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Os Complexos e o Distúrbio Sexual do Vaginismo

Os Complexos e o Distúrbio Sexual do Vaginismo - uma leitura contemporânea da sexualidade

Os Complexos e o Distúrbio Sexual do Vaginismo - uma leitura contemporânea da sexualidade

O presente artigo pretende uma leitura contemporânea da sexualidade. Para falarmos em disfunção sexual, é importante darmos uma atenção especial à sexualidade.

Não de uma maneira simplista como tantos, mas de uma maneira multidimensional, como deve ser compreendida, citando aqui inclusive, o encanto que esse assunto desde os primórdios, sempre despertou em toda a sociedade, especificamente na religião, filosofia e quaisquer outros sistemas que se acham responsáveis em delinear as condutas do ser humano e que tentam estabelecer valores sociais e tabus sexuais. 

Definimos sexualidade numa dimensão mais ampla, biopssicossocial, onde a dimensão fisiológica é apenas uma delas e infelizmente a mais preconizada na nossa sociedade, principalmente quando se tenta objetificar e subjugar o feminino, apenas à reprodução e ao domínio do “falo”, do macho, do masculino.

“Tendo em mente as fontes pessoais, coletivas e históricas de nossa herança sexual, é possível ampliar e aprofundar nossos conhecimentos da sexualidade estudando-a a partir de uma perspectiva biológica, psicossocial, comportamental, clínica ou cultural.

No entanto, ao examinar a sexualidade sob esses vários enfoques, é preciso ter cuidado para não esquecer que aprender sobre ela, em todas as suas formas, significa, na verdade, adquirir conhecimentos sobre as pessoas e sobre a complexidade da natureza humana”.

MASTERS, WILLIAM H, JONHSON, E. VIRGÍNIA, et al.1982

 “Fazer sexo” torna-se primordial numa sociedade patriarcal, onde o binômio “pênis x vagina”, traz um maior poder do masculino, sobre o feminino, numa relação heterossexual. A afetividade, nesse sentido, tornou-se fenômeno raro, nas relações e dificilmente a relação passa pelo caminho afetivo real, pela troca de amor entre duas pessoas.

Simbolicamente falando, nesse papel objetificado do feminino nas relações da sociedade contemporânea, no reino do “machismo estrutural”, a mulher é apresentada como um corpo a ser cavalgado, um sonho a povoar a cabeça do masculino e não uma pessoa, com sentimentos que a façam merecer ser amada e valorizada como a companheira de vida. Esse seria o papel do “sexo prazer”, ou seja, a sombra do “sexo amor”.

“São apenas episódios, experiências de valor bem limitado, O pernicioso desses relacionamentos para a formação da personalidade está no fato de que o homem consegue granjear a moça com muita facilidade, o que resulta numa depreciação do objeto. É cômodo ao homem resolver seu problema sexual dessa forma simples e sem responsabilidade. Fica mal acostumado.

Mais ainda: o fato de estar sexualmente satisfeito retira-lhe aquele arrojo que gostamos de encontrar em todo jovem. Torna-se presunçoso e pode até esperar; enquanto isso, passa em revista, todo o contingente feminino até descobrir a parte que mais o toca. (…) Este procedimento não é salutar ao caráter; também a forma inferior de relacionamento serve para manter a sexualidade numa forma de desenvolvimento inferior, o que pode facilmente levar a dificuldades no casamento.”

JUNG, 2019, PAG. 117

Segundo Jung, “Faz parte do amor a profundidade e fidelidade do sentimento (…) o verdadeiro amor sempre pressupõe um vínculo duradouro e responsável”. (JUNG.2019, & 231).

Nesse sentido, em profundidade de “Alma”, como postula Jung, o termo “fazer amor” nos torna mais próximos dessa afetividade. 

 É na dimensão psicossocial da sexualidade, onde inclui-se também os fatores psicológicos, como emoções, pensamentos e personalidade, combinados a elementos sociais, como por exemplo, o modo como as pessoas interagem, que compreendemos os vários distúrbios sexuais.

É aqui que introjetamos as informações recebidas por nossos pais, professores e companheiros, herdando também os mitos, crendices e tabus sexuais, que muito influenciam no desenvolvimento saudável ou não da sexualidade e assimilamos determinadas “normas de comportamento sexual”.

