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Os complexos e o distúrbio sexual da ejaculação precoce: a contribuição da psicologia junguiana

Pouco se fala sobre Sexualidade Humana, principalmente quando se trata da sexualidade do homem.

Questões sociais e culturais caracterizam o sexo masculino como sexo forte. Em nossa sociedade patriarcal o homem tem que ser forte, provedor, não chorar, fragilizar-se ou mesmo adoecer. Claro, esse padrão vem sendo desconstruído, porém, ainda temos dificuldades em encaminhar homens ao serviço de saúde para tratamento de suas enfermidades sejam elas físicas, mentais e/ou sexuais.

Tratando-se de dificuldades sexuais, principalmente masculinas, sabe-se que o estado tem limitações nesse trabalho, principalmente no que concerne ao número de profissionais capacitados para esse fim. Assim, inúmeras disfunções sexuais deixam de ser diagnosticadas e tratadas muitas vezes, por dificuldade interna dos profissionais em lidar com assuntos relacionados à sexualidade.

No ano de 2000, uma pesquisa da Fiocruz sobre o perfil sexual da população brasileira, revelou que 15,8% dos homens tinham distúrbio de ejaculação precoce. Cumpre ressaltar que, dos 2835 indivíduos analisados, 47% eram do gênero masculino. Isso revela o enorme sofrimento psíquico dessa população e vem ganhando um grau progressivo, ao examinar a história natural da ejaculação precoce em nossa civilização, segundo Cavalcanti & Cavalcanti.

Nas civilizações orientais, o prazer compartilhado sempre foi uma preocupação comum. Os árabes, de acordo com afirmações do Xeique Nefzaui em O Jardim das Delícias, o homem louvável é aquele que “sabe controlar a emissão, não sendo rápido na descarga”. Os taoístas chineses sempre foram mestres em técnicas de contenção ejaculatória. O que dizer então dos hinduístas, no sexo tântrico que não preconiza alcançar o orgasmo e sim o prazer supremo e prolongado, onde o homem tem uma grande descarga de energia ao alcançar o orgasmo e a mulher ao ter vários orgasmos, nutre e recarrega a energia do seu parceiro.

Kaplan define o ejaculador precoce como aquele indivíduo incapaz de manter o controle voluntário sobre o seu reflexo ejaculatório. Ela valoriza o autocontrole do indivíduo. Masters & Johnson, caracterizam o ejaculador, como aquele incapaz de retardar a ejaculação por tempo suficiente para que sua parceira sem disfunção, atinja o orgasmo em pelo menos 50% dos casos. Assim, pode-se afirmar que o mesmo indivíduo pode ser ejaculador precoce para uma mulher e não o ser para outra. Já a Academia Internacional de Sexologia Médica (AISM) define ejaculação precoce como “condição persistente ou recorrente em que o homem não pode perceber e/ou controlar as sensações proprioceptivas que precedem o reflexo ejaculatório, produzindo mal estar pessoal e/ou em relação à parceira”. Existem alguns critérios médicos para essa definição e a etiologia de cada caso, razão pela qual faz-se necessário um diagnóstico inicial realizado pelo médico urologista.

A partir da revolução sexual iniciada na década de 1960 onde as mulheres iniciaram os movimentos de equidade de gênero, advento da pílula anticoncepcional, a descoberta do prazer feminino, quando o orgasmo começou a ser preconizado nas relações sexuais pelas mulheres, tornou-se evidente a inadequação sexual do casal. Ao homem que tinha todo o poder sob a mulher na cama, começou a ser cobrado uma maior continência ejaculatória, um esforço e um tempo de ereção suficiente para que a mulher também alcançasse o orgasmo. Tornou-se também obrigatório um conhecimento maior da anatomia e fisiologia dos genitais masculinos e femininos.

