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Deus e o idiota das colheres de pau: um ensaio sobre o inefável

Imagem: “A criação de Adão”, de Michelangelo. Detalhe.

Com sua ‘De docta ignorantia’, Nicolau de Cusa (1401-1464) nos presenteia com uma chave importante para uma visão compreensiva de nossos discursos sobre Deus e, também, da busca humana por conhecimento. Num ponto como no outro, se aproxima de diferentes modos do pensamento e da vida de Carl Gustav Jung. 

Para aqueles que têm o símbolo, a travessia é fácil. 

Sabedoria alquímica

1.  Deus, esse impertinente!

Mais de seis décadas depois da famosa entrevista de Jung à televisão inglesa, no ano de 1959, continuamos sem saber direito o que ele teria de fato desejado expressar ao responder “Eu não acredito, eu sei”, quando John Freeman perguntou se ele acreditava em Deus.

Jung contaria depois que foi “pego de surpresa” pela pergunta “disparada” pelo jornalista. Sentiu-se “perplexo” e disse “o que lhe veio à cabeça”. A resposta lhe saiu “da ponta da língua”, e ele logo percebeu “que havia dito algo controverso, desconcertante, ou mesmo ambíguo”. É o que Jung mesmo revela numa das muitas vezes que teve de voltar ao assunto, em conversas tanto com pessoas que amaram o que ele disse quanto com outras, que odiaram. Na carta a Valentine Brooke, citada por Claire Dunne (2012, p. 230), Jung escreve:

Quando digo que não preciso acreditar em Deus porque “o conheço”, quero dizer que conheço a existência da imagem de Deus em geral e em particular. Sei que esta é uma questão de experiência universal e, na medida em que não sou exceção, sei que também tenho essa experiência que chamo de Deus. 

Tudo bem, me parece. Pelo menos para início de uma conversa sobre o que teria, sabe Deus, acontecido. Mas essa conversa, se ocorresse em toda a sua necessária extensão, precisaria na verdade ser bem longa, em se tratando de Jung. Porque, como quer me parecer também, apelar para uma “experiência universal” e para o mero desejo de não se sentir excluído dessa condição geral não é nem de longe o mais importante a ser dito a respeito de uma relação, entre Jung e Deus, que podemos considerar vital, cotidiana e, como norma, bastante agonística. Me lembra a história da luta entre Jacó e o anjo (Gênesis, 32,22-32): o filho de Isaque e neto de Abraão exige à força que o anjo o abençoe! Jung, me parece que também, com estilo!

A tentativa de explicação racional, como tantas vezes sublinhou o próprio Jung, não costuma ajudar muito na compreensão de algumas experiências centrais da vida das pessoas. Antes, com frequência, atrapalha. Desvia do verdadeiro assunto, esconde, superficializa, projeta. Se o tema em pauta for Deus e a nossa relação com Ele, pior ainda. E se for sobre Deus na vida e no pensamento do pai da Psicologia Analítica, então, a busca de uma saída pelo lado do racional, da abstração, do conceito e da definição – sem querermos negar a importância desse tipo de aproximação – mais se assemelha a um verdadeiro pecado “contra o Espírito Santo”.

O pecado contra o Espírito Santo, se alguém não sabe ou porventura esqueceu, é aquele para o qual, na teologia cristã, nem perdão divino existe. “Nem querendo, Deus consegue perdoar, porque você, com esse pecado, fecha a torneira de onde sai a água”, eu ouvi certa vez um teólogo dizer. Me parece muito boa a metáfora. Do mundo dos símbolos, as metáforas permitem o jogo, a brincadeira da imaginação. E eu imagino a coisa mais ou menos do seguinte modo: com esse pecado, você mata o espírito, igual se com inicial maiúscula ou minúscula. E, aí, nem Deus dá jeito. 

O que dizer racionalmente sobre o Inefável, o Absolutamente Outro? Repetidas vezes, o próprio Jung chamou a atenção para os limites da virtuosa Razão, para o estresse que costuma acometer o bem-aventurado “pensamento dirigido” em sua compulsão explicativa (OC 5, 2012, § 4-45), para “a impotência da linguagem” (OC 6, 2012, § 40) ao querer agarrar com o selo do “dominare” as energias vivificantes do Mistério. Encantado tanto quanto aterrorizado diante da numinosidade do Deus Santo e Terrível, os humanos apelamos para os símbolos e para a ajuda que eles nos oferecem, neste como em outros estados agônicos da vida – e Jung nos oferece uma belíssima ajuda nessa empreitada!  

Voltando à entrevista à BBC de Londres, o Jung como nós o conhecemos, se interessado em nos fazer entender o que foi mesmo que aconteceu naquele dia, teria por certo preferido conduzir conosco uma de suas maravilhosas conversas sobre os símbolos. Manteria o tempo todo em evidência, para muito além de todo esforço racional (a “pequena razão” a que se refere Nietzsche), um sinal de alerta ligado para o valor e a fertilidade de princípios como os da incerteza e dos opostos complementares. A imaginação. Os símbolos. Porque, “para aqueles que têm o símbolo, a travessia é fácil”, como sugere a sabedoria alquímica. 

