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O eu e os outros de mim mesmo: Como lidar com os complexos que nos tem?

Descubra como os complexos psíquicos, explorados sob a perspectiva de Carl Jung, influenciam nossas escolhas e como lidar com eles para uma vida mais consciente e plena

Descubra como os complexos psíquicos, explorados sob a perspectiva de Carl Jung, influenciam nossas escolhas e como lidar com eles para uma vida mais consciente e plena.

Muitas vezes, somos atravessados por pensamentos, sentimentos e atitudes inesperadas que não condizem com o padrão de comportamento que desejamos. Como que repentinamente, diante de uma situação cotidiana, atuamos como outra pessoa e temos atitudes que reprovamos e não conseguimos compreender. A sensação inicial é de que fomos possuídos e influenciados por “outro personagem“.

Nossa tendência é procurar externamente um responsável por essa influência, mas a auto-observação abre espaço para refletirmos sobre a possibilidade de existirem outros personagens que coabitam em nossa psique e nos influenciam.

Então, podemos questionar: Quem é esse outro que me atravessa e me impulsiona a ter atitudes tão inusitadas? Eu realmente sou o único responsável pelas minhas escolhas, pensamentos e atitudes? Inclinamo-nos a pensar que temos total consciência e controle sobre nossa vida.

Psiquicamente falando, tendemos a acreditar que “eu”, o que chamamos de ego, é o único responsável pelas nossas escolhas e atuações na vida. Mas quando começamos prestar atenção a essas “presenças” tão inusitadas que nos atravessam cheias de autonomia, mudando o nosso humor e impulsionando nossas atitudes, podemos nos questionar: Eu realmente sou o único responsável pelas minhas escolhas, pensamentos e atitudes?

Complexos

Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica e estudioso da alma humana, observando a si e aos seus clientes descobriu a presença de personagens internos que influenciam os nossos pensamentos, sentimentos, sensações e atitudes. Ele chamou esses personagens de complexos.

Jung explica que:

Complexo é a imagem de determinada situação psíquica de forte carga emocional, incompatível com as disposições ou atitude habitual da consciência. Esta imagem é dotada de poderosa coerência interior e tem sua totalidade própria e goza de um grau relativamente elevado de autonomia.” (JUNG, 2013a, p. 43).

Os complexos atuam como subpersonalidades que possuem um certo grau de autonomia. Por serem dotados de energia, os complexos podem assumir a consciência, provocando atitudes e comportamentos não desejáveis pelo ego. Por isso, quando uma forte emoção toma o indivíduo, causando uma reação exagerada, pode-se concluir que algum complexo foi ativado. Ou seja, uma subpersonalidade com força própria assume o controle da consciência e pode atuar de modo impetuoso e veemente no controle de nossos pensamentos e comportamentos.

Quanto mais inconsciente estiver um complexo, maior será o seu grau de domínio sobre a consciência gerando atitudes estranhas à vontade do ego.

A conduta parece ter sido de outra pessoa, revelando uma parte nossa até então desconhecida. Quando uma pessoa está tomada por um complexo vive tão intensamente preocupada com um determinado aspecto da vida que dificilmente consegue pensar em outros. Pensa, fala e age influenciada pelo complexo, o qual rouba sua energia psíquica, colocando-a a seu serviço.

A atuação de um complexo é facilmente perceptível pelos outros, muito embora quem o vivencia não o reconheça facilmente.

É essencial entrar em contato com o complexo, pois, como dito acima, quando não reconhecido ele subtrai a energia psíquica que deveria estar disponível para o ego executar sua tarefa de observar, diferenciar e fazer escolhas conscientes.

Em outras palavras, o ego perde a autonomia e a liberdade. De maneira que o indivíduo fica sem capacidade de ter atenção e concentração para que a progressão da energia psíquica  possibilite a adaptação e a funcionalidade da vida cotidiana, sem descuidar do si-mesmo e do espírito das profundezas.

Podemos comparar o complexo a uma lente através da qual percebemos o mundo.

Essas lentes interferem na maneira como interpretamos as experiências da vida e nos faz enxergá-las apenas por um determinado ponto de vista impedindo de perceber todas as outras possibilidades.

É de suma importância desenvolver a relação dialética entre o ego e as nossas “personalidades” inconscientes, a fim de nos libertar das amarras que nos fazem agir de acordo com padrões repetitivos de forma inconsciente. Para isso, é necessário olhar sem julgamento e com respeito para os aspectos que nos compõem e criar recursos para o ego dialogar com eles de forma consciente.

