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A importância do passado na construção da psique infantil


Hoje parece que vivemos um surto de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ou sem hiperatividade, mas com apatia. A que vocês acham que se deve tal comportamento?

Uma criança com esse transtorno vive na Lua, como se não tivesse raízes que a prendam à realidade imediata. E é verdade. Quem dá raízes é o passado: transgeracional, cultural, ideológico e afetivo.

Ao substituirmos a família, e aí a enorme importância dos avós, tios, primos, bisavós, etc., por tablets, videogames, celulares, tiramos qualquer possibilidade de enraizamento. A família, através de seu convívio, suas histórias, seus comentários sobre os membros da família, como era a vida dos pais na idade deles, seus gostos e costumes, passa para a criança o sentimento de pertença, de saber de onde vim, como viveram meus antepassados, quem sou eu. Ela se reconhece em algum lugar. Tem um contexto histórico, não é descendente dos Pokemon, não tem parentesco com Galinha Pintadinha ou Bob Esponja. Ela aprende a viver no mundo real, sem aquela movimentação excessiva e gritante dos jogos virtuais, dos desenhos com músicas em ritmo frenético que para os pequenos tira da zona de relaxamento, tão importante para o desenvolvimento tranquilo.

A substituição do real pelo virtual tira a possibilidade de adequação social porque nossa realidade não tem o ritmo, o som, as cores dos jogos e desenhos. Ai, em sala de aula, frente as lições de casa, a criança fica entediada…ela quer e precisa de muitíssimo mais…até que, na adolescência, as drogas aparecem como a entrada para o mundo fantástico em que foram criadas, tão diferente do tédio do cotidiano.

Nenhuma escola, por melhor que seja sua proposta pedagógica, substitui o lar…chegamos até aqui porque nos reconhecemos na história. Rudolf Steiner, Maria Montessori, Padovan entre outros, alertam para o perigo da informação precoce, sem o devido investimento na formação, o potencial do vir a ser.

Se seu filho está adiantando, precocemente à frente dos colegas é muito mais motivo de preocupação do que orgulho. Ao queimar etapas do seu desenvolvimento ele está deixando de vivenciar importantes etapas evolutivas da vida, e constelando complexos, dentre eles o de dislexia. Você tem adultos muito inteligentes, mas disléxicos, que sofrem para se adequar, mesmo quando adultos.

Algumas crianças possuem o transtorno, mas são apáticas, não são hiperativas, mas também não respondem ao anseio dos professores e pais. Claro! Qual a graça de se envolver nas atividades propostas?

O pior que muitas escolas acreditam que implementando centros de T.I. os alunos ficarão mais vinculados e interessados e aí voltamos ao círculo vicioso de excessos.

Todo grande educador da história percebeu a fragilidade dalma infantil, os cuidados para despertar-lhe os interesses (clássico exemplo para aprender a ler, encontramos em Emilio ou Da Educação, referência literária da pedagogia, escrito por Rousseau). Mas também nós perdemos a alma em nosso transcurso. Ficamos tecnológicos e práticos em excesso. “Ganhamos” tempo para ganhar coisas e perder gente.

Uma tarde na cozinha com a avó ficará marcada na lembrança afetiva da criança e, no futuro, quando adulta, lembrará que foi amada, cuidada, ensinada nos “segredos” da família. Ela é pertencente.

Daí poderemos ir além e pensar em depressão. Quão triste e depressivo é não ter lastro, identidade, raízes? Estar no mundo e não reconhecer meu lugar nele. Como saber para onde vou se não sei de onde vim? Só adquirimos o sentido do Mito do Significado de nossas vidas, como dizia Jung, quando me conheço. Um ego estruturante tem consciência corporal e histórica, mas será muito mais rico e autoconsciente se esta história tiver raízes transpessoais.

Aí o papel da tradição religiosa da família, mesmo que se mude no futuro, de vital importância para o encontro consciente dos símbolos inconscientes que permearão todos nossos sonhos durante toda a vida.

O inconsciente recorre a eles quando precisa estabilizar a unilateralidade da consciência, quem não os vivenciou não terá como reconhece-los. Aí ficarão latentes e não atingiram seus objetivos que é a harmonia entre consciente e inconsciente, serão substituídos por medidas mais efetivas como sintomas.

Pensem nisso, conversem mais com as crianças, levem-nas para a cozinha, para o jardim, façam com que participem da rotina da casa, conviver com os parentes, reverenciar os mais velhos. Conte como foi sua infância, partilhe suas brincadeiras preferidas. Certamente precisarão de menos ritalina.

Dra E. Simone Magaldi, Fundadora do IJEP – Pedagoga, filósofa, especialista em Psicologia Junguiana

Mestre e doutora em Ciências da Religião

simonemagaldi@ijep.com.br

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