No tocante ao comportamental, esse aspecto da sexualidade permite-nos não somente verificar o que as pessoas fazem, mas a forma com que o fazem e porque o fazem. Assim, é importante que evitemos “julgar” o comportamento sexual de outras pessoas a partir dos nossos próprios valores e experiências, por vezes baseado em normoses. Ora, o que é normal para mim, muitas vezes não o é para o outro, pois esse julgamento é baseado por nossos próprios valores, crenças, mitos e tabus, herdados em toda a dimensão do aprendizado de vida do indivíduo.

Na dimensão clínica da sexualidade, podemos observar que embora o sexo seja uma função natural do ser humano, algumas coisas podem afetar essa espontaneidade das nossas atividades sexuais, como as doenças físicas, violência e abusos sexuais, lesões e uso de drogas que podem comprometer esse padrão de resposta sexual. Entram aqui também, sentimentos como ansiedade, culpa, medo, depressão e conflitos interpessoais, que podem coibir ou mesmo alterar a vivência saudável da sexualidade. Esses aspectos são examinados nessa perspectiva clínica e propostas soluções para esses problemas. 

Falando-se em contemporaneidade e em toda essa questão biológica da sexualidade, infelizmente a mais importante para os padrões sexuais atuais, onde pouco se aborda a importância emocional do contato humano, percebemos que esse culto ao corpo, ao consumismo, à performance e à persona sexual, sem a preocupação com o outro, com a afetividade e com os aspectos da alma, como bem fala Jung, tem trazido inúmeros sintomas físicos e mentais, gerando doenças e disfunções sexuais.

Toda doença é um complexo! Complexo é um agrupamento de representações mentais, mantidas juntas por emoções, que se organizam a partir de experiências emocionais significativas do indivíduo, tendo como núcleo um arquétipo. Eles fazem parte do funcionamento da psique. O que determina a patologia ou a criatividade do complexo é seu grau de autonomia.

Segundo W. Magaldi, “Só se consegue ajudar o indivíduo a tirar a exuberância de um complexo, dando a ele a possibilidade de interagir com ele, de se aprofundar nele, de se entregar a ele. É um processo. Não somos nós que temos o complexo, o complexo é que nos tem”.

Assim, para Jung, tanto nas neuroses e psicoses, os sintomas de natureza somática ou psíquica tem origem nos complexos. Quanto maiores a intensidade e autonomia do complexo, maior a sintomatologia.

Segundo Ramos, Denize, 1994, quando se constela um complexo, não ocorre apenas uma alteração em nível fisiológico, mas também uma transformação na estrutura corpórea total, percebendo o indivíduo ou não. Isso pode ser sentido como um mal estar indefinido ou ainda expressar-se numa sintomatologia mais evidente.

Assim, podemos afirmar que toda e qualquer doença tem uma expressão no corpo e na psique simultaneamente. Nesse contexto, a somatização é o limite imposto pela natureza, diante de um excesso de energia canalizado unilateralmente. A natureza acaba por contrabalancear essa tendência utilizando o corpo, como se buscasse uma forma mais efetiva para realizar suas metas. É quando o self lança mão do sintoma, fazendo com que esse indivíduo retorne a sua energia psíquica para o si mesmo.

O que pode levar um paciente a procurar um médico ou um profissional de saúde mental nos nossos dias, é o grau de sofrimento em uma polaridade. Arrisco aqui a dizer, que a grande maioria desses pacientes procuram um médico, já que muitas vezes, a dor física torna-se muito maior que a mental. Somente uma pequena parte da população (sem aqui generalizar) está familiarizada com a dor mental, conseguindo discernir nesse momento.

Segundo Cavalcanti & Cavalcanti, 2020, vaginismo é um distúrbio sexual da mulher, em que há um reflexo de defesa da musculatura do solo pélvico. Nele ocorre um espasmo dos músculos perineais, que impedem total ou parcialmente a penetração na vagina, o que impossibilita o coito e inclusive os exames ginecológicos.

O distúrbio sexual do vaginismo pode ser classificado como primário ou secundário.