Neurose

Um complexo geralmente carrega conflitos éticos. Esses conflitos dizem respeito à alma, às questões morais, relativas aos códigos de condutas e costumes coletivos e sociais. Ou seja, funciona como um conflito entre o que o ego entende como correto socialmente e qual a perspectiva interna do indivíduo sobre isso. O que causa divisão e angústia que podemos nomear de neurose.

Com isso, visando integrar nossas partes a fim de ampliar a consciência e construir uma vida mais plena é fundamental nos questionar: Quem são os “outros” que carrego em mim os quais preciso reconhecer e acolher?

Por meio da função dialética, o ego é convidado a caminhar entre as tendências opositivas da psique e a avaliar o que cada uma pode lhe oferecer. Nesse processo de confrontação, é necessário que o ego respeite os argumentos do lado oposto, que é o representante do “outro de nós mesmos”. Diálogo interno que podemos chamar de solilóquio. Sobre isso, Jung esclarece:

Somente deste modo é que os fatores reguladores poderão ter alguma influência em nossas ações. Tomá-lo a sério não significa tomá-lo ao pé da letra – literalizando, mas conceder um crédito de confiança ao inconsciente, proporcionando-lhe, assim, a possibilidade de cooperar com a consciência em vez de perturbá-la automaticamente. (JUNG, 2013a, p. 184).

Como lidar com os complexos no setting terapêutico?

Um recurso para lidar com os complexos no setting terapêutico de forma simbólica seria primeiro diferenciá-lo para poder desidentificar o ego dele. Compreendendo que existe diversos “eus” em mim. Depois, buscar entrar em contato com o complexo e personificá-lo, tentando sentir e criar uma imagem ou personagem para representá-lo. Em seguida, desenvolver a função dialética e conversar com este personagem (ouvindo e analisando suas perspectivas próprias), permitindo que o conflito opositivo possa promover a ampliação da consciência e facilitar o surgimento da função transcendente.

Na perspectiva da psicologia analítica, o exercício da função dialética, estimulado no processo terapêutico, impulsiona o surgimento da função transcendente.

Jung explica que:

a função transcendente não se desenvolve sem meta, mas conduz à revelação do essencial no homem […] é o estabelecimento e o desabrochar da totalidade originária, potencial.” (JUNG, 2014b, p. 122)

Neste contexto, podemos perceber que pelo confronto honesto entre os opostos, cria-se uma tensão energética que levará ao deslocamento da energia psíquica, dando origem a um novo comportamento, isto é, uma nova atitude consciente perante a vida. É o terceiro elemento não dado, que emerge de forma criativa.

Pessoas que possuem, por exemplo, o “complexo de ser ignorada” apresentam um padrão psicológico que se desenvolveu a partir de experiências, reais ou imaginárias, de exclusão, rejeição ou falta de reconhecimento. Assim, tende a interpretar as situações sociais que vivencia de maneira distorcida, atribuindo significados negativos e de desvalorização. Quando o complexo acima é ativado intensificam-se os sentimentos de inadequação, baixa autoestima e desejo de receber atenção e reconhecimento dos outros. Até mesmo um comentário inofensivo poderá ser interpretado como uma forma de exclusão ou falta de interesse por parte dos outros.

Com isso, a pessoa pode se tornar excessivamente carente de atenção, buscando constantemente validação e reconhecimento externo. Em outros casos, a pessoa pode desenvolver uma tendência a se afastar de situações sociais por medo de ser rejeitada e ignorada. Podendo, ainda, buscar incessantemente realizar feitos grandiosos ou alcançar sucesso, o que faz para compensar a sensação de ser ignorado.

Todo complexo tem uma casca e um núcleo, formando um par de opostos.

Dessa maneira, se o “ignorado” está na consciência o supervalorizado fica no polo inconsciente. E, por ser inconsciente, é projetado num outro exterior – o qual obviamente possui “ganchos” para que o complexo se autorrealize. A constelação do complexo pode gerar interpretações distorcidas e comportamentos contrários a atitude da consciência em busca de atenção e reconhecimento externo, fato que pode ter grande impacto na vida da pessoa afetando a forma como lida com outras pessoas e consigo mesma.

Diante do exposto, podemos concluir que tomar consciência destes personagens inconscientes e entrar em contato com eles é fundamental para o ego desidentifica-se deles, personificá-los e manter um diálogo, a fim de ampliar a consciência e desenvolver uma vida com mais harmonia e completude.

Caroline Costa – Analista em Formação IJEP

Waldemar Magaldi – Membro Didata IJEP

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2013a.

______. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2014b.

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