A inclusão é o tema de muitas discussões na contemporaneidade, abordando a necessidade de acolher a diversidade humana e promover equidade.
Iniciei minha trajetória profissional dentro da Educação e assim percorri esse caminho durante 33 anos da minha vida, professora de séries iniciais e alfabetizadora com muito orgulho. Durante essa jornada, me deparei com alguns casos de inclusão, inclusive foi o que me motivou a cursar a psicopedagogia para entender como funcionava a “mente’ dessas crianças com TDAH, DISLEXIA, TOD, depressão e ansiedade infantil e nos últimos anos de sala de aula, TEA. Sim, entender como eles processam as informações e como veem o mundo que, com certeza, não é igual a mim ou de muitos de vocês.
Afinal, o que é inclusão?
O pesquisador Romeu Kasumi Sassaki (2002) conceitua “inclusão social” como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A “inclusão social” constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidade para todos.
Jung nos trouxe algo sobre a inclusão?
Ele nos trouxe uma visão muito profunda da psique humana onde os conceitos de individuação, arquétipos, inconsciente individual e coletivo, sombra, anima e animus são primordiais. E, sob a ótica da Psicologia Analítica, a inclusão pode ser entendida tanto como um processo externo como interno, relacionado a integração da sombra e à incessante busca pela luz.
Neste artigo, pretendo olhar alguns conceitos junguianos como ferramentas para que possamos enriquecer a compreensão da inclusão. Ampliando seu significado para além do âmbito social e político.
Até a segunda metade do séc. XX não havia sequer a distinção entre as categorizadas “Doenças mentais”. As famosas salas especiais eram designadas a surdos e cegos de elite burguesa, outros encaminhados para hospícios ou asilos correcionais. Segundo Sá (2009, p.26) “A denominada Educação Inclusiva nasceu nos Estados Unidos, pelas mãos da Lei Pública 94.142, de 1975”, dando início a projetos voltados para efetivar a Educação Inclusiva.
Minetto (2010 p. 46) discorre que a luta pela inserção e normalização das pessoas com necessidades especiais fortaleceu-se no século XX através do movimento denominado de “Paradigma da Integração”, que defendia o direito do aluno com necessidades educacionais especiais (ANEE) se matricular na escola regular, desde que ele se adaptasse as condições e estrutura da escola, ou seja, a instituição escolar continuava rígida e ilesa. Tanto o ambiente como a metodologia permaneciam intactos, os alunos com necessidades especiais que deveriam se adequar e enfrentar os seus próprios desafios. Desde o ocorrido será que o nosso Sistema Educacional vigente mudou muito?
O fortalecimento da luta pelos direitos vem se intensificando, novos pontos de vista vêm sendo discutidos e desenvolvidos, porém ainda há muita discrepância entre conceitos e práticas!
Enfim, a legislação voltada à educação inclusiva vem se modificando lentamente ao longo dos anos. De modo que percebemos algumas mudanças e movimentos sociais que defendem o direito desses cidadãos. Antigamente eles eram exilados e colocados em lugares distantes, aos poucos um movimento de integração vem ocorrendo e trazendo o direito a participação dessas pessoas a sociedade.
Inclusão nos coloca num lugar um tanto quanto desafiador, afinal, quando falamos em inclusão falamos em exclusão, como também em integração e desintegração. Do mesmo jeito é capaz de aceitar e integrar, o ser humano também é capaz de rejeitar e desintegrar; de desassociar e praticar uma verdadeira violência com seu semelhante.
Será que estamos falando que um é a sombra do outro?
Segundo Jung “sombra é a parte negativa da personalidade, isto é, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal.” (JUNG, 2007b, p.58)
Jung acreditava que todos têm uma sombra que ela é composta de aspectos reprimidos ou negados da nossa personalidade. Sendo assim qual seria a sombra da inclusão? Quais aspectos sombrios relevantes a serem levantados e desvelados?
Talvez possamos pensar que a dificuldade que encontramos para incluir venha da nossa não aceitação de tudo que nos é sombrio, ou talvez da dificuldade de aceitar o diferente.
Jung não discutiu exatamente o conceito de inclusão, porém através de seu pensamento inovador e inclusivo, ele nos traz que…
Afinal, incluir ou excluir? Um é o oposto do outro e, ao mesmo tempo que incluímos os neurodivergentes, excluímos outras crianças que também tem direitos que, pelo olhar da sociedade, são vistas como “normais”. Que olhar é esse do atual espírito da época?