Segundo Cavalcanti & Cavalcanti em Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais (2020), “estabeleceu-se uma verdadeira tirania do orgasmo e o homem passou a introjetar uma responsabilidade que, a rigor, nem sempre lhe deveria caber. Assim, muitos indivíduos foram e ainda são considerados ejaculadores precoces, quando, na verdade, suas parceiras são anorgásmicas ou necessitam de uma fase de excitação demasiado longa”. Ficou assim explícita a inadequação sexual e a ejaculação precoce passou a ser um fato disfuncional causador de enorme sofrimento psicológico, passível de tratamento.

Como diz Carl Gustav Jung em Civilização em Transição (2019 OC, pág 112, parágrafo 212) “Sem considerar o fato das doenças venéreas, a ampla discussão da questão sexual trouxe à superfície da consciência social a extraordinária importância da sexualidade em todas as suas ramificações psíquicas. Grande parte desse trabalho foi feito pela pesquisa psicanalítica bastante divulgada nesses últimos 25 anos. Já não é possível hoje em dia passar por cima da importante realidade psicológica da sexualidade com ar de deboche ou com indignação moral. Começa-se a incluir a questão sexual no círculo dos grandes problemas e a discuti-la com a seriedade que sua importância merece”.  

A Terapia Sexual é realizada com abordagem cognitivo comportamental, de forma breve, enfocando os sintomas. O cliente/paciente na maioria das vezes, obtém melhoras do quadro sintomático, todavia, retorna à clínica pouco tempo depois com a mesma dificuldade, o que nos leva a acreditar que sem trabalhar os complexos relacionados ao caso, não teremos sucesso nesse trabalho.

Complexo é um agrupamento de representações mentais, mantidas juntas por emoções , que se organizam a partir de experiências emocionais significativas do indivíduo, tendo como núcleo um arquétipo. Eles fazem parte do funcionamento da psique. O que determina a patologia ou a criatividade do complexo é seu grau de autonomia. “Só se consegue ajudar o indivíduo a tirar a exuberância de um complexo, dando a ele a possibilidade de interagir com ele, de se aprofundar nele, de se entregar a ele. É um processo. Não somos nós que temos o complexo, o complexo é que nos tem”, segundo W. Magaldi.

Assim, de acordo com Jung em A Natureza da Psique, (volume 8 das OC, página 47, parágrafo 208) “Através de semelhante desenvolvimento, o complexo revela sua força original que excede às vezes até mesmo o poder do complexo do eu. Somente então é que se compreende que o eu tem toda a razão de praticar a magia cautelosa dos nomes do complexo, pois é de todo evidente que aquilo que o meu eu receia é algo que ameaça sinistramente controlar minha vida. Entre as pessoas que passam geralmente por normais, há um skeleton in the copyboard (um esqueleto dentro do armário) cuja existência não se deve mencionar em sua presença, sob pena de morte, tão grande é o medo que este fantasma, sempre á espreita, inspira-nos.”

Para Jung, toda doença é um complexo e, em vista disso, qualquer terapia em que não se enfoque esse tema, não tem resultado satisfatório. Torna-se necessário, ressignificar esses complexos mais importantes para uma boa convivência sexual, mais especificamente, aqueles que contribuem para o distúrbio da ejaculação precoce, como: o complexo materno, o complexo do pênis pequeno, o complexo de inferioridade, o complexo religioso (Imago Dei)…

Sem trabalhar esses complexos, seria possível auxiliar de outras formas utilizando-se outras técnicas, como: a terapia medicamentosa, a terapia cognitivo comportamental (TCC), porém, tais complexos poderiam ser somatizados de uma outra maneira, não menos danosa, posteriormente.

Independente de sua origem, o transtorno da ejaculação precoce, pode desencadear uma série de outros danos, pois além da ansiedade, o indivíduo pode adquirir por frustração repetida, um sentimento de vergonha e de menos valia, por não conseguir satisfazer sexualmente a parceira e por não se adequar socialmente aos padrões exigidos do “macho”. Esse sentimento de desqualificação pode generalizar para outros aspectos da personalidade.

Importante se faz trabalