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Quando seu crachá se torna a sua identidade – identificação com a persona do profissional

O presente artigo trata acerca da identificação com a persona do profissional no mundo corporativo.

O mundo corporativo, principalmente o das empresas grandes e altamente lucrativas, aparenta ser a opção certa para se construir a carreira quando se quer atender às expectativas ambiciosas daqueles que estão no início da vida profissional e sonham em obter altos ganhos financeiros, ocupar cargos executivos de comando e usufruir do poder que eles proporcionam.

Considerando as etapas da vida humana segundo Jung (2000), o início da careira profissional é uma das marcas do começo da segunda fase que dura até se atingir a meia-idade. Nessa etapa surgem as exigências de se buscar um lugar no mundo, de produzir algo que faça com o que o jovem adulto sinta que está em voo solo, se soltando dos laços que o amarravam a sua família, que por um lado lhe davam a sensação de segurança e proteção, porém só lhe permitiam ir até o limite do comprimento dessas amarras.

A condição primordial para poder se desvencilhar desses laços é a independência financeira, que virá como remuneração pela produção do seu trabalho. O que o mundo corporativo oferece é a oportunidade de se atingir esse objetivo de forma muito mais que satisfatória, pois pode se adicionar ao salário que já não é baixo, um bônus que multiplica por algumas dezenas seu salário e dada a valorização da juventude para se ocupar os cargos de comando, não é raro se conseguir uma ascensão meteórica na carreira.

Assim, o que se tem aqui é, aparentemente, um cenário ideal para se conseguir conquistar um lugar no mundo, produzir algo de sua própria autoria com seu trabalho e se tornar independente através da remuneração obtida com ele, o que, segundo o conceito apresentado por Jung é o curso natural da vida para o início da vida adulta.

Considerando que se está falando de empresas altamente lucrativas, não é difícil se concluir que elas sempre estarão recebendo mais do que estão dando, assim, quem trabalhar para elas terá que dar em troca pelo que recebem, algo que gera muito mais valor, pois elas nunca ficam no prejuízo. Obviamente as pessoas tem consciência que terão que se dedicar muito e que o nível de exigência que terão que enfrentar será altíssimo, mas por mais que estejam cientes de tudo isso não terão noção do custo exato dessa escolha.

A única exigência feita para que se possa ter acesso a todas essas recompensas irrecusáveis é que o profissional se ajuste ao modelo de trabalho definido pela empresa, o que parece ser muito razoável, considerando o mundo de possibilidades que está sendo oferecido.

A parte mais simples desse processo é conseguir realizar as longas jornadas de trabalho diárias que consumem tantas horas que restam muito poucas para serem passadas junto à família, amigos, para se cuidar da saúde ou até mesmo para dormir e recuperar a energia gasta. Como se não bastassem todas as horas dedicadas dentro da empresa durante a semana, não é raro se levar atividades para casa para serem concluídas durante a noite ou até mesmo nos finais de semana, essa é uma tentativa de aumentar a presença no convívio familiar, mas isso acaba se provando uma ilusão, pois acaba sendo somente uma presença física que não é suficiente para compensar a ausência sentida.

A outra parte dessa adaptação exige mais do que a dedicação de tempo, ela demanda um ajuste de comportamento e personalidade. No que diz respeito a comportamento, expectativa é que os profissionais persigam seus objetivos com a voracidade de uma fera que rói um osso maior até do que eles são capazes de segurar, o que mostra a agressividade e competitividade que eles são instigados a demonstrar como prova de sua capacidade de desempenhar sua função a contento e de que estão aptos a receberem desafios cada vez maiores. Já com relação à personalidade, os talentos natos e o potencial individual são desconsiderados e as funções a serem assumidas são atribuídas de acordo com escolhas estratégicas e as movimentações são feitas como se eles fossem peças de um jogo de xadrez.

Nesses casos em que há a necessidade se apresentar ao mundo externo segundo uma série de características, surge a figura da persona, um recurso da psique, que funciona como uma máscara que permite que um indivíduo se apresente de acordo com as expectativas impostas pelo ambiente e ao mesmo tempo ocultar por trás dela todos os conteúdos pessoais indesejados por não se encaixarem no modelo a ser seguido.

“No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo que alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo”.

(JUNG, 1982, §246)

Desempenhar o papel da persona do profissional modelo exige o empenho de uma grande quantidade de energia, considerando toda a dedicação de tempo exigida, o desprezo e desconsideração com o real potencial do indivíduo na escolha das funções que eles terão que executar, mais a forma desumanizada como são vistos quando se espera que tenham a voracidade de uma fera ou são movimentados entre áreas como peças de xadrez.

Esse esforço é tão grande que em um dado momento leva a pessoa a uma situação extrema, em que ela só consegue se ver como profissional, não tem mais uma vida familiar, social, ou mesmo individual, todo seu ser se resume a figura caracterizada pelas exigências da sua ocupação, ou seja, ocorre uma identificação total com a persona do profissional e passa-se a ignorar a natureza verdadeira do indivíduo, com seu verdadeiro potencial que abrange um leque mais completo de aspectos da vida,

Este fato por si só não gera no indivíduo a sensação de que algo não está certo, é a reação do inconsciente que causando angústias e desconforto leva a perceber que algo está errado nessa vida totalmente desprovida de conteúdos do seu verdadeiro ser (Jung, 1982).

A reação do inconsciente trazendo questionamentos quanto a essa forma de se conduzir a vida, identificado com a persona e afastado do seu verdadeiro ser, ocorre mais frequentemente na segunda metade da vida adulta, quando é esperada a realização do verdadeiro potencial de uma pessoa, e para que se siga nessa etapa de acordo com suas exigências, é necessário que se desfaça essa figura que segura esse movimento.

Esta não é uma tarefa fácil, pois, exige uma mudança radical de prioridades e forma de se conduzir a vida, o que antes era importante passa a não ter valor, o que era tido como verdade absoluta passa a ser falso e as pessoas estão totalmente despreparadas para lidar com essa situação.

Segundo Jung (2000), é fato que não há escolas ou universidades onde se possa aprender os ensinamentos para lidar com os problemas dessa natureza, porém ele próprio traz uma possibilidade para solucionar esse problema, “Disse há pouco que não temos escolas para os que chegaram aos quarenta anos. Mas isto não é totalmente verdadeiro. Nossas religiões têm sido sempre, ou já foram, estas escolas; mas para quantos de nós elas o são ainda hoje?” (JUNG, 2000, §786), ou seja, é possível encontrar um caminho que nos ensine a lidar com os desafios trazidos pela mudança radical de perspectiva quanto a condução da vida, porém para estarmos aptos a encontrá-lo temos que rever a forma como entendemos o papel da religião em nossas vidas.

*Dulce Kurauti é especialista em Psicologia Junguiana e Membro Analista em Formação pelo IJEP. Atende na Vila Mariana, e-mail: dulce_kurauti@hotmail.com – Fone: (11) 9996-17090

Referências:

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1982.

JUNG, C. G. A natureza da psique. 5a. ed. Petrópolis: Editora Vozes, v. VIII/2, 2000.

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