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VOCÊ TEM MEDO DO QUE?

Este artigo sugere breve ampliação a respeito da emoção  complexa e primordial que é o medo. Ele se apresenta sob diversas formas, em diferentes contextos e cenários, mas o foco em questão diz respeito ao medo menos concreto e mais subjetivo, que pode  aparecer como o “medo da vida”. Amplia ainda, sob a ótica da Psicologia Analítica, a importância do reconhecimento e aceitação do medo, pois só assim será possível o enfrentamento que possibilita a transformação da jornada, caso  contrário, a presença de uma trajetória marcada por inseguranças é estagnação.

Onde está  seu medo, aí está sua tarefa” 

Jung

Resumo: Este artigo sugere breve ampliação a respeito da emoção  complexa e primordial que é o medo. Ele se apresenta sob diversas formas, em diferentes contextos e cenários, mas o foco em questão diz respeito ao medo menos concreto e mais subjetivo, que pode  aparecer como o “medo da vida”. Amplia ainda, sob a ótica da Psicologia Analítica, a importância do reconhecimento e aceitação do medo, pois só assim será possível o enfrentamento que possibilita a transformação da jornada, caso  contrário, a presença de uma trajetória marcada por inseguranças é estagnação.

O medo é uma emoção complexa, temática relevante na compreensão do desenvolvimento da psique.

Nos dicionários encontramos: “estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência.”

É uma condição inevitável do ser humano, emoção primordial que nos habita desde os primeiros momentos de vida e que também tem a função de preservação.

Chama nossa atenção, quando essa emoção deixa de funcionar como um sistema preventivo e caminha para uma intensidade que pode paralisar o desenvolvimento psíquico. O ser humano sofre com perigos concretos e reais, temendo de forma direta e dirigida alguma situação, pessoas ou objetos.

Neste artigo, porém, vamos ampliar de forma breve, o medo subjetivo que vai se instalando aos poucos, discreta e sorrateiramente. São muitos os medos, mas nossa atenção terá como foco: “o medo da vida” e suas consequências.

No contexto clínico não foram poucos os relatos ouvidos tais como: “Eu não era assim, fui ficando diferente; antes era mais espontâneo, agora, me sinto “travado”…” ou “ …como  as coisas estão difíceis em hoje em dia, não há o que se fazer…”

Em sua essência, a jornada da vida vem repleta de desafios e incertezas, mas também de oportunidades. A imprevisibilidade de sua natureza pode gerar um sentimento profundo de medo, que muitas vezes se manifesta como uma paralisia frente a rotina diária, mudanças inevitáveis, bem como as expectativas sociais.

O percurso de cada indivíduo, frequentemente é marcado por um sentimento difícil de se ignorar: o medo. De papel crucial na nossa sobrevivência, alertando sobre os perigos e ameaças no entorno, o medo vai além de uma resposta instintiva, moldando nossas relações, nossos comportamentos e até mesmo as decisões mais fundamentais.

Jung acreditava que o medo seria uma oportunidade de desenvolvimento e transformação a partir de seu reconhecimento.

De forma discreta, aos poucos, o indivíduo pode deixar de fazer coisas simples do dia a dia, ou vai mudando de postura frente a desafios mais complexos, comprometendo desta forma seus relacionamentos e sua produtividade.

Jung fala muitas vezes sobre o medo em seus escritos, um sintoma, para ele, de um distúrbio originário, principalmente, do conflito entre os opostos: consciente x inconsciente, que aparece em fases diferentes do desenvolvimento da personalidade.

Jung (1940) discorre sobre as transições das fases da vida e o desenvolvimento da psique, discutindo sob o caráter numinoso destas mudanças, que podem aparecer muitas vezes de forma aterrorizante. Principalmente se os acontecimentos da vida, não forem esclarecidos sob a luz de dados conscientes e inconscientes, de forma complementar.

O medo é uma emoção que nos possuí e que mostra indícios de uma adaptação insuficiente.

JUNG, 2002

Ele pode ser tanto um empecilho quanto um impulso para o crescimento pessoal e a transformação. Quando o compreendemos melhor, aprendemos a navegar por suas complexidades e utilizá-los a nosso favor.

É preciso reconhecer primeiramente, que nos encontramos vulneráveis ou evitativos frente a uma situação ou momento da vida. O ponto de referência pode ser a expressão de uma série de dificuldades que se apresentam, desde resistência, rigidez de pensamento e até mesmo o aparecimento de componentes corporais.

O medo do mundo interno pode ser muito mais pavoroso que o do mundo externo, principalmente quando negado. É o temido encontro com o inconsciente.