Imagino que por “travessia”, no sentido dos alquimistas, possamos entender aqui, também, a ousadia de querermos tecer um discurso sobre o Absolutamente Outro: o símbolo “facilita” a “travessia” – desde que, como eu continuo imaginando, não confundamos jamais “travessia” com “explicação racional”. Ora, mais que de um conceito ou, pior, uma “definição” – uia! – , trata-se, aqui como nas questões todas fundamentais da existência, de dar aos símbolos e à imaginação suas cartas de nobreza. Jung pensa assim. Jung age assim. A despeito do nariz virado, mas dificilmente não empinado, dos positivistas de plantão.

Algo que nos situa, ainda que de leve por enquanto, na linha do pensamento junguiano ecoa já nas frases seguintes da mesma carta de Jung a Valentine Brooke, num ponto em que Jung se refere à “experiência” à qual ele – “por que não?” – dá o nome de Deus:

É a experiência de minha vontade contra outra vontade, quase sempre mais forte, que cruza meu caminho, muitas vezes com resultados desastrosos, colocando ideias estranhas na minha cabeça e manobrando meu destino às vezes para regiões indesejáveis ou dando-lhe inesperadas reviravoltas favoráveis, sem meu conhecimento ou minha intenção.

Eis aí, como de novo me parece, o Jung/Jacó em briga com o Anjo! “Descobri que todos os meus pensamentos circulam ao redor de Deus como os planetas ao redor do Sol”, escreve de novo Jung, desta vez a Lucas Menz (apud Dunne, 2012, p. 230). Seria “um gravíssimo pecado”, ele diz, “opor qualquer resistência a essa força”. O “gravíssimo pecado” a que alude Jung pode ser interpretado como um recado da psicologia analítica à teologia e àquilo que chamei antes de “morte do espírito/Espírito”. Jung deixa neste ponto manifesta a “irresistível” atração que Deus exerceu sobre ele ao longo de toda a sua vida. 

De fato, as pessoas que conhecem um pouco a biografia de Jung sabem que é verdade que a experiência de Deus mexeu com ele e o incomodou bastante durante a sua vida inteira. Incomodou-o, aliás, desde a infância na casa paterna, no confronto inconsciente e depois fartamente consciente com a visão e a prática religiosa, muito esquisitas para ele, do pai, Paul Achilles Jung, um pastor protestante. Apareceu-lhe em sonhos, muitos sonhos, alguns dos quais deixaram marcas profundas em sua memória e em sua vida . Quem não se lembra da visão de um céu que se abre diante do pequeno Jung para dali ele ver o Todo-Poderoso defecar sobre o teto da linda catedral de Basiléia? 

Deus – que a nossa humana condição tem deveras muita dificuldade de imaginar se está em cima ou embaixo, na frente ou atrás, dentro ou fora, provocando essa questão muitas vezes o desespero dos teólogos e dos doutrinadores mais ortodoxos – esse Deus perseguiu Jung pela vida afora, sobretudo nos momentos mais dramáticos e angustiantes de embate com o seu próprio inconsciente. Ameaçou-o com e ao mesmo tempo o livrou da loucura. Deus tremendo! Deus fascinante! Deus terrível e cruel! Deus amoroso, uma graça, um mimo!

Em Jung, esse Algo ou Alguém a quem damos o nome de Deus (ou outros muitos nomes, não importa, pronunciáveis ou impronunciáveis) fez mais do que se manifestar o tempo todo em sua vida, como ameaça de perdição ou como esperança de cura e redenção: marcou também uma presença forte e impossível de não ser notada em todo o seu pensamento e em sua extensa obra – e uma coisa não consegue nunca ser separada da outra na história de vida de Jung. 

“Falar de espiritualidade e de Deus” é tocar no coração “da vida e do pensamento de Carl Gustav Jung”, expressa Simone Magaldi na conferência de abertura do VI Congresso Junguiano do Ijep, sobre o tema da “Teleologia e espiritualidade na clínica Junguiana”. A doutora em Ciências da Religião e co-fundadora do Instituto Junguiano de Estudo e Pesquisa traz números: a palavra “deus” aparece mais de 6 mil vezes na obra junguiana. Isso, como imagino que seja fácil intuir, representa uma parcela até certo ponto diminuta das milhares e milhares de outras vezes em que essa mesma palavra ou a expressão “imago Dei” atravessaram os caminhos de Jung em suas andanças pelo mundo, em suas aulas e conferências, no sono como na vigília. “Deus é essencial na vida de Jung”, completa Simone Magaldi.

Sem muita sombra de dúvida, portanto, o “Deus universal” se transformaria, portanto, desde muito cedo, em experiência ativa e constante, vibrante, ora fascínio e ora terror, na vida do ser humano Jung. Desde o seio materno, como diria mais de um Salmo. Nem precisaria ele, lá pelos 30 e poucos anos, ter mandado talhar sobre a porta de entrada da casa que mandou construir em Küsnacht, Suíça, o “vocatus atque non vocatus Deus aderit” (chamado ou não chamado, Deus comparece). Deus nem esperou pelo chamado. Apareceu cedo na vida de Jung. Colou nele. Nunca largou dele, mesmo quando, às vezes, teve de escutar de Jung muitas e boas. 

Como no livro Resposta a Jó, por exemplo. Pobre Deus! Dá até dó, algumas vezes, tão necessitado e carente Ele me parece, a partir de alguns comentários e, até, recriminações de Jung. Unilateral, malvado muitas vezes ao extremo, o Absolutamente Outro tem lá as suas necessidades e carências divinas, transcendentais – e outro Deus não pode existir para os humanos que não o Deus de sua própria imaginação. O Deus de nosso poder de fantasiar, simbolizar! Jó, na história que a Bíblia conta, pode ser vítima do descontrole divino, mas pobre ele não é! De Deus – ai, meu Deus! – não se pode, porém, dizer a mesma coisa! 

Mas, pelo jeito, tudo somado, os dois se entenderam muito bem, Jung e Deus! Quem venceu a luta pela Bênção, eu não sei. Saíram satisfeitos do embate, eu acho. Caso contrário, ficaria bem difícil compreender o sentido do que expressa Jung, logo nas primeiras linhas do prólogo de sua autobiografia, Memórias, sonhos, reflexões, quando afirma que a sua vida “é a história de um inconsciente que se realizou”. Está bem claro, lá, o que Jung entende por “experimentar-se como totalidade”, esse evoluir a partir das “condições do inconsciente”, onde, alheio às pretensões de uma “linguagem científica”, Jung toca o estado do “sub specie aeternitatis” no território do grande Mito (Jung, 2006, p. 31).  

Este meu pequeno, primeiro dessa ordem e, na minha percepção, um tanto irreverente ensaio sobre Deus situa-se bem distante da intenção de querer concentrar em umas poucas linhas uma porção imensa de significados que o Transcendente assume na vida e obra de Jung. Que Deus me livre de tamanha arrogância e desatino! Deixemos a Jung mesmo a tarefa difícil de delinear a seu modo o campo de suas preocupações em relação a Deus como fenômeno psíquico fundamental; em delimitar as fronteiras com a metafísica e a teologia; em acenar para as ressonâncias do divino no mundo da cultura; em sublinhar com linhas duplas o que de fato para ele mais conta: o Mito do Significado na vida de cada pessoa e, consequentemente, do mundo.

Feitas essas breves ponderações iniciais, nesta primeira parte, são mais dois os pontos sobre os quais ainda desejo dizer alguma coisa. Dizer, não definir ou conceituar! Abrir, e não fechar! Compreender, e não explicar! Mostrar mais que demonstrar! Namorar com o símbolo! Sobretudo, expressar, com muitas e fortemente grafadas letras, que estou incomodado, eu também, com a presença inquietante de Deus em minha vida e na vida do mundo, ainda que – é o que temos – ora como “desastre” e ora como “favor”, ora como graça e ora como desgraça, como tudo que chama e grita por sentido de vida e por alegria de viver. 

Que Deus me perdoe pela irreverência das palavras! Pelo desejo de dizer algo sobre uma realidade frente à qual a alma humana às vezes manda calar, silenciar, contemplar – porque o dizer não consegue nunca dizer o certo integral, muito menos dizer tudo que dizer se poderia. Como dizer o Inefável? Como agarrar o Impossível? Que Deus me ajude a falar de Deus!

Uma visita ao século XV – este é o meu primeiro ponto, na sequência – nos coloca em contato amigável com Nicolau de Cusa, filósofo, teólogo e cardeal católico, para uma rápida conversa sobre a sua teoria da “docta ignorantia”, a ignorância sábia. Volto em seguida de novo para Jung – no segundo ponto –, mais precisamente, para o tema do símbolo como caminho que às vezes soma e outras vezes se contrapõe ao esforço racional. E que rejeita, não há dúvida, a figura nociva do racionalismo, muito particularmente em sua versão mais dogmática. Ainda nesse segundo ponto e último ponto, sem querer encerrar nem muito menos concluir nada, teço algumas considerações sobre a teologia e a e a perda do contato vivo com o símbolo por parte dela, com o imaginal, com o mito. 

