Resumo: Este ensaio tem como objetivo, a reflexão sobre a Sexualidade e alguns de seus aspectos sombrios como a promiscuidade sexual e o comportamento de risco para a contaminação de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) e hepatites, refletindo por meio da psicologia junguiana, a expressão simbólica da sombra coletiva da sexualidade e a “epidemia silenciosa” de AIDS, como tem retratado a mídia. Refletimos também sobre o pensamento de Jung em relação a esses comportamentos sombrios, o flerte com a morte e a própria essência do Amor!!
Importante salientar a parca bibliografia sobre o assunto, diante da necessidade e urgência na discussão da matéria, em um momento em que se fala na mídia sobre a “Epidemia silenciosa” de HIV e ISTs (IP-imprensa publica.com.br)
Segundo Jung, “Faz parte do amor a profundidade e fidelidade do sentimento (…) o verdadeiro amor sempre pressupõe um vínculo duradouro e responsável”. (JUNG.2019, & 231). Nesse sentido, em profundidade de “Alma”, como postula Jung, o termo “fazer amor” nos torna mais próximos dessa afetividade.
A sexualidade é um dos aspectos da dimensão humana, cercada ainda de muita dor e sofrimento, em razão do ocultamento e da aura do pecado, imposto principalmente pela formação judaico-cristã de nossa sociedade ocidental. A cultura do pecado manteve o véu da ignorância e do preconceito em torno do assunto e em razão disso, pouco se fala e se pesquisa sobre o tema, dado os parcos recursos bibliográficos disponíveis. Arrisco a dizer que apenas com o surgimento da AIDS e todas as suas particularidades, principalmente no início da infecção, onde denominada “câncer gay” é que se iniciou a falar sobre sexualidade e a defini-la em seu aspecto mais amplo (biopsicossocial). Foi quando as camadas sociais que se encontravam na sombra coletiva emergiram e a sociedade precisou integrá-las.
Falando-se em epidemia silenciosa, podemos defini-la como aquela epidemia em que existe a transmissão contínua de HIV e ISTs, sem chamar a atenção imediata das autoridades sanitárias, por serem muitos dos casos assintomáticos e subnotificados, prolongando assim o ciclo da infecção e da transmissão.
De acordo com um estudo em Porto Alegre, Imprensa Pública, 2025, foi identificada uma prevalência de 1,64% de pessoas com HIV na população geral, acima do limite de 1% que a OMS classifica como epidemia generalizada.
No Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, 2024, 4,5% a mais de casos foram diagnosticados que em 2022. Mortes por AIDS atingiram 3,9 por cento de óbitos por 100 mil habitantes. Esse foi o menor índice demonstrado desde 2013.
No perfil demográfico do mesmo estudo, foi identificado que 70,7% dos casos notificados são em homens, sendo 63,2% em pessoas pretas/pardas, 53,6% em homens que fazem sexo com homens (HSH), numa faixa etária de concentração entre 20 a 29 anos. Desses, foram encontrados 37,1% dos infectados. Prevalece aqui ainda, a juvenilização da infecção por HIV.
O que é mais sério nesse estudo em minha opinião, é a estimativa de que 11% dos indivíduos com HIV desconhecem seu diagnóstico, motivo pelo qual favorece a contaminação em indivíduos promíscuos e que não fazem sexo com proteção.
Os grupos mais vulneráveis identificados são: Homens que fazem sexo com homens, com até 18% de prevalência, população trans/travesti, em mais de 30% e jovens (15–24 anos), onde as novas infecções dobraram entre 2000–2015, provavelmente devido à queda no uso de preservativos.
As ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) são frequentemente assintomáticas e variam entre sífilis, gonorréia, HPV (papiloma vírus humano), hepatite B e mostram índices de crescimento.
É na dimensão psicossocial da sexualidade, onde inclui-se também os fatores psicológicos, como emoções, pensamentos e personalidade, combinados a elementos sociais, como por exemplo, o modo como as pessoas interagem, que compreendemos os vários distúrbios sexuais. É aqui que introjetamos as informações recebidas por nossos pais, professores e companheiros, herdando também os mitos, crendices e tabus sexuais, que muito influenciam no desenvolvimento saudável ou não da sexualidade e assimilamos determinadas “normas de comportamento sexual”.