É primário quando se manifesta desde a primeira tentativa de penetração, sexual ou não. Essas pacientes vagínicas (como são designadas) costumam ser portadoras de hímen íntegro ou parcialmente roto e em sua maioria, são perfeitamente responsivas, com boa lubrificação vaginal e podem inclusive, considerar a atividade sexual não coital, até prazerosa. A dificuldade aqui, é com a penetração, que muitas vezes, dispara inclusive gatilhos de ansiedade, tamanho o temor que sentem da dor da contratura involuntária dos músculos pélvicos

É um distúrbio sexual de vaginismo secundário, aquele em que aparece após um período de vida sexual ativa, determinado por uma motivação forte para estabelecer ou mesmo condicionar a resposta espasmódica da musculatura pélvica. Isso pode impedir parcialmente ou mesmo totalmente a penetração. Quando esta ocorre, a penetração, pode ser acompanhada por um reflexo de dor, ou seja, uma relação sexual (se for esse o caso), extremamente dolorosa.

A dor nesse sentido, pode ser um disparador da esquiva ou mesmo da aversão ao sexo, já que podemos associá-lo também a problemas psicossociais, como uma educação sexual castradora ou ainda a questões de rigidez religiosa. Isso pode continuar acontecendo, mesmo após a cura integral do processo orgânico.

Quando essa mulher, portadora desse distúrbio é colocada numa situação da qual não consiga se esquivar, o medo da dor poderá apresentar-se de forma tão intensa, que se exterioriza fisicamente como uma contratura violenta da musculatura pélvica, acompanhada de fenômeno doloroso adicional que retroalimenta essa cadeia que leva ao reflexo contrátil.

Vaginismo e medo

A principal causa do vaginismo, está ligada diretamente ao medo, que em sua maioria podemos citar: medo da gravidez, fobia de câncer, partos difíceis ou mesmo ainda, algum abuso ou violência sexual. Embora os casos maiores de violência sexual estejam ligados mais diretamente ao vaginismo primário, aqui também, no vaginismo secundário, ainda vemos esses reflexos.

Segundo Cavalcanti & Cavalcanti, 2020, o vaginismo parece ser mais freqüente em mulheres com dois tipos de personalidade: o da mulher autoritária e o da mulher excessivamente frágil.

Mulheres autoritárias

As mulheres autoritárias e vagínicas, dificilmente se submetem ao parceiro masculino. Elas jamais se deixariam conquistar pelo amor, o que as deixaria inferiorizadas. A relação entre os sexos perderia sua real característica de junção de almas, para se converter em luta pelo poder conjugal.

Elas quase sempre escolhem para companheiros homens frágeis, gentis e resignados, fáceis de serem manipulados e muitas vezes, podem ter algum distúrbio erétil ou mesmo, com o comportamento tirânico da companheira, termina por castrá-los psiquicamente, estabelecendo uma disfunção erétil reativa. Na clínica junguiana, poderíamos aqui dizer, que essa mulher teria um animus enorme e castrador.

Mulheres frágeis

Nas mulheres “frágeis”, a aparente delicadeza, poderia encobrir uma vida cheia de mimos e chantagens emocionais, aliada inclusive, a uma educação sexual castrativa. São pessoas que tem medo de tudo: do escuro, da solidão, encarando o ato sexual como algo tenebroso e animalesco, em que o parceiro estaria, simbolicamente falando, disposto a “rasgá-las” com um pênis “grosseiro e bestial”.

Poderíamos aqui usar, na psicologia junguiana, um conto de fadas para descrever esse tipo de mulher, já que ela estaria esperando um príncipe encantado, para despertá-la para o amor. Essa trama estaria em a “Bela Adormecida”. O triste dessa história, desse tipo de vagínica, é que esse príncipe encantado (o marido ou companheiro), não consegue despertá-la.

Conflito de papéis e a sexualidade

Posso acrescentar aqui também, a mulher que vive em conflito de papéis, entre ser “mulher e mãe”, ligada a uma persona muitas vezes, voltada apenas a ser mãe e em volta de todo esse complexo materno ativado, não consegue sair do papel de mãe dos seus filhos e do próprio companheiro, num jogo projetivo enorme. Outras vagínicas, podem encarar os homens apenas como meros reprodutores, onde o importante aqui seria, apenas a gravidez, não o ato sexual em si.

Simbolicamente falando, podemos lançar mão de alguns questionamentos essenciais, da clínica junguiana. Qual o complexo ligado ao sintoma? Qual o “medo” relacionado? Como está esse relacionamento afetivo? Porque e para que negar-se ao prazer e submeter o parceiro a essa negação? Podemos assim, “passear” por esses em questionamentos em torno dos sintomas e dos complexos.

