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O jovem adulto: reflexões sobre o vazio existencial e a plenitude da vida

O mundo jovem adulto, em torno dos 20 aos 40 anos, é marcado por um período de nossas vidas em que somos conduzidos para fora, buscando a plenitude das nossas potencialidades, no alcance da realização pessoal. É um processo que envolve coragem, determinação e escolhas.  Geralmente deixamos a casa dos pais, assumimos o primeiro emprego, casamos ou estabelecemos outros relacionamentos importantes, temos filhos e acompanhamos o desenvolvimento deles. Somos movidos por ideais, que simbolicamente nos fazem lembrar das palavras do poeta Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las… Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”

Nesta fase, vivemos em busca de grandes metas – sucesso, saúde e felicidade – que são incentivadas pela nossa sociedade e reforçadas especialmente pela mídia. A preocupação maior é em torno do TER (cargos, bens materiais, relação estável, entre outros), alimentando o nosso ego. Ao mesmo tempo, trazemos dentro de nós uma carga genética física e emocional, com marcas e vivências de várias gerações, que nos permitem um olhar para a nossa singularidade. Neste sentido, Hillman trouxe uma reflexão: “Cada pessoa possui dentro de si uma singularidade que pede para ser vivida e que já está presente antes mesmo de ser vivida” (2001, p. 16). Em outras palavras, é a presença do inconsciente pessoal e coletivo, ao mesmo tempo um convite para o SER, incentivando-nos para a caminhada rumo ao Self.

Surgem questões importantes: como conciliar a vivência da liberdade, da independência financeira, das relações afetivas duradouras, neste mundo acelerado e descartável? Possibilidades nem sempre presentes, que podem gerar um mal-estar, uma sensação de desamparo, incompletude e desmotivação, traduzidas em vazio existencial, descritas de algum modo por Sigmund Freud em O Mal-Estar da Civilização e, também por Zygmunt Bauman, em O Mal-estar da Pós-Modernidade. Percebe-se que até hoje predomina a cultura do evitamento da dor e do silêncio com o sofrimento psíquico, amenizado com medicalizações, porém Jung, em seus estudos sobre a psique humana, metaforicamente nos alertou sobre os distúrbios neuróticos, que podem ser manifestados mais cedo ou mais tarde e que precisam de um olhar diferenciado: “O vinho da juventude nem sempre se clarifica com o avançar dos anos: muitas vezes até se turva” (2013, p. 352).  

Existem inúmeros autores que estudam o desenvolvimento humano e cito alguns que me auxiliam na ampliação de algumas questões comuns nesse período de vida. Segundo Papalia, D. E., Olds, S. W., & Feldman, R. D. (2006, p. 367), os aspectos do desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial se entrelaçam. A fase do jovem adulto é marcada pelas habilidades físicas e sensórias. A cognição envolve o pensamento relativo, pós-formal, que auxilia em experiências nos diferentes contextos, com inteligência emocional, compreensão de si e do outro. Da mesma forma, o desenvolvimento psicossocial está relacionado à questões que estruturam a vida pessoal e social, que envolvem escolhas sobre a formação, a profissão, os laços de amizade e os relacionamentos afetivos, valiosos para a saúde e o bem-estar. Neste contexto, deparamo-nos com diferentes realidades e as angústias nos impulsionam para a procura de possibilidades criativas e recomeços.  As universidades são cada vez mais frequentadas por pessoas de diferentes idades, em busca da segunda graduação e de especializações. O mundo do trabalho, que é bem diversificado e expandido para o campo virtual, também é ocupado por maior número de mulheres em profissões tradicionalmente exercidas por homens.