As três partes mencionadas dialogam de diversas maneiras com dois ensaios que produzi recentemente, ambos disponíveis no site do Ijep. O primeiro, “Jung e a heresia do método”, destaca o modo compreensivo, dialógico, ecológico (no sentido de uma ecologia de saberes e de práticas humanas) como Jung lida com o conhecimento em geral e com a ciência em particular. O segundo, “Livrai-nos do mal. Amém!”, levanta o tema do Mal, da sombra e da culpa coletiva a partir de uma conversa que procuro tecer entre Hannah Arendt e Carl Gustav Jung. Se considerar que pode valer a pena, vá lá e dê uma olhada. Irá encontrar coisas cuja importância nem imagina para a sua vida.[1]

2. A ignorância sábia

“De Deus nada sabemos.” Irreverente, corajoso e ousado frente ao pensamento filosófico-teológico da Escolástica ainda dominante em sua época, no século XV, Nicolau de Cusa propõe a dúvida como caminho de compreensão, abalando como num terremoto – ainda que, muito curiosamente, nem terremoto algum tenha havido – o Olimpo das certezas teológico-filosóficas. E ele o faz ao distinguir entre a falsa sabedoria, ou ignorância ignorante, e a ignorância sábia, ou douta ignorância. Com isso, nos lembra de certo modo o Sócrates do famoso “Eu sei que nada sei”. A diferença em relação a Sócrates se encontra na visão de Infinitude, que não é uma preocupação para Sócrates, e nas inquietações cristã-teológicas, marcas do pensamento de Nicolau de Cusa em sua época, final da Idade Média. 

Num ponto concordam os dois, Sócrates e Nicolau de Cusa: a verdadeira atitude intelectual é a do filósofo, aquele que busca o tempo todo o saber, e não quem julga possuí-lo. A ignorância sábia, ainda que com termos diferentes, é para ambos o método, o meta+odós (gr.) = o caminho por onde se deve andar na busca do conhecimento. Em Sócrates, isso nos conduz à defesa da ideia de que ninguém ensina nada a ninguém e ao “conhece-te a ti mesmo” do templo de Apolo, com o recurso à maiêutica (o educador, o sábio, visto como mediador, ou como “parteira”, que é o que “maiêutica” em grego quer dizer). Em Nicolau de Cusa, a ignorância sábia nos leva ao território das buscas sem garantia, das incertezas e da coincidentia oppositorum (complementaridade dos opostos).

Nicolau de Cusa é um teólogo. Foi professor de teologia e bispo católico. É sobre Deus que ele fala em sua obra, o Absolutamente Outro. Este é o foco principal de seu pensamento. Diante de Deus, como propõe, o melhor que o ser humano tem a fazer é se reconhecer um belo de um ignorante, se quiser escapar ao erro da ignorância ignorante para viver a experiência gratificante e graciosa da sabedoria. Com isso, nosso personagem do final da Idade Média renuncia, também, às elucubrações filosóficas em torno das provas da existência de Deus. 

O saber do não saber: é esse o caminho ou método proposto por Nicolau de Cusa em “A douta ignorância”, escrita quando ele tinha a idade de 37 a 39 anos. O importante, em nossa relação com Deus, é saber que se ignora. “Com efeito, nenhum outro saber mais perfeito pode advir ao homem, mesmo ao mais estudioso, do que descobrir-se sumamente douto na sua ignorância, que lhe é própria, e será tanto mais douto quanto mais ignorante se souber”, ensina Nicolau de Cusa, citado por Santos (2010, p. 540), que observa: “A novidade de Nicolau de Cusa reside em que ele usa o pretexto da infinitude de Deus para propor um procedimento epistemológico geral, que vale para o conhecimento das coisas finitas, o conhecimento do mundo”.

As ideias de Nicolau de Cusa escorregam, como se vê, para fora do campo da fé e da teologia, neste nosso mundo em que as coisas são sempre mais misturadas do que imagina o nosso complexo de arrumar gavetas. Atingem o centro do amplo e agitado movimento de crítica ao pensamento escolástico, para propor um novo modelo ou paradigma de conhecimento. Desse modo, o teólogo alemão se posiciona bem no limiar de um Zeitgeist nascente e robusto, que irá se configurar, já no século seguinte, como afirmação do humanismo, com suas consequências para o desabrochar das artes, da ciência empírica e da própria Reforma. Seria possível acompanhar esse movimento tanto no ambiente das ciências empíricas quanto da filosofia, com os nomes de dois gigantes do pensamento filosófico-científico no horizonte, cada um deles com suas virtudes e com seus limites para a cultura do chamado Modernismo, como é próprio dos gigantes: René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1643-1727).  

Mas não é o caso de eu me distrair com isso neste muito breve ensaio sobre Deus. Interessa anotar, porém, antes de prosseguir, que encontra-se na mais pura e terrível escuridão do espírito não só quem se imagina sábio, mas não é; também quem acha que a ignorância sábia possa resultar de preguiça intelectual, de preguiça de viver! Não é assim que a entende Nicolau de Cusa. Conhecer dá trabalho. Ainda que se trate de saber que, pagas as contas com o desejo natural de saber (Aristóteles), nada enfim se sabe.

Um pequeno salto à frente nesta minha história, mas estreitamente ligado a tudo o que está sendo dito até este ponto, nos conduz a três diálogos de autoria de Nicolau de Cusa, que nos ajudam a entender como a douta ignorância pode ser de fato e concretamente pensada. São eles: De sapientiaDe mente e De statiticis experimentis. O personagem de todos eles é um só: o Idiota! É ele, qual Sócrates do “eu sei que nada sei”, quem conduz os diálogos. 