JUNG,1986

Há uma tendência em manter-se seguro, em um estado mental passível de controle e previsão, permanecendo em um estágio mais conhecido, evitando a qualquer custo a ansiedade e o estresse que possam surgir com novas experiências.

As reviravoltas inesperadas da vida levam a emoções que oscilam entre  esperança e o desespero, podendo também levar a uma avassaladora sensação de impotência.

A coragem de mergulhar no mundo interno e se abrir para o autoconhecimento afim de refletir sobre si mesmo, nos aproxima do conflito entre os conteúdos sombrios do inconsciente e a forte resistência do ego.

Enquanto a consciência reprime, o inconsciente revela. Quando as emoções são negadas podem se apresentar das mais diversas formas, desde o aparecimento nos sonhos, inúmeros sintomas de adoecimento, até nos ataques de ansiedade,  muitas vezes culminando na famigerada síndrome do pânico.

Para se desenvolver, o indivíduo precisa abrir mão do conforto da fase vivida para se arriscar rumo ao desconhecido, onde o caminho da vida é tornar-se consciente, incorporando aspectos inconscientes.

E quando o homem não ousa, alguma coisa se rompe no sentido da vida e todo o futuro está condenado a uma mediocridade vã, a um crepúsculo iluminado só por fogos fátuos.

JUNG,1986

Mas o que realmente sustenta esse medo? Seriam as incessantes demandas da sociedade contemporânea, com seus padrões de beleza e sucesso impostos ou a busca desenfreada por segurança, própria da natureza humana, em um mundo imprevisível?

Tornar-se consciente significa entrar na realidade e perder as ilusões da infância. O adulto aprisionado nesse arquétipo – o do puer aeternus, tem dificuldade para se relacionar e também de trabalhar. (VON FRANZ, 1999)

A realização do potencial pleno do indivíduo vai exigir a transgressão de alguns padrões vigentes, até o momento em que novas necessidades se apresentam. Estes padrões estariam voltados a valores e comportamentos, com maior atenção à esfera familiar e o desligamento dos complexos parentais.

Para Kast,(1997), o medo da busca pelo novo e principalmente a dificuldade de amadurecimento, representam um meio para continuarem sobre eternos cuidados.

O trabalho clínico, no processo analítico, coloca luz na autonomia do cliente, reforçando aspectos acalentadores do arquétipo materno, fortalecendo o ego, através da análise do medo e da ansiedade a partir das relações parentais vivenciadas.

Observamos que o medo pode aparecer como sintoma de algum processo psíquico que necessita ser compreendido, mas chega também, muitas vezes reprimido, na forma de uma queixa latente, disfarçado em dificuldades difíceis de serem identificadas.

Não aprofundaremos aqui, os relevantes aspectos dos complexos materno e paterno, positivos e negativos, que estão por trás desse medo da vida, porém vale salientar a necessidade de uma diferenciação consciente dessas representações, para que se possa aproveitar ao máximo o potencial criativo.

O indivíduo que não se emancipa, desenvolverá “limites do eu inseguros”, sua trajetória será marcada por problemas que envolvem separação, recomeço, rompimentos e novas tentativas. (KAST,1997)

Para Jung, o medo revela uma tendência prospectiva da psique, anunciando no desenvolvimento uma nova fase, que pode trazer muitas inseguranças. O apego a uma fase anterior potencializa o medo, e é tarefa do ego se libertar, para haver continuidade no desenvolvimento e amenização do medo.

Quanto mais o indivíduo e a sociedade encontram-se afastados do self, quanto mais a consciência e o ego se artificializam, maior o medo. O homem civilizado aprendeu a separar a consciência das camadas mais profundas, como forma de controle e quanto mais distante de si-mesmo, mais perdido fica. (JUNG,2014)

A Psicologia Analítica amplia o medo para além da patologia, buscando uma compreensão simbólica. Motivando-nos para a totalidade e não para a perfeição,  que é outro fator gerador de insegurança  e medo.

Ficamos por aqui, acalentando a idéia, a imagem, a contrução de um indivíduo que possa se tornar uma entidade completa e autêntica, através de experiências significativas, alinhada com seus valores e crenças. Que ao integrar diferentes aspectos da personalidade, adquira equilíbrio e bem estar emocional. Que possa compreender seu lugar no mundo, explorando ao máximo seu potencial criativo, produzindo, contribuindo e doando. Que sua existência seja motivo de felicidade para o outro e por fim, uma fonte incessante de “amanhãs” para si mesmo.

Patrícia Moura Vernalha: Analista em formação IJEP

Analista Didata IJEP: Waldemar Magaldi

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