No tocante ao comportamental, esse aspecto da sexualidade permite-nos não somente verificar o que as pessoas fazem, mas a forma com que o fazem e porque o fazem. Assim, é importante que evitemos “julgar” o comportamento sexual de outras pessoas a partir dos nossos próprios valores e experiências, por vezes baseado em normoses ou ainda por conceitos religiosos individuais. Ora, o que é normal para mim, muitas vezes não o é para o outro, pois esse julgamento é baseado por nossos próprios valores, crenças, mitos e tabus, herdados em toda a dimensão do aprendizado de vida do indivíduo.
De acordo com Cavalcanti & Cavalcanti, na dimensão clínica da sexualidade, podemos observar que embora o sexo seja uma função natural do ser humano, algumas coisas podem afetar essa espontaneidade das atividades sexuais, como as doenças físicas, violência e abusos sexuais, lesões e uso de drogas que podem comprometer esse padrão de resposta sexual. Entram aqui também, sentimentos como ansiedade, culpa, medo, depressão e conflitos interpessoais, que podem coibir ou mesmo alterar a vivência saudável da sexualidade.
No tocante à contemporaneidade e em toda essa questão biológica da sexualidade, infelizmente a mais importante para os padrões sexuais atuais, pouco se aborda a importância emocional do contato humano. Percebemos que esse culto ao corpo, ao consumismo, à performance e à persona sexual, sem a preocupação com o outro, com a afetividade e com os aspectos da alma, como bem fala Jung, tem trazido inúmeros sintomas físicos e mentais, gerando patologias e disfunções sexuais, entre outros distúrbios.
A palavra Promiscuidade deriva do latim promiscuus, que significa “misturado” ou “comum a muitos”. No contexto sexual, refere-se à prática de manter relações sexuais, com vários indivíduos, comumente de forma casual, sem vínculo afetivo, compromisso ou exclusividade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS.2003) e Manuais Epidemiológicos de Vigilância de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), a promiscuidade é considerada um fator de risco comportamental para a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis e é frequentemente definida por : ter três ou mais parceiros sexuais em um período de 12 meses ou ter mais de um parceiro sexual no mesmo período sem proteção, o que pode denotar um comportamento sexual baseado em sexo casual, com muitas parcerias ao longo do tempo, sem se limitar a um único relacionamento ou parceria estável.
Importante salientar que a OMS tem um foco na promoção da saúde sexual e reprodutiva, enfatiza o sexo seguro e a prevenção das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e que a ideia de promiscuidade e número de parcerias sexuais podem variar de acordo com a cultura, o contexto social e as crenças individuais. Considera ainda, que a saúde sexual é um direito fundamental e que a prática e a orientação sexual da pessoa devem ser respeitadas, desde que não causem danos a si mesmo ou a outrens.
Nesse sentido, a procura demasiada e inconsciente de satisfação emocional por meio de sexo sem envolvimento de Alma, pode denotar uma necessidade de suprir uma carência afetiva, uma negação rígida do desejo, ou ainda, a constelação de algum complexo.
Ao mesmo tempo em que a sociedade condena tal comportamento, ela pode alimentá-lo por fenômenos como mídia hiper erótica, cultura de corpos disponíveis e sexo exclusivamente como via de fuga, o que pode ser considerado uma projeção da sombra coletiva.
Sombra é para mim a parte “negativa” da personalidade, isto é, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal.
(JUNG.2019, p.77)
De acordo com Jung, do ponto de vista do indivíduo, a sombra é pessoal, formada pelos conteúdos do inconsciente pessoal, mas a sombra também é coletiva e pode compreender os aspectos reprimidos por uma cultura que não reconhece sua própria dimensão obscura. Isso inclui desejos e impulsos sexuais, que ao serem negados, podem retornar de forma distorcida e inconsciente, influenciando padrões de comportamento como a promiscuidade sexual que também pode ser vista como manifestação da sombra coletiva e dessa sexualidade reprimida e inconsciente.
A sombra age como um sistema imunológico psíquico, definindo o que é eu e o que é não eu (…). Por exemplo, alguns permitem a expressão da raiva ou da agressividade; a maioria, não. Alguns permitem a sexualidade, a vulnerabilidade ou as emoções fortes; muitos, não.
(ZWEIG.2024, p.16)
Segundo Jung, o amor é uma função da totalidade psíquica, e não se reduz ao desejo físico ou à paixão passageira.
