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O procedimento estético mais cobiçado da modernidade: o resgate da autoestima

O constante avanço dos procedimentos estéticos e a construção de uma autoestima. Nesse artigo, se aborda a relação desses dois elementos, perpassando pelo conceito e pela ampliação do que é ter uma autoestima saudável, bem como seu processo de construção. Inúmeros casos de deformação corporal e prejuízos na saúde, alguns levando até a morte, são noticiados pela mídia a todo instante. Afinal, qual o sentido de tudo isso? Como a culpa e a vergonha de ser quem somos interferem nessa intrincada construção? Será que a persona tem influência nessa busca desmedida pelo belo através de seringas e ampolas? Este artigo explora essas questões sensíveis e angustiantes pontudas e estimuladas a todo instante pela cultura, pela mídia, por nós mesmos.

Resumo: O constante avanço dos procedimentos estéticos e a construção de uma autoestima. Nesse artigo, se aborda a relação desses dois elementos, perpassando pelo conceito e pela ampliação do que é ter uma autoestima saudável, bem como seu processo de construção. Inúmeros casos de deformação corporal e prejuízos na saúde, alguns levando até a morte, são noticiados pela mídia a todo instante. Afinal, qual o sentido de tudo isso? Como a culpa e a vergonha de ser quem somos interferem nessa intrincada construção? Será que a persona tem influência nessa busca desmedida pelo belo através de seringas e ampolas? Este artigo explora essas questões sensíveis e angustiantes pontudas e estimuladas a todo instante pela cultura, pela mídia, por nós mesmos.

Injeções de alegria e ampolas de autoestima, nunca foi tão fácil comprar.

O conceito de autoestima atravessa dois campos principais: a valorização das próprias competências e uma relação harmoniosa com o corpo. O gostar de si mesmo é uma conquista difícil de ser alcançada nos tempos atuais, quando se há uma padronização daquilo que é considerado saudável, aceito e belo. Com isso, as diferenças são jogadas na sombra. Assim, o valorizar o que há de singular e de diferente em nós acaba sendo um processo não estimulado ou visto como falta de empatia com o próximo.

Ter uma visão honesta e completa daquilo que somos e do que nos constitui lança o ego em uma encruzilhada de contradições e paradoxos. Não há possibilidade de amar pontos cegos, negados e desconhecidos pela consciência. Quando mais se rejeita, mais energia psíquica este conteúdo ganha, impactando e constrangendo o ego de maneira intensa e incontrolável. Portanto, o primeiro passo para desenvolver uma autoimagem consistente é aceitar as próprias falhas; é reconhecer que perfeição não há, mas sim inteireza.

Espelho, espelho meu; existe alguém mais bela do que eu?

Ter uma autoestima bem trabalhada não é algo fixo, imutável e permanente no tempo, tampouco um processo estanque. É um trabalho pessoal dinâmico, com oscilações e repleto de incertezas e descobertas. É de suma importância estabelecer uma conexão do Eu com o Si-mesmo, pois é nesse diálogo e integração que residem os valores mais genuínos e autênticos de cada indivíduo. A busca desmedida e constante por seringas e ampolas para aplacar o vazio existencial e de sentido interno nunca foi tão procurado; e simultaneamente tão ineficaz.

“O valor tanto energético como moral da personalidade consciente e inconsciente está sujeito às maiores variações no indivíduo.” (JUNG, OC.14/2, §281)

Nas redes sociais, filtros são criados a todos instante, se tornando uma regra para a validação social de corpo, estética e imagem.

Um sequestro coletivo de traços de humanidade e diversidade é autorizado de forma subliminar a todo instante. A insegurança natural de ser quem se é acaba sendo anulada e exterminada a todo custo. A possibilidade de criação e desenvolvimento de consciência, permeada de riscos, incertezas e dúvidas, é esterilizada. Como consequência, insônias, crises de ansiedade, fobias sociais e distorção de imagem, viram queixas constantes e diárias.

É bom ressaltar que o corpo é a extensão da psique. O não reconhecimento daquilo que se enxerga no espelho afeta intensamente o gostar e a liberdade de expor a própria imagem. Estamos cada vez mais inclusivos, humanos e fraternos. Será? É público e notório o aumento crescente e intenso por procedimentos estéticos, como a harmonização. Cirurgias plásticas, a busca pelo rosto quadrado, o levantamento de linhas de expressão. Qual a finalidade de todas essas intervenções? O cuidado consigo mesmo não pode ser álibi para um assassinato da própria natureza.

O senso de autoestima conversa diretamente com o conceito de persona, desenvolvido por Jung. Persona é uma construção psicológica constituída por valores, aspectos, ideias e comportamentos, selecionados por todos nós com a finalidade de aceitação e movimentação no mundo social e coletivo. É tudo aquilo que escolho para me apresentar ao outro.

