ou com outros procedimentos que produzam redução do cortisol. Ou seja, tanto a “doença” como o tratamento podem funcionar como mercadoria.

Os tratamentos na lógica da medicalização da vida podem incluir dispositivos do campo da psicologia, atividade física e mesmo da arte. Quando funcionam apenas na direção de eliminar o que aparece como errado, ruim, ou problemático preservando os valores e esta configuração dominante, ajudando o complexo do ego a manter a inflação. Entretanto haveria algo de errado em buscar a redução do cortisol naquela pessoa com qualquer uma das abordagens? Incluindo com medicações? A questão não seria impedir estes dispositivos de agirem reduzindo o cortisol, mas centrar a ação apenas nesta perspectiva.

Procura-se questionar aqui qual o olhar e valores que orientaram o reconhecimento da demanda como problemas. Este problema que emergiu é problema para que estilo de consciência conduzido por quais valores? Quanto maior as expectativas de gratificação irrestrita, prazer, animo, disposição, iniciativa etc. mais ameaçadores podem se tornar os sentimentos de desanimo, tristeza ou desinteresse. Pode-se chega num ponto em que passam a ser vividos como doença. O cuidado seria eliminar estes sintomas que são vividos como sofrimento ou rever a forma de vida que valora excessivamente o oposto? Rever os valores exclusivamente em quem se identificou o “problema” ou nos contextos, relações sociais, familiares trabalho etc.?

Quais os cuidados com as questões quando e onde estas demandas aparecem? Seriam os “problemas” que aparecem como demanda exclusivamente médicos e individuais? Qual a necessidade de cuidados, o que e quem precisa de cuidado? Seriam exclusivamente os indivíduos? As relações, os contextos, não poderiam ser campo de trabalho importante na transformação do cenário onde o problema se apresenta como do indivíduo?

Não seria difícil encontrar, mesmo nos protocolos médicos, a indicação de que a demanda deveria ser tratada com abordagem diversificadas e que as medicações só deveriam ser utilizadas em situações específicas e precisas. Entretanto ao se aplicar os protocolos nos contextos vivos e presentes muitas das vezes a perspectiva médica e o diagnóstico categorial é a primeira demandada e não apenas pelos profissionais médicos, mas por profissionais do campo educacional (professores, diretores de escola, orientadores pedagógicos etc); no campo da justiça (assistentes sociais, juízes, promotores); no campo da saúde (psicólogos, assistentes sociais, etc.). Quando outras abordagens surgem como possibilidade, muitas vezes, os recursos necessários não estão disponíveis. Não há condição de transporte, espaço, recurso material e humano para realizar a abordagem. Mais dificuldade ainda quando a aproximação tenta instabilizar a dominação dos valores dominantes. Pode até fazer psicoterapia etc. desde que seja para eliminar os sintomas (“os problemas”) que estão incomodando. Os valores maiores devem ser preservados. Diante da dificuldade com a execução efetiva de outras abordagens com sentido diferente da eliminação do “problema”, o mais fácil e eficiente pode ser medicalizar: dar um diagnóstico individual. Assim, mesmo que não se efetive nenhuma forma de tratamento, ainda pode se dizer que o “problema” foi medicalizado.  

Finalizando, pode-se refletir que a medicalização da vida passa sem dúvida pela saúde e pela educação, mas entendendo a política como o campo de relações, trocas, debates públicos onde podem acontecer a elaboração de novas normas e novos padrões coletivos de vida, então talvez esteja seja o campo fundamental para a colaboração entre valores e a superação de dominações unilaterais fundamentalistas.

                                                                                                                        Dr. Ajax Perez Salvador

Membro didáta do IJEP

Referências

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

CID-10 OMS. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento- Organização Mundial da Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

DAROQUE, Lucas Pelisson, et al. “RITALINA E TRATAMENTO DE TDH: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE A FUNCIONALIDADE CEREBRAL.” VIII Mostra Interna de Trabalhos de Iniciação Científica E I Mostra Interna de Trabalhos de Iniciação Tecnológica e Inovação. Maringá – Paraná – Brasil, 2016.

DSM IV TM – APA. Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

DSM V – APA. Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association. 5ª. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.

FERNANDES, Cleonice Terezinha e MARCONDES, Jeisa Fernandes. “TDAH: Transtorno, Causa, Efeito e Circunstância.” Rev. Ens. Educ. Cienc. Human. (2017): 48-52.

HONNETH, Axel. O Direito da Liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

JUNG, Carl Gustav. Energia Psíquica. Vol. 8/1. Petrópolis: Vozes, 2013.

-. Fundamentos de Psicologia Analítica. Vol. Vol. XVIII/1. Petrópolis: Vozes, 1983.

-. Psicogênese das doenças mentais. Vol. III. Petrópolis: Vozes, 1999.

-. Psicologia e Religião. Petropolis: Vozes, 1978.

PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S A, 1977.

SAFATLE, Vladimir. “O trabalho do impróprio e os afetos da flexibilização.” Revista de Filosofia da PUCRS Jan- Abr de 2015: 12-49.

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