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A Floresta: Uma Imagem do Inconsciente

Através da apresentação de uma imagem aflorada do inconsciente, o artigo traz uma reflexão sobre aquilo que Jung diz ser a base da estrutura psíquica: a imagem. Exploraremos sua ideia de que todo processo psíquico é uma imagem, uma fantasia.

RESUMO: Através da apresentação de uma imagem aflorada do inconsciente, o artigo traz uma reflexão sobre aquilo que Jung diz ser a base da estrutura psíquica: a imagem. Exploraremos sua ideia de que todo processo psíquico é uma imagem, uma fantasia.

INTRODUÇÃO

Existe uma floresta dentro de mim. Ela me habita desde muito cedo, povoa minha imaginação, me transborda: me atrai para dentro dela. Caminho por entre suas densas árvores. São pinheiros e cedros altos, muito antigos. O ar é úmido e o vento, frio. Apesar de ser uma floresta escura, um tanto misteriosa, os raios de sol conseguem penetrá-la, trazendo a luz dourada para dentro da mata. O chão é forrado por uma folhagem amarelada, recém-caída das árvores.

O que sinto ao vivenciar essa floresta é perto do indizível: é como estar tomada pelo sagrado, por uma presença divina, pelo mistério da vida. Mas embora eu ande por ela, a sinta, a cheire, a veja, eu nunca estive realmente neste lugar. Pelo menos não conscientemente. Ela se apresenta como uma imagem nítida, real, mas que vem de uma parte em mim que é desconhecida, profunda e incontrolável.

Tantas vezes andei por aí tentando achá-la do lado de fora: em viagens e por todos os lugares que passei; procurei em parques, bosques, trilhas e matas. Mas nenhuma era semelhante àquela imagem.

Até que um dia, alguns anos atrás, em uma conversa com a minha mãe sobre talvez viajarmos para conhecer a região da Alemanha em que viveram nossos antepassados, resolvi pesquisar sobre a Floresta Negra. E para minha surpresa, lá estava ela, materializada naquelas fotos do Google! A floresta que sempre povoou minha imaginação, aquela que eu sempre via ao fechar os olhos.

Como é possível eu carregar dentro de mim a imagem de um lugar que eu não conheço, mas que um dia foi o lar dos meus antepassados? De que parte da minha psique essa imagem, tão real para mim, aflora e invade minha consciência?

FANTASIA: O PENSAMENTO SUBJETIVO

Jung (Cf. 2013b, p. 31-34) descreve, em Símbolos da transformação, os dois tipos diferentes que existem de pensamento: o dirigido e o subjetivo.

O dirigido, ou lógico, é aquele que usamos ao nos expressarmos para alguém; aquele que permite nos comunicarmos e adaptarmos à realidade. Podemos dizer que é a exteriorização de uma ideia formulada.

Por outro lado, possuímos um pensamento subjetivo, movido por razões interiores, que é a fantasia; o pensamento que é mais impulsionado pelo inconsciente que pela consciência. Segundo Jung, essa fantasia pode vir tanto da camada do inconsciente pessoal – em que estão as recordações infantis, os conflitos pessoais reprimidos e as evocações dolorosas – quanto pode vir da camada mais profunda da psique: o inconsciente coletivo. É lá que jazem as imagens humanas universais e originais mais antigas: os arquétipos.

Como Jung afirma, essas imagens do inconsciente coletivo correspondem a estados de espirito ancestrais:

Assim como nosso corpo em muitos órgãos conserva ainda resquícios de antigas funções e estados, também nosso espirito, que parece ter ultrapassado todos os instintos primitivos, traz ainda marcas do desenvolvimento por que passou e repete o arcaico ao menos em sonhos e fantasias.

(JUNG, 2013b, p. 49)

As imagens afloradas do inconsciente coletivo, como aponta Jung (Cf. 2014, p. 91), contêm o resto da vida dos antepassados. Elas carregam uma herança da vida ancestral, que despertam quadros mitológicos. São imagens não preenchidas, já que não foram vividas pessoalmente pelo indivíduo, mas que se formaram a partir da vida, do sofrimento e da alegria dos antepassados, e que agora querem voltar à vida, como experiência e como ação.

Ao experenciarmos essas imagens arquetípicas, através de sonhos, fantasias ou na vida, sentimos uma força numinosa e fascinante, “abre-se então um mundo espiritual interior, de cuja existência nem sequer suspeitávamos” (JUNG, 2014, p. 89).

AS IMAGENS DA PSIQUE

Como escreveu Gustavo Barcellos, em Psique e Imagem (Cf. 2012, p. 87), para Jung, a psique do ser humano tem a capacidade espontânea e autônoma de criar imagens ou fantasias: capacidade a qual chamamos de imaginação. A psique é constituída essencialmente de imagens: todo o processo psíquico é uma imagem e um imaginar. A imagem não é algo que se vê com os olhos, mas é, antes de tudo, um modo de ver, uma perspectiva. É o único acesso direto que temos à psique, um meio pelo qual as experiências se tornam possíveis. Ela pode se apresentar através de sonhos, fantasias, na arte e nos mitos. Além disso, não é somente um dado visual: ela pode ser sonora, tátil, pode ser uma emoção ou até mesmo estar no corpo (Cf. BARCELLOS, 2012, p. 95).