Estima-se que de 15 a 20% da população mundial seja neurodivergente. No Brasil o IBGE pesquisa a neurodivergência junto a demais deficiências, totalizando em pesquisa de julho/2023 (PNAD) um total de 18,9 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (8,9% do total).
Vocês percebem o quanto o pensamento de Jung é atual e o quanto temos que olhar para essas pessoas neurodivergentes e valorizá-las por seus feitos, talentos e habilidades?
Em seu livro, Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo (2018, p.100) Jung menciona que “O mundo existe porque seus opostos são mantidos em equilíbrio. O racional é contrabalanceado pelo irracional e aquilo que se planeja, pelo que é dado.”
A partir disso, talvez, possamos pensar que o equilíbrio que mantem a vida possível está justamente em aceitar a nossa sombra. E, quando falamos do assunto deste artigo, devemos aceitar os neurodivergentes, pois todos temos nossas divergências.
Quando falamos em inclusão temos que olhar também para as famílias desse sujeito, afinal por trás deles existem outras vidas que também merecem ser atendidas. O que existe por trás dessa criança que precisa ser acolhida e inserida em nossa sociedade? Ou melhor “quem” está por trás desses sujeitos?
Por trás desse sujeito existe uma família, um pai, uma mãe, enfim cuidadores que vivem à procura de um diagnóstico com a esperança que este seja a resolução de todos os problemas.
Assisto a muitas famílias que quando chegam à clínica estão desesperançosas, preocupadas e cansadas de diagnósticos infundados ou mesmo a busca de um profissional que lhe diga o que fazer ou resolva de imediato seu problema. Podemos falar até que estão em busca de um milagre, para que assim todas as dificuldades ocorridas ao longo dos anos, sejam resolvidas.
Difícil e delicada situação, estamos falando sobre os bastidores da inclusão, um campo completamente invisível, onde os impactos são vivenciados por famílias de sujeitos que não são respeitados em suas singularidades. Enfrentam o luto constante e silencioso pela falta de suporte e compreensão do outro.
A imagem de inclusão que é vista por fora é muito diferente daquela que acontece no dia a dia dessas famílias, dentro de suas casas, com seus desafios clínicos e toda a rede de apoio, quando existe. Elas vivem a constante expectativa que alguém os acolha e respeite seus filhos que, muitas vezes ou até a maioria das vezes, são rejeitados pela sociedade, que enfrentam olhares de julgamento e palavras de desrespeito.
Sem falar de como essa criança se sente ao ouvir e vivenciar toda essa “maratona” em médicos e especialistas. Impactante em seu desenvolvimento emocional? Com certeza! O sentimento de inadequação e exclusão está impregnado, tolhemos no sujeito a capacidade de sonhar e desejar!
Na clínica, essas dores emocionais, aparecem em forma de sintomas que vão desde comportamentos desafiadores até dificuldade de relacionamento, depressão ou até mesmo ansiedade.
E como devemos olhar para esse sujeito? Será que damos a devida atenção, ou melhor, será que temos um olhar junguiano para as suas singularidades?
Quando digo singularidades não estou me referindo apenas ao sujeito e suas particularidades, mas também a toda sua extensão e inserção no coletivo, na sociedade. Penso que, quanto mais a sociedade mantém as práticas assistencialistas, menos está disposta a se modificar e incluir. Afinal, incluir não está somente na capacidade de adaptação de currículos, provas diferenciadas ou PEI’s, ou até mesmo em seus belos discursos, e sim na sensação de pertencimento e respeito as diferentes formas de se expressar e aprender, seja na escola, na clínica ou em qualquer grupo social.
Em muitas escolas ainda faltam profissionais especializados, suporte aos educadores para que se sintam seguros e consigam trabalhar com a inclusão de maneira sensível frente aos desafios diários. Muitas vezes, esses educadores se sentem cansados, desgastados e desmotivados porque trabalham sozinhos, sem apoio da coordenação ou direção.
Infelizmente ainda temos escolas que, quando acolhem casos de inclusão, parecem que estão “abrindo uma exceção”, que estão fazendo “um favor” para aquela família.
