Site icon Blog IJEP

Por mais diálogo entre as áreas de psicologia e comunicação

Quais são os processos de comunicação que ocorrem durante uma sessão de terapia? E quando um jornalista faz uma entrevista, seja as breves ou, principalmente, projetos de longo prazo que demandam anos de interação?

O modo como esse fenômeno será interpretado depende muito do ponto de vista da área onde o observador está situado.

Do ponto de vista etimológico, a palavra Comunicação advém do latim, “communicationem”, que desde o século XV significa “ação de tornar comum”. Sua raiz é o adjetivo communis, comum, que quer dizer “pertencer a todos ou a muitos”. E o verbo é communicare, comunicar, que significa “tornar comum, fazer saber”.

Ao longo do tempo, contudo, sobretudo com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a palavra foi incorporando o sentido de transmitir, passar algo de A para B, como em tese ocorre com o envio de uma carta ou quando assistimos a um programa de televisão.

Após a Segunda Guerra Mundial, foram comuns os estudos que tentavam mapear se e como seria possível persuadir os indivíduos para ficarem mais receptivos às mensagens publicitárias.

Atualmente os teóricos em Comunicação defendem que estas teorias que envolvem a noção de manipulação são obsoletas, pois partem do princípio de que o ser humano é totalmente passivo. Sabe-se hoje que a mídia é uma das esferas de influência, como a família e as diversas comunidades que as pessoas pertencem, como a laboral e a religiosa.

Sabe-se, também, que as classificações tradicionais entre comunicação interpessoal, organizacional e de massa estão em intenso processo de convergência desde o final dos anos 1990, com a expansão da Internet.

Vivemos uma época em que a mídia social e os grandes meios de transmissão se conectam de uma forma sem precedentes, de maneira cada vez mais simples e intuitiva. Basta um clique no smartphone ao postar algo no Facebook e um amigo que trabalhe num jornal pode achar interessante e o post virar uma pauta midiática. E vice-versa.

Contudo, os estudos da área de Comunicação ainda privilegiam a análise de processos que ocorrem por meio de aparatos midiáticos. Um exemplo seria o que ocorre na recepção de um programa de uma emissora de televisão.

Mesmo nos processos comunicacionais que envolvem o ser humano, o aspecto psicológico é pouco compreendido, porque pouco estudado ou visto no viés de abordagens psicológicas que estão mais preocupadas com a superfície dos fenômenos.

Uma abordagem jornalística clássica, investigativa, em geral ainda está presa a uma visão predominantemente positivista, moderna, explicativa, mecanicista, cartesiana. O jornalista, de forma legítima, busca “a verdade”.

Outras áreas do conhecimento, como a História Oral e a Psicologia, compreendem que essa noção de verdade é subjetiva. Muitos historiadores orais trabalham com o conceito de ucronia, isto é, que é uma verdade “possível” para dadas circunstâncias que o indivíduo pode ter achado intolerável, como um prisioneiro de um campo de concentração.

A noção de verdade psicológica, mais ampla, preconiza que se algo está trazendo um sofrimento psíquico é porque, para aquele ser, naquele dado momento, aquilo é real. É a partir desta base que será trabalhado, não como uma mentira.

Em uma entrevista jornalística, sobretudo nos processos de apuração de longa duração, entrevistado(a) e jornalista envolvidos sairão transformados em alguma medida. Porém esse processo não é feito nem estudado de forma consciente.

Um livro seminal de como este processo pode ter repercussões dramáticas para o jornalista é O Segredo de Joe Gould (Companhia das Letras). A obra foi escrita pelo escritor estadunidense Joseph Mitchell (1908-1996) para a revista The New Yorker numa época em que as apurações levavam até três anos.

Joe Gould (1889-1957) era um “sem teto” atípico. Nascido numa família aristocrática de Boston, nos Estados Unidos, estudou – como seu avô e pai – medicina em Harvard. Distúrbios psicológicos o levaram a não conseguir se inserir no meio social. Devido às suas relações sociais, ele se tornou um boêmio que alternava internações com a vida em albergues em Manhattan sustentada à base de “contribuições” de celebridades como o autor e. e. cummings.

Mitchell projetou-se de tal forma no carismático sem teto que “mentia” sobre ter escrito uma obra maior que a Bíblia que sofreu um bloqueio de escrita que durou de 1964 a 1996, ano de seu falecimento.

Mitchell também não havia “cumprido” a vontade paterna de cuidar da fazenda familiar, também se sentia um peixe fora d´água em Nova York (os perfis que trabalhava expressavam isso, com relatos de mulheres barbadas, coveiros e outros anônimos), também tinha na cabeça um grande romance que jamais chegou a colocar no papel.

Por 32 anos, diariamente, Mitchell ia para a redação. Os colegas de trabalho ouviam o tac-tac-tac da máquina de escrever ao longo do dia. E ele recebia o salário integralmente ao final do mês. Quando faleceu, os colegas correram revirar seu escritório, na esperança de achar uma produção fenomenal. Não encontraram sequer uma linha.

Num caso deste, o analista junguiano compreende que há interações de vários níveis que podem estar acontecendo entre ele e o(a) analisando além da comunicação consciente. Os egos do paciente e do analista podem estar em contato com os respectivos inconscientes. Os egos de ambos também podem afetar seus respectivos inconscientes.  E ambos podem estar sujeitos à influência do inconsciente de cada um.

Nesse caso, podemos supor que o inconsciente coletivo de Gould transbordou de tal forma para o inconsciente de Mitchell que este, já fragilizado, não deu conta da relação. Naufragou neste mar profundo e intenso.

Tanto a área de Comunicação como a de Psicologia já sabem de seus limites, e que não são capazes de explicar todos os fenômenos. Contudo, o diálogo entre especialistas de ambos os campos pode ser salutar para o avanço destas duas ciências no século XXI, notadamente no período tão complexo pelo qual transita nossa civilização.  

Monica Martinez, ítalo-brasileira, é especialista em Psicologia Junguiana pelo IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa, jornalista, escritora, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pós-doutora pela Umesp. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade do Texas em Austin. Atende na Vila Madalena, zona Oeste de São Paulo. Contatos: analisejunguianasp@blogspot.com. E-mail: analisejunguianasp@gmail.com

Monica Martinez

Exit mobile version