A comparação com Sócrates talvez não seja muito boa. Não, não é. Não tem nada a ver, o nosso Idiota, com a exuberante e arrogante consciência de se viver e poder usufruir dos benefícios da condição de cidadão ateniense! Homem simples e iletrado, o Idiota é um artesão. Vive de fazer colheres de pau – e com isso se torna claro por que Deus, no título deste ensaio, é colocado junto com o nosso Idiota com as sua colheres de pau!

Um pobre coitado, o Idiota! Um ignorante completo, que, além de tudo, ainda despreza os muitos estudos que é preciso fazer para se progredir na vida! Pobre e estúpido, além disso! Um presunçoso!

É assim que o vê o homem letrado, o orador, o pretenso sábio, a quem o Idiota responde que não é bem presunção que não o deixa se calar, mas caridade. Isso mesmo: caridade! O Idiota é um caridoso. Sabe da vida mais do que você possa imaginar. Pretende, o nosso Idiota, alertar o grande Orador para o fato de que não vale a pena perder tempo com coisas que de nada lhe servem. Porque, no fundo, como pensa o Idiota, o nosso Orador mais se parece com um cavalo! Só come aquilo que lhe servem. Um submisso ao princípio maior da autoridade! Um pobre coitado! Esta é que é a verdade! Não consegue ver que “a sabedoria grita nos mercados” e que “o seu clamor anda pelas praças”. Nos três diálogos, como aponta Santos (2010, p. 548), “as grandes disputas entre escolas de saber erudito deixam de ser importantes se a sua importância para a vida e para a experiência práticas não for demonstrada”.

Primum vivere, deinde philosophare!, parece querer dizer o Idiota. A vida em primeiro lugar, antes da filosofia! Seria esta quiçá a atitude espiritual mais condizente com a ideia da douta ignorância, no confronto com o Anjo de quem, com muita luta, qual Jacó, nós também queremos arrancar a grande Bênção?! A vida no centro. As artes do viver. 

Michel de Montaigne (1533-1592), o pai do ensaísmo moderno, parece ter lido Nicolau de Cusa quando, dando curso à mais pura intenção que deve mover todo ensaio, convoca os seus contemporâneos a fugir da ignorância representada pelo “picotamento” do saber – e nisso lembra Edgar Morin, com a sua defesa do pensamento complexo e sua crítica pesada à hiperespecialização do saber. Algo assim como de tanto saber tanto sobre quase nada, quase nada se sabe sobre o todo! Boa para a divina Técnica, essa maneira torta de a nossa cultura dominante pensar o conhecimento, o mundo e a vida continua com um saldo extremamente negativo na bolsa de valores do pensamento ecológico.

Mas Montaigne, que mostra estar de birra com um viés muito forte da cultura letrada de seu tempo (a gente foge da Escola, mas o pensamento da Escola não foge de nós, como sói acontecer!), vai além na sua crítica. Ele menciona o que considera uma falta de autoria na produção de conhecimento (o complexo de cavalo, vamos dizer assim, a que se refere o Idiota!). “Há mais trabalho em interpretar as interpretações do que em interpretar as coisas”, reclama (Montaigne, 2010, p. 515). Há “mais livros sobre os livros do que sobre outro assunto: não fazemos mais que glosar uns aos outros. Tudo fervilha de comentários, mas de autores há grande escassez”. 

Jung pode ser amplamente evocado também neste ponto. A sabedoria livresca, ai, ai, ai… As teorias, os tratados filosóficos, as doutrinas, os dogmas, nocivos todos eles, quando colocados num patamar acima da experiência do viver!

O ensaio de Montaigne, não por acaso, traz como título “Sobre a experiência”. É um dos mais famosos do autor. O outro mais famoso é “Sobre os canibais”, e este tem a ver com o Brasil que foi ocupado pelos franceses no século XVI. Fascinantes essas histórias de canibalismo! Teriam alma esses índios que para a França foram levados, como objeto de exposição? Eram as ideias que circulavam pela Europa de então, das salas artisticamente trabalhadas dos aposentos papais aos ambientes intelectuais da França, a pátria futura do Iluminismo. 

Uma Europa nada douta ignorante, é preciso pontuar! E com isso se vê que a proposta epistemológica do nosso Nicolau de Cusa não conseguiu atravessar a porteira do latifúndio da cultura européia triunfante! Virou um “saber do Sul” dentro do “Norte”, diria Boaventura de Sousa Santos. Mas voltemos a Montaigne, com a “liberdade de espírito” (Adorno) que o ensaio permite e cobra: com efeito, ele vê toda aquela farra da arrogância e da explicação frente aos índios levados daqui, da França Antártica, e levanta uma pergunta, que quase ninguém teve a coragem de fazer na Europa da época: “Canibais, eles? Alguém aí se perguntou quem são os verdadeiros canibais?”  

A chamada de atenção para o lugar central e para a força da experiência colocam em estreita ligação os dois autores, Nicolau de Cusa, do século XV, e Michel de Montaigne, do século XVI. A experiência, vale lembrar, constitui a base de todo esforço de escrita do ensaio. Porque a vida não passa de um grande ensaio, pode-se dizer. Individuar, no sentido junguiano, é ensaiar o tempo todo o difícil diálogo entre consciente e inconsciente, base de todos os grandes e pequenos diálogos que podem performar o grande Mito do Significado. Queremos a Bênção! Exigimos a Bênção! Teremos também a vontade, a garra e a força para enfrentar o Anjo?

Ora, é de uma experiência que Jung fala ao responder, meio desajeitado, à pergunta do repórter da BBC: a experiência de Deus. Sempre e em toda parte na vida dele, como na de todo mundo, independentemente de o percebermos. Uma “experiência universal”, como assinala. Uma experiência de vida, porque Jung não se imagina uma exceção no comércio humano com o divino. Uma experiência inteira de vida, muito amarga às vezes, roçando mais de uma vez, como eu já mencionei, o território do desespero e da loucura. Um traço importante, fundamental da história de vida de Jung. “Deus é essencial na vida de Jung” (Simone Magaldi).

3. “O homem e seus símbolos”

Os estímulos sobre a experiência do viver e sobre a ignorância sábia, que chegam até nós por meio de Nicolau de Cusa; as ideias de incerteza de todo conhecimento e de complementaridade de opostos, e, mais ainda, o forte aceno às dificuldades do raciocínio humano no trânsito com Deus, tudo isso não representa novidade alguma na história do pensamento e da cultura. Um rápido exercício de busca, que não se limitasse ao velho e batido caminho da filosofia grega, daria conta de mostrar a pertinência dessa observação. Também no muito antigo, eternamente presente e multicolorido universo dos mitos – que é onde a alma humana pede licença à Razão para mostrar o ar de sua graça, e que graça! –, essas ideias todas brincam de amarelinha umas com as outras. 

Para dizê-lo de modo trágico, o mundo dos símbolos nunca pensou em se suicidar diante de perguntas tão importantes como “Você acredita em Deus?”. O símbolo pode assustar, mas não mata. Ele brinca. “Devemos muitíssimo ao brinquedo com a fantasia”, expressa Jung, logo depois de dizer que, “sem esse  brincar com a fantasia, jamais teve origem uma obra criativa” (OC 6, 2012, § 88). Sendo assim, quero pedir ao Todo-Poderoso a graça imensa de saber brincar nesta minha conversa ao mesmo tempo séria e despreocupada com o meu e o nosso grande Símbolo!  

“Eu sei”, respondeu Jung, sem nem saber direito, naquele momento, o que estava de fato dizendo. “Nós não temos ideologia, nem teologia. Nós dançamos!”, teria respondido um monge xintoísta a um delegado dos Estados Unidos que participava de uma conferência sobre religião no Japão. Quem ouviu a história e a contou foi Joseph Campbell (1904-1987), uma das maiores autoridades mundiais contemporâneas sobre mitos. Foi relatada pelo repórter Bill Moyers, na longa entrevista que ele fez com Campbell para a televisão americana.[2]

Essa história nos introduz de modo muito elegante e agradável no assunto desta terceira e última parte deste ensaio: os símbolos, a imaginação! A imagem da dança é primorosa! Que boa essa maneira de se falar do mundo… e de Deus! Tudo dança, ensinam os físicos modernos, o universo dança! A mais hard de todas as ciências, a ciência-mãe, como poderíamos chamá-la, se rende aos encantos do símbolo. O físico de altas energias, grande divulgador das ricas promiscuidades entre o pensamento científico e o pensamento oriental, entre a ciência e o mito, entre a fórmula matemática e o símbolo, o austríaco Fritjof Capra, conta, no prefácio a O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental (1986, p. 13):  

Há cinco anos experimentei algo de muito belo, que me levou a percorrer o caminho que acabaria por resultar neste livro. Eu estava sentado na praia, ao cair de uma tarde de verão e observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo de minha própria respiração. Nesse momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se participasse de uma gigantesca dança cósmica.

No contato vivo com o símbolo, sentindo o ritmo e ouvindo o som da “dança cósmica”, nosso personagem ressignifica a própria vida, como ele conta. É a “dança de Shiva, o Deus dos dançarinos, adorado pelos hindus”, que se manifesta ali. A compreensão se dá! 

A dança do universo: dos mitos de criação ao big-bang. É este o título de uma obra, que pode ser considerada seminal, de um dos mais importantes e famosos físicos modernos brasileiros, Marcelo Gleiser (1997). Duas coisas chamam bem fortemente a atenção. A  primeira é de novo essa vinculação entre física e mito, e a segunda, entre física, religião e espiritualidade. Não pode ser mero acaso o fato de Gleiser ter recebido, em 2019, o assim chamado “Prêmio Nobel de Espiritualidade”, oferecido pela Fundação John Templeton, dos Estados Unidos. Ele divide esse prêmio com figuras muito conhecidas, como o Dalai Lama, a Madre Teresa de Calcutá e o arcebispo Desmond Tutu.

Nietzsche (2011, p. 41) revela pela boca de seu Zaratustra que “acreditaria somente num deus que soubesse dançar”. “Agora dança um deus através de mim”, ele confessa, logo na sequência. E o faz com um convite ao sorriso como arma capaz de “matar o espírito de gravidade”. O espírito de gravidade! Nesse sentido, dando de novo razão a Jung, o símbolo não é mesmo sério! Melhor, mesmo, dançar! 

Dito assim, junto com a metáfora de um deus que de preferência soubesse dançar, isso me parece um pepino enorme jogado no colo dos que transformaram Deus numa coisa insossa, asséptica, distante, feia. O espírito de gravidade de que fala Nietzsche?

Um Deus anêmico! Desanimado = sem alma! Sem entusiasmo = um Deus sem Deus! Vade retro, que Deus sem Deus parece coisa do demo! Cheio de “onis” (onipotente, onividente, onisciente…), mas vazio de “graça”. Ai, ai, a teologia, que, parceira da filosofia, perdeu, já faz tempo, o contato vivo e visceral com o símbolo!

Escrevi um texto, uns anos atrás, com o seguinte título: “De um Deus perfeito e único a um pensamento reduzido” (Künsch, 2020). Um pensamento unilateral, eu diria hoje, no confronto saudável de aprendizagem com o mundo das ideias e práticas junguianas. Tento mostrar naquele texto que, distante do Deus do Antigo Testamento e do Deus de Jesus Cristo – um Deus bem animado, um e outro, ainda que não necessariamente movido pelos mesmos afetos, mas sempre movido por muitos afetos! –, nosso Deus branco cristão ocidental patriarcal foi feito à imagem e semelhança de nossos descaminhos racionalistas, usinado na exata medida do nosso sagrado sistema capitalista de produção! Um mundo desencantado (Max Weber). Uma ciência desencantada e triste, lá onde ela mais triunfa, distante de vida (Sousa Santos). Pares perfeitos!

Deus está morto, acredita Nietzsche. Ou será que, anêmico e desanimado, Ele estaria precisando de colo, de cuidado, de cura? Juro que, ao ler Resposta a Jó, me deu muita vontade, se eu encontrasse Deus aqui pelas ruas do bairro paulistano da Barra Funda, de chamá-lo para tomar uma ali na esquina, na Casa do Norte. Umas e outras, como se diz. “Calma, Senhor Deus! Não fique desesperado! Viver é complicado, mesmo. Ainda que Deus, como o Senhor que é Deus sabe, nem conhece a Morte, não é verdade?” 

E, no entanto, o Deus de que fala Jung nem precisa ser convidado. Ele comparece. Está ali, dentro da gente, e com a gente dentro do mundo. Ou será que nós é que estamos n’Ele? Quando você entra no mundo do simbólico, quem dança primeiro é o antigo princípio da identidade: uma coisa pode ser a outra coisa ou vice-versa. Por que não? Dança não é assim? Quando duas pessoas dançam uma dança bem dançada não parece que os corpos se fundem? “Simbólico só pode ser aquilo que encerra no um também o outro”, como entende Jung (OC 6, 2012, § 169).  

“Nada contribui para que o consciente compreenda o conteúdo intelectual da simbólica”, aponta Jung, meio desgostoso com o seu tempo. “Nossa cultura já esqueceu há muito como pensar simbolicamente, e mesmo a teologia não sabe mais o que fazer com a hermenêutica dos Santos Padres. A cura animarum no protestantismo está totalmente à míngua.” Complicado, isso! No mesmo trecho, Jung (OC 5, 2012, § 683) reflete sobre as repercussões desse distanciamento em relação aos símbolos cristão para o campo terapêutico:

Quem se daria ao trabalho de destrinchar ideias cristãs fundamentais em meio ao “caos de fantasias patológicas”? Mas pacientes nesta situação poderiam ser salvos se o médico se ocupasse de tais produtos e explicasse ao doente o sentido neles contido. Deste modo,  ele tornaria possível a seu paciente assimilar ao menos uma parte do inconsciente e com isto reduzir na mesma proporção o perigo da dissociação”.

Essas noções, associadas a uma crítica vigorosa ao racionalismo e a uma defesa incondicional da centralidade da vida, nos posicionam no encalço de algumas das ideias mais importantes do pensamento e da prática terapêutica de Jung. Na esteira viva e desconcertante desse pensamento, o próprio labor científico precisa ser chamado para uma conversa ao pé do ouvido, em momentos nos quais, “ao aderir rigorosamente ao fim absoluto da ciência, o intelecto se exclui da própria fonte da vida”. A razão, a ciência como um fim em si mesmo representa um mal. Porque “o que precisa ser desenvolvido é a própria vida”, insiste Jung (OC 6, 2012, § 40).