Para ele, o amor autêntico exige a integração da Anima e do Animus, ou seja, das dimensões femininas e masculinas inconscientes que habitam cada ser. Sem essa integração, o sujeito se relaciona de forma projetiva e inconsciente, buscando no outro a completude que falta em si, o que pode gerar relações marcadas pela compulsividade, promiscuidade ou idealização perigosa.
Assim, o comportamento sexual de risco pode ser visto como expressão da fuga da consciência de si, uma tentativa de resolver no outro um vazio interno, uma carência de sentido ou amor-próprio. O comportamento de risco, então, pode ser uma tentativa inconsciente de confronto com a sombra em que o indivíduo desafia a morte, a doença, a moral, porque precisa sentir algo autêntico, mesmo que destrutivo. Alguns relatos clínicos que ouvi, pessoas com HIV relataram que o momento do diagnóstico foi o primeiro encontro real consigo mesmas ou um “chamado à alma”, para o autoamor e o autocuidado.
A sexualidade vivida de forma compulsiva e promíscua, sem proteção, pode estar ligada ao desejo inconsciente de morte (mesmo simbólica) de muitos aspectos sombrios. Muitos jovens hoje romantizam relações marcadas por riscos, com falas como “não gosto de camisinha” ou “sexo é bom com perigo”, mostrando uma fusão inconsciente entre prazer e morte.
Essa dinâmica é observável na ascensão de casos de HIV entre jovens homossexuais e bissexuais, que apesar de terem informação e acesso à PrEP (profilaxia pré-exposição) muitas vezes optam por relações desprotegidas, fenômeno descrito como “bug chasing” (busca deliberada por infecção), que pode ser interpretado, à luz de Jung, como um desejo de iniciação arquetípica pela dor.
A saúde pública tradicionalmente atua sobre o comportamento e o corpo, mas ignora a subjetividade e o inconsciente. Uma abordagem mais integrativa exigiria reconhecer que a prevenção de HIV e ISTs não é só técnica, mas também simbólica, emocional e espiritual.
Como bem diz Jung:
Já não é possível hoje em dia passar por cima da importante realidade psicológica da sexualidade com ar de deboche ou com indignação moral. Começa-se a incluir a questão sexual no círculo dos grandes problemas e a discuti-la com a seriedade que sua importância merece.
(JUNG 2019, p. 112, & 212)
Para finalizar a brilhante reflexão:
O confronto com a nossa própria alma, com a anima e o animus, com o feminino e o masculino, pode ter uma forma sexual. O amor por si mesmo e o amor pelos outros são experimentados corporalmente na sexualidade, seja através de fantasias ou de atividades. Em nenhum outro lugar a união de todos os opostos, a unio mystica, o mysterium coniunctionis, expressa-se de modo mais impressionante que na linguagem do erotismo.
( Guggenbuhl-Craig.2024, p.119)
Maria Ivanilde Alves – Membro Analista em formação pelo IJEP
Dra. E. Simone Magaldi – Membro Analista Didata do IJEP
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Direção-Geral da Saúde. 2022. Serviço Nacional de Saúde. Site do Serviço Nacional de Saúde Português. [Online] 25 de Novembro de 2022. https://www.sns24.gov.pt/tema/saude-sexual-e-reprodutiva/comportamentos-sexuais-de-risco/.
Jung, Carl Gustav. 2013.Obras Completas 10/3 – Civilização em Transição. Petrópolis : Vozes, 2013.
Jung, Carl Gustav. Obras Completas 8/2 – A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2019.
Jung, Carl Gustav.Obras completas 7/2 – O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2019.
CAVALCANTI, R; CAVALCANTI, M. – Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais. 5.ed. Payá, 2022
Zweig, Connie et all – Ao Encontro da Sombra- O potencial oculto do lado escuro da natureza humana. Cultrix, 2024
Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2023. Ministério da Saúde.
Canais IJEP:
Pós-graduações – Certificado pelo MEC – 2 anos de duração- Psicologia Junguiana; Arteterapia e Expressões Criativas; Psicossomática; Matrículas abertas: www.ijep.com.br
Congressos Junguianos: Gravados e Online – Estude Jung de casa! Aulas com os Professores do IJEP: https://www.institutojunguiano.com.br/congressosjunguianos
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