Infelizmente, quando trabalham com inclusão em sala de aula, os educadores dependem de diagnósticos que lhes são exigidos. Para que, com base nestes diagnósticos, possam promover atividades adaptadas e um ambiente onde há a realização de uma série de prescrições. Com o objetivo de remediar as suas incapacidades, pensando na melhor estratégia educativa para que possa atender toda essa demanda.
Se é inegável que a transformação da cultura da escola constitui uma peça fundamental no processo inclusivo, também é inegável que tem de haver um esforço concentrador em diferentes níveis do sistema – sala de aula, escola, como também num contexto legislativo, político e social mais amplo, afinal a inclusão exige uma transformação da sociedade. Para se criar um sistema educativo promissor,respeitando as necessidades e diferenças dos educandos, reconhecendo que ninguém é igual a ninguém, somos todos diferentes.
Enfim, precisamos de um olhar atento para esses pontos essenciais, escola- família- especialistas- sociedade. A importância de todos estarem conectados e em sintonia por um único objetivo, criar uma rede de apoio real e segura para garantir a verdadeira inclusão desse sujeito.
E a verdadeira inclusão está em atitudes, em fazer com que esse sujeito se sinta parte integrante dos espaços onde vive, valorizando suas diferenças e que suas necessidades emocionais e de suas famílias, também sejam atendidas. Com empatia e vivacidade convidá-los a entrar num jogo, o jogo da vida, despertar a energia faltante e necessária para a sua própria evolução. Claro que sempre respeitando e valorizando as suas singularidades!
Sob a perspectiva da Psicologia Analítica, a inclusão transcende as fronteiras do social para se tornar um processo psicológico essencial.
Como mencionado acima, a teoria de Jung nos fala que sem a tensão dos opostos a vida não é possível, é somente através dela, que passamos por um processo de construção, o processo de individuação
O processo de individuação, um conceito central de Jung, promove a realização do verdadeiro EU, “tornar-se um ser único”. Ajudando as pessoas a integrarem suas várias partes, conscientes e inconscientes, luz e sombra, aceitar, flexibilizar e assim, viver de uma forma autêntica e genuína. Para conseguirmos transformar as instituições e ampliar vários aspectos para que de fato se tornem inclusivas, primeiramente temos que “reformar” as mentes.
Assim, a verdadeira inclusão começa dentro de cada um de nós, quando reconhecemos e acolhemos as partes de nós mesmos e do mundo, quando navegamos pelos nossos aspectos luz e sombra. Esse processo, embora desafiador, nos aproxima de uma sociedade mais justa e compassiva, na qual a diversidade é celebrada como um reflexo da totalidade do self coletivo. Harmonizar a relação família-escola, propondo uma prática pedagógica coletiva, dinâmica, flexível e singular. Como dizia nosso imemorável Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido, 1974) “Ninguém pode ser autenticamente humano, enquanto impede outros de serem também.”
Elaine Bedin – Membro Analista em Formação IJEP
Dra. E. Simone D. Magaldi – Membro Analista Didata IJEP
REFERÊNCIAS:
Bénard da Costa, A.M. (1998). Projeto “Escolas inclusivas”. Inovação, 11(2), 57-85.
JUNG, C. G. O desenvolvimento da Personalidade.14ª ed. Petrópolis, Vozes,2013.
_____, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente.10ª ed. Petrópolis, Vozes, 1987.
_____, Carl Gustav, Psicologia e Alquimia, 6 ed.- Petrópolis, Vozes,2012.
_____, Carl Gustav. Arquétipos e o Inconsciente Coletivo- Petrópolis, Vozes, 2018.
_____, Carl Gustav. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2007b.
MINETTO, Maria de Fátima Joaquim ET ALL. /Diversidade na aprendizagem de pessoas portadoras de necessidades especiais. / Maria de Fátima Joaquim Minetto ET ALL – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2010.
SÁ, Márcia Souto Maior Mourão. Legislações e políticas públicas em Educação Inclusiva. 2ª. Ed. – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos.4 ed. Rio de Janeiro: WVA, 2002.
UNESCO (2003). Superar a exclusão através de abordagens inclusivas na educação
REIS, Leandro-08/04/2024.Disponível em:https://labnetwork.com.br/noticias/neurodiversidade-olhando-o-potencial-das-diferencas-como-estrategia/
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