“A essência do símbolo”, comenta Jung, “consiste em apresentar uma situação que não é totalmente compreensível em si e só aponta intuitivamente para seu possível significado”. Juntemos, então, as ideias, intuitivamente, como sugere Jung. Vamos ver: tendo em conta o que a sabedoria alquímica nos ensina – que quem tem o símbolo se move muito mais facilmente no campo das muitas travessias da vida –, e levando ao mesmo tempo em consideração essa estreita relação que Jung estabelece entre o símbolo e a intuição, a imaginação, a fantasia, podemos especular que salvação não pode haver, para ninguém de nós, se não nos entregarmos de corpo e alma à viagem fantástica – no sentido original de fantasia, imaginação – rumo ao grande Mito do Significado. 

Teremos de levar na bagagem as ferramentas da Razão dialógica e do Ego, que, tão pequeno às vezes como a pequena razão de Nietzsche,  não se aconselha que seja dispensado de fazer parte dessa viagem. Porque dá ruim.

Fora do símbolo não há salvação?, numa alusão ao “Extra ecclesiam nulla salus”, de triste memória.   

“A criação de um símbolo não é um processo racional, pois este não poderia gerar uma imagem que apresentasse um conteúdo, no fundo, incompreensível”, continua Jung no mesmo trecho. “A compreensão do símbolo exige uma certa intuição que capta, aproximadamente, o sentido desse símbolo criado e o incorpora na consciência” (Jung, OC 6, 2012, § 162).

Pelo jeito, temos mesmo de aprender a dançar! E é nesse ponto que a aproximação entre a douta ignorância de Nicolau de Cusa e o caminho alquímico-junguiano do confronto com o símbolo, por mais interessante e contagiante que possa ser essa aproximação, revela simultaneamente uma diferença que os distanciam um do outro. 

Na história do pensamento ocidental (sempre é bom ter em conta que estou me referindo ao modelo dominante, hegemônico, nunca único, de pensamento), tanto o caminho socrático, lá detrás, quanto o da douta ignorância, do século XVI, levaram, com o tempo, a um predomínio, de dar pena, do Logos (não-dialógico) e da Razão (como desrazão) unilaterais. Quer seja no mundo da ciência, quer no da filosofia – e colada nela também a teologia –, vibramos desde o Renascimento com as ideias de certeza, verdade e perfeição! A dúvida que a maiêutica e a douta ignorância inspiram não consegue por muito tempo esconder o nosso horroroso complexo “oni” de tudo querer ver, saber, explicar – para dominar. 

Seria este o nosso pecado contra o Espírito Santo de Deus, imperdoável! Teria a ver com a morte do símbolo? Com a torneira fechada da água que pode matar a sede do Si-Mesmo? 

E é aí que a coisa fica feia! Porque o símbolo não participa desse jogo de verdades e certezas da nossa cultura. Ele pode, sim, facilitar a travessia. Mas só se a gente não quiser transformá-lo, aos tapas e empurrões, em ferramenta a serviço do nosso superdimensionado Ego(látrico). Jung oferece-nos um norte, que eu gostaria de propor, aqui, neste ensaio sobre Deus, que seja o da boa briga pela Bênção. “A guerra civil interna”, como Jung gosta de dizer. 

O Anjo que se segure! Deus que se segure! 

Metanóia pode ser a palavra mágica nessa história de irreverências linguísticas! Acho que, sim, ela pode dar jeito até no pecado que nem Deus perdoa. Porque abrir a torneira para jorrar a água do Espírito, a gente pode.

Talvez seja esta a maneira, junguianamente falando, de nos entendermos bem um com o outro, Eu e Deus, Deus e Eu, um no outro, o outro no um, e nós no mundo. E, por isso mesmo, a ida à Casa do Norte pode revelar aquilo que diz Jung de quando alguém vai à igreja: vai lá para se encontrar com Deus e acaba por se encontrar consigo mesmo. 

Pode ser! Acredito nisso, e tenho apanhado bastante na briga com o meu Anjo. 

Mas que dá vontade de chamar Deus pra tomar uma, isso dá! 

Dimas A. Künsch – Analista junguiano em Formação pelo IJEP

Analista Didata: Waldemar Magaldi

Referências

CAPRA, Fritjof. O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1986.

DUNNE, Claire. Carl Jung: curador ferido de almas. São Paulo: Alaúde Editorial, 2012.

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de criação ao big-bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. (OC 5).

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. (OC 6).

JUNG, Carl Gustav et. al. O homem e seus símbolos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

KÜNSCH, Dimas A. De um Deus perfeito e único a um pensamento reduzido. In: Compreender: indagações sobre o método. São Bernardo do Campo, SP: Editora Metodista, 2020, p.. 39-58.

MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um ocidente não-ocidentalista A filosofia à venda, a doutra ignorância e a aposta de Pascal. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 519-562.


[1] Todos os mais de quatrocentos artigos produzidos por analistas junguianos em formação e por professores do Ijep encontram-se disponíveis em: https://www.ijep.com.br/artigos. Acesso em: 29 jun. 2021. 

[2] “O poder do mito” – Entrevista com Joseph Campbell. Episódio 1. 

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2f5O9sWfW5o. Acesso em: 29 jun. 2021.

Dimas A. Künsch

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