Vindo ao encontro, Erik Erikson nos deixou a ideia de que as pessoas se desenvolvem durante toda vida. Ele apresentou para o período do jovem adulto a sexta crise do desenvolvimento: intimidade versus isolamento. Hoje nos deparamos com estilos em que a intimidade e interioridade tendem ao silêncio e, em seu lugar são exaltadas as performances nas cenas espetaculosas do mundo virtual. Ao mesmo tempo, o senso de pertencer na intimidade está presente em ciclos de vidas conjugais e não-conjugais. Apesar das mais variadas oportunidades em diferentes dimensões, chega um momento que a questão de permanecer sozinho ou não, fala mais alto e, muitos se decidem pelo casamento. Jung, na sua época já dizia: “A escolha do parceiro normalmente se realiza por motivos inconscientes e instintivos, desde que o casamento não tenha sido arranjado pela inteligência, pela astúcia ou pelo tal amor providente dos pais” (2013, p.204). Em nome do amor fazemos escolhas e promovemos encontros, como Fernando Pessoa trouxe em seu versos: “Quando te vi, amei-te já muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei…” (Alves, 2005, p. 101).

Em termos gerais, podemos caracterizar o casamento como a busca de realização, escolha que ocorre cada vez mais tarde, com menos filhos e, com a opção de adoção ou a utilização dos métodos alternativos de concepção. Os filhos representam a conservação da espécie, a continuidade da família e os sonhos concretizados. Jung, trouxe-nos essa afirmação em outra expressão: “A imensa maioria dos homens desde tempos imemoráveis sentiu necessidade da continuação da vida” (2013, p.359). Assim sendo, a vida familiar varia de acordo com a cultura e os relacionamentos se organizam de várias formas, sendo que a divisão de tarefas, adotada por muitos, pode contribuir para a deterioração ou melhora do casamento.

O modelo humanista, defendido por Maslow, propõe a existência de um conjunto de necessidades comuns à todos os seres humanos e também, que todos são atuantes em seu próprio desenvolvimento, por meio da escolha, da criatividade e da autorrealização. Dessa forma, cada um é responsável pela sua caminhada e nem sempre as escolhas são saudáveis, necessitando da ruptura de padrões estabelecidos. No sentido metafórico, a música Sentado À Beira Do Caminho, cantada por Erasmo Carlos, retrata essa realidade: “Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim. Estou sentado à beira de um caminho que não tem mais fim… Meu olhar se perde na poeira desta estrada triste…” Mais uma vez trago Jung, que dizia: “Sem haver necessidade, nada muda e menos ainda a personalidade humana” (2013, p. 184). Nos consultórios, cada vez mais estão presentes as dificuldades em estabelecermos relacionamentos estáveis, os problemas oriundos da convivência conjugal e a educação dos filhos. As disfunções geralmente são marcadas por ansiedade ou por características depressivas, que também envolvem o empenho e desempenho sexual. As separações e os divórcios são frutos do isolamento em redes virtuais, das disfunções eréteis e transtornos pré-menstruais, das violências domésticas e, tantos outros problemas não integrados, envolvendo um período doloroso de resolução e de adaptação. São realidades de um mundo que incentiva a aparência e a contenção da expressão dos sentimentos, em que os “não ditos” podem se transformar em doenças, envolvendo as diferentes dimensões.

O filósofo Rudolf Steiner, criador da Antroposofia, defendeu a ideia de que a vida é cíclica e é dividida em fases de sete anos. De acordo com o autor, dos 21 aos 42 anos, o ser humano se insere na sociedade e faz as escolhas. Desta forma, dos 21 aos 28 anos – fase dos limites – ocorre a ápice da fertilidade e é o início da fase da alma, surgindo diferentes emoções e dúvidas. Dos 28 aos 35 anos – fase organizacional – ocorre a crise do talento, com questionamentos sobre qual caminho seguir. Finalmente, dos 35 aos 42 anos, com a crise de autenticidade, surge a fase da alma e da consciência.

Vindo ao encontro, Jung nos deixou inúmeras reflexões sobre a importância de ampliarmos a nossa consciência. Entre elas, podemos citar a dificuldade de lidarmos com as incertezas. Temos uma tendência de projetarmos e criarmos expectativas, centradas em certezas e em resultados imediatos, que podem se tornar problemas e, para tanto, ele propõe uma forma diferente de compreendermos nossas demandas: “Os problemas, portanto, implicam a possibilidade de ampliar a consciência, mas também a necessidade de nos desprendermos de qualquer traço de infantilismo e de confiança inconsciente na natureza (p. 344). Ele complementa: “Sem consciência, não existem problemas” (p.345). Um exemplo atual é a presença do COVID-19, provocando inquietações diante da dualidade de nos recolhermos em nossas casas para protegermos os que estão em situação de risco ou continuarmos a nossa jornada de trabalho com atividades externas. Quantas posturas conflitantes, julgamentos e confusões nos cercam! O desconhecido, em forma de medo, coloca-nos diante do perigo de riscos e a possibilidade de fugirmos do problema. Em contrapartida, propicia-nos um momento oportuno para refletirmos sobre o que o inconsciente coletivo nos mostra e que precisa ser ressignificado. Como disse Jung, duas diferenças geram as dificuldades: “a desigualdade de tempo no desenvolvimento e o alcance da personalidade espiritual” (2013, p.206). Entre muitas questões que envolvem o momento, podemos pensar sobre o que representa o isolamento: a saída da turbulência social e o encontro com as nossas sombras que evitamos reconhecer.

Ainda, sobre o desenvolvimento humano, Jung dizia: “A curva psicológica da vida, entretanto, recusa-se a se conformar com estas leis da natureza. A discordância às vezes começa já antes, na subida” (2013, p.363). Ele complementa: “Um jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude” (2013, p.364). Essas ampliações nos convidam a pensar no sentido e significado das nossas escolhas, que podem suscitar diferentes crises e possibilitar a entrada na metanóia, fase em que geralmente repensamos estilos dominantes, produzimos mudanças e novas adaptações, não necessariamente na metade da vida ou em idade cronológica específica.

Para finalizar, cito Jung, com mais considerações sobre a curva da vida: “A recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim. Tanto querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio formam uma só curva” (2013, p.364). Uma só curva, com ascensão e declínio e, muitas oportunidades no decorrer do percurso. São colocações que nos permitem ampliar e compreender que o vazio existencial e a plenitude da vida sempre envolvem nossas escolhas. Para tanto, podemos errar e recomeçar sempre, em qualquer momento de nossas vidas, integrando as polaridades razão e sentimento. São as vivências que nos permitem obter o conhecimento do coração, que não encontramos nos livros de ensinamentos racionais. Algumas vezes, perdas são necessárias para dar espaço ao novo, simbolicamente representado por algo que alimente a nossa alma. Podemos transcender e viver as nossas potencialidades com plenitude!

Claci Maria Strieder, analista junguiana em formação pelo IJEP. Brasília/DF –  Contato: (61) 99951.0003 – clacims@gmail.com

Imagem: Melancolia, fotografia da escultura de Albert Gyorgy, em Genebra, retratando sobre o vazio existencial.

Leituras de apoio:

ALVES, Rubem. A maçã e outros sabores. Campinas: Papirus Editora, 2005.

BAUMAN, S. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998.

ERIKSON, E. H. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Edição Stanford Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HILLMAN, James. O código do ser: em busca do caráter e da vocação pessoal. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 10ª edição. Petrópolis: Vozes, 2013.

________________O desenvolvimento da personalidade. 14ª edição. Petrópolis: Vozes, 2013.

LIEVEGOED, Bernard.  Fases da vida. Crises e desenvolvimento da Individualidade. São Paulo: Editora Antroposófica, 1994.

PAPALIA, D. E., OLDS, S. W., & FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano (8ª ed.). Porto Alegre: Artmed, 2006.

QUINTANA, Mário. Espelho mágico. Porto Alegre: Editora Globo, 1951.

SCHULTZ, Duane P; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia Moderna. 10ª ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

Claci Maria Strieder 

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