O grande paradoxo começa quando há uma identificação com a persona. Mesmo sendo uma estrutura necessária, ao se identificar com esses aspectos, pode-se criar um falso eu, uma ilusão, uma fragmentação daquilo que somos em essência. Logo, ocorre um choque com a nossa natureza, criando dúvidas, confusões, angústias e incertezas sobre a nossa individualidade. Deste modo a autoestima e a espontaneidade são enterradas e solapadas.

“Ao analisarmos a persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é no fundo coletiva; em outras palavras, a persona não passa de uma máscara da psique coletiva. No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo que “alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo.” (JUNG, OC.7/2, §246)

A expectativa de terceiros, seja na forma do núcleo familiar ou de um coletivo social, impacta diretamente a autopercepção do indivíduo.

Quando há um conflito entre aquilo que sabemos sobre nós, a nossa função no mundo e a qualidade das relações subjetivas estabelecidas e o que a sociedade cria como expectativa de bom, moral e justo, o senso de identidade é o primeiro a ser sacrificado. É um sacrifício caro e contra a natureza, fortalecendo o sentimento de inadequação e o enfraquecimento da autoestima.

A culpa e a vergonha são aspectos a serem amplificados nessa jornada da busca ao amor próprio. Um dos pontos cruciais a se pensar é a própria autorização de ser quem se é e viver harmoniosamente e coerentemente com sua singularidade, independente da avaliação constante do mundo e seus pilares de eficiência e alegria constante. A culpa por não seguir um padrão estimula a correção do dito imperfeito.

O que fazemos com a culpa? Uma das grandes questões de um processo psicoterapêutico. É um mecanismo legítimo que nos coloca frente a frente com a responsabilidade e conscientização dos nossos atos, retirando a sua projeção nos outros, ou é uma algema instalada por ideais e ofensas falsas coletivas que impede o autorrespeito?

As experiências da infância quando são permeadas por episódios de humilhação, ofensa e descrédito podem abrir feridas emocionais profundas e dolorosas.

Dessa maneira, imagens de experiências desafiadoras (que são atraídas e circundam complexos com um núcleo arquetípico) surgem e deixam rastros capazes de desvendar temas e conteúdos preciosos necessários à consciência. Ter a coragem e a honestidade demandadas ao lidar com questões arquetípicas como vaidade, soberba, inferioridade, rejeição, auxiliam fortemente o desenvolvimento e a formação do senso de existência e amor próprio.

O constrangimento decorrente do olhar a realidade que se é nunca será maior do que o desconforto de viver refém de dogmas e mandos sem sentido.

“Mas se esse homem conscientizar seus conteúdos inconscientes, tais como aparecerem inicialmente nos conteúdos fáticos de seu inconsciente pessoal e depois nas fantasias do inconsciente coletivo, chegará às raízes de seus complexos.” (JUNG, OC. 7/2, §387)

Jacoby cita: “Com que rapidez nos sentimos envergonhados e com que intensidade, afinal de contas, depende da medida de tolerância que somos capazes de concentrar para nossos próprios lados sombrios.” (2023. p.41).

Lidar com a autoestima é um convite de paz com os nossos próprios demônios e questões sombrias, demonstrando uma autocompaixão por nós e pelos outros.

À medida que me reconheço e tenho consciência das minhas imperfeições, consigo respeitar e ser tolerante com o outro. Com a tolerância, uma união pode ocorrer e uma estima nascer. Eros pode reestabelecer o vínculo com a vida, com o corpo e com o autorrespeito.

A capacidade de estabelecer limites e de dizer não sem ter a compressão desse ato como uma ofensa ao outro é um aspecto rico a ser debatido. Se colocar na posição de humilde e sempre prestativo para que a aceitação de quem se é ocorra é um perigo, que pode camuflar compensações inconscientes das mais variadas formas e conteúdo. A partir do momento que não estabeleço uma distância com o que chega até mim, uma simbiose inconsciente pode ocorrer, afastando cada vez mais a possibilidade de diferenciação e individualização. Por consequência, se não sei quem sou, uma dificuldade em valorar o que faço, o que penso, se instala.

Por fim, a autenticidade é o fruto de uma autoestima trabalhada.

O centro da totalidade psíquica, o Si-mesmo, abre caminhos simbólicos, seja por sonhos, sincronicidade, expressões criativas, para que uma união seja realizada. Antes de mais nada, ter autoestima é ter conhecimento do mundo interno; dos paradoxos e das polaridades subjetivas; dos diálogos com conteúdos inconscientes. Processo impossível de acontecer se rejeitarmos a voz e o encontro com esse centro mandálico.

Pedro Pimentel Rocha – Analista em Formação pelo IJEP

Waldemar Magaldi – Analista Didata do IJEP

Referências:

JACOBY, M. A vergonha e as origens da autoestima. Abordagem Junguiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. OC.7/2. Petrópolis: Vozes, 2021

JUNG, C. G. Mysterium Coniunctionis. OC.14/2. Petrópolis: Vozes, 2021

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