Jung afirma que “a psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo; não é, porém, uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura riquíssima de sentindo e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens” (JUNG, 2013a, p. 281).

Quanto mais a imagem nos afeta sensualmente, sensorialmente e sensitivamente, mais significado ela tem (Cf. HILLMAN, 2018, p. 121). A psique opera em analogias, ou metáforas, o tempo todo, transportando o significado de uma imagem à outra. Assim, em toda imagem que temos acesso existe uma múltipla relação de significados presentes simultaneamente (Cf. BARCELLOS, 2012, p. 91-97).

Elas são carregadas de símbolos para além da sua aparência imediata.

O símbolo é uma expressão indeterminada, ambígua, que indica alguma coisa dificilmente definível, não reconhecida completamente. O “sinal” tem um significado determinado, porque é uma abreviação (convencional) de alguma coisa conhecida ou uma indicação correntemente usada da mesma. Por isso, o símbolo possui numerosas variantes análogas, e quanto mais possuir, tanto mais completa e correta é a imagem que traça de seu objeto.

(JUNG, 2013b, p. 152)

Isto é, todo símbolo traz algo visível em si e, por outro lado, carrega algo invisível, incompreensível, como um significado oculto.

Desse modo, ao simbolizarmos, estamos vendo uma imagem simbolicamente, ou transformamos imagens em símbolos (Cf. HILLMAN, 2018, p. 20). Como disse Hillman, em Uma investigação sobre a imagem, “qualquer evento visto simbolicamente assume uma dimensão; torna-se universalizado, ganha transcendência para além da sua aparência imediata. Sentimo-nos em contato com um grande significado” (HILLMAN, 2018, p.22). Uma imagem sem símbolos é algo visual, que não nos afeta. Mas uma imagem simbólica é carregada de emoção, de energia psíquica.

Hillman propõe pensarmos em uma imagem não só como uma cena e um contexto, onde estamos inseridos, mas também como um estado de humor, em que a imagem é que está dentro de nós.

(…) a imagem é também algo na qual entro e pela qual sou abraçado. As imagens nos sustentam, e podemos estar nas garras de uma imagem. De fato, elas podem vir de nossas profundezas mais viscerais.

(HILLMAN, 2018, p. 68)

A FLORESTA

Jung (Cf. 2015, p.73) assume a ideia de que a psique cria a realidade todo dia, através da fantasia, ou seja, a fantasia é inerente à alma humana. Assim, ao lidar com imagens, estamos lidando com a alma. A alma vê e ouve por meio da imaginação. “Imaginar significa libertar os eventos de sua compreensão literal para uma apreciação mítica” (HILLMAN, 2022, p.64).

A alma é uma atividade imaginativa que, muitas vezes, nos é apresentada através dos sonhos.

Uma imagem arquetípica, como expôs Hillman, é o fundamento da fantasia, através da qual o mundo é imaginado. Ela parece conter um conhecimento anterior e uma direção instintiva a um destino, “como se profética, prognóstica” (HILLMAN, 2022, p.43). Ela não é somente aquilo que se vê, mas através do que se vê. Quando estamos diante de uma imagem, precisamos nos perguntar o que ela mobiliza em nossa alma.

Retomando, então, a imagem da floresta, quais símbolos poderíamos identificar e para qual caminho ela estaria apontando?

Em Símbolos da Transformação, Jung (Cf. 2013b, p. 328) afirma que a floresta, por ser composta por árvores, carrega o seu sentido. Árvores são o símbolo da vida, da regeneração, do ciclo da vida e do materno, sendo assim, a floresta simboliza o inconsciente e o instintivo. Caminhar pela floresta é ir para o outro lado, para o lado inconsciente, para o desconhecido. É conectar-se com o sagrado (Cf. CHEVALIER; GHEERBRANT, 2024, p.501-502).

Sigo, então, atenta ao chamado da alma, me aproximando do lado instintivo e arquetípico do desconhecido. Trilhando por essa floresta misteriosa do autoconhecimento, dos sonhos e das fantasias.

Beatriz Assumpção – Membro Analista em formação IJEP

Lia Romano – Membro Analista Didata IJEP

REFERÊNCIAS:

Imagem: https://br.pinterest.com/pin/43558321390688553/

BARCELLOS, Gustavo. Psique e imagem. Estudos de psicologia. Petrópolis: Vozes, 2012.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 39.ed. Rio de janeiro: José Olympio, 2024.

HILLMAN, James. Uma investigação sobre a imagem. Petrópolis: Vozes, 2018.

______ Psicologia arquetípica. Uma introdução concisa. 2.ed. São Paulo: Cultrix, 2022.

JUNG, Carl Gustav. Natureza da psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2013a.

______ Símbolos da transformação. 9.ed. Petrópolis: Vozes, 2013b.

______ Psicologia do inconsciente. 24.ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

______ Tipos psicológicos. Edição digital. Petrópolis: Vozes, 2015.

______ O homem e seus símbolos. 3.ed. especial. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2016.

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