De acordo com Rüdiger Dahlke, 2021, a vagina está ligada à entrega e ao prazer e essa dificuldade de penetração, poderia estar relacionada com um desejo inconfessado de segurar o parceiro sexual, simbolizando as tendências da alma para enganchar, reter, prender. O medo aqui, estaria ligado à perda de coisas desejadas e amadas, associado a um medo inconfesso de separação. 

Com certeza, cada caso é um caso.

Observar o entorno relacional de cada mulher, o tipo de educação sexual e religiosa que ela teve, os mitos, crendices e tabus sexuais, avaliando cuidadosamente é extremamente importante, não para formular um diagnóstico, já que o próprio Jung nos diz que “não tratamos doenças e sim pessoas”, mas para melhor condução do caso.

O distúrbio sexual do vaginismo exige uma equipe multiprofissional para o tratamento, composta de médico, psicoterapeuta/analista e fisioterapeuta pélvico, onde o médico realiza o diagnóstico, o psicoterapeuta conduz os aspectos da psique e o fisioterapeuta realiza por meio de exercícios da musculatura pélvica, o relaxamento dessa área, conduzindo a cliente a um melhor conhecimento da sua anatomia e fisiologia íntima.

É difícil viver uma sexualidade simples e feliz?

Na verdade, cada ser tem a sua própria definição de felicidade e daquilo que o faz feliz, todavia, é necessário verificar qual o tipo de atração e repulsão que temos em relação à sexualidade e as conseqüências que verificamos, nesse sentido.

Observar, por exemplo, se temos algum problema relacionado a algum distúrbio sexual e principalmente observar igualmente, que não somos impotentes com “todas” as mulheres ou frígidas com “todos” os homens e do contexto em que isso ocorreu. Observar, igualmente, a qualidade e a quantidade de nossos orgasmos ou ainda, a dificuldade em atingi-los e verificar do ponto de vista médico ou psicológico, para sermos mais felizes. 

A inobservância desses aspectos pessoais, nos deixa alheios à nossa realidade pessoal, num momento em que isso não nos foi ensinado na infância e em um momento social contemporâneo, onde aquilo que é importante está apenas no prazer físico.

A alma e a sexualidade

A “alma”, nesse contexto de transcendência, não é citada e por vezes (na maioria delas), ignorada.

A sexualidade poderia e deveria ser abordada como nosso caminho de transcendência, por ser esse um tema que encontramos em certas tradições e que alguns de nós o conheceu de forma inesperada.

Ora, o sexo é um momento de passagem para além do ego ou além do eu, pois é por meio do abandono do corpo, que alguns podem ter e vivenciar simbolicamente, uma abertura para a luz, para a alma, lembrando que o orgasmo é uma forma de renúncia ao poder e ao controle. É uma pseudo morte da consciência e é através dessa “morte” do ego, que tocamos a alma.

Como bem nos diz Jung:

Já não é possível hoje em dia passar por cima da importante realidade psicológica da sexualidade com ar de deboche ou com indignação moral. Começa-se a incluir a questão sexual no círculo dos grandes problemas e a discutí-la com a seriedade que sua importância merece

2019, p. 112, & 212

Maria Ivanilde Ferreira Alves – Membro analista em formação

E. Simone Dálvio Magaldi – Didata responsável

Referências bibliográficas:

JUNG, Carl Gustav. Freud e a Psicanálise. Obras Completas. v 4. 1971a. 

______ Civilização em transição. Obras Completas. v 10/3. 1974. 

______ Estudos Experimentais. Obras Completas. v 2. 1979 

MASTERS, W. H.; JOHNSON, V. E.; KOLODNY, R. C. Relacionamento Amoroso. 1982/1985. 

CAVALCANTI, Ricardo e Mabel. Tratamento Clínico das inadequações sexuais. 5 ed. (2020). 

DAHLKE, Rudiger. A doença como símbolo – Pequena enciclopédia de psicossomática (2000).

RAMOS, Denise Ramos. A psique do corpo: a dimensão simbólica da doença (2006).

YVES-LEOUP, Jean. O corpo e seus símbolos. 4 ed. (1999).

PAMPLONA, Ronaldo et al. Macho masculino homem. (1986).

KAST, Verena, Filhas de pai, filhos de mãe. 5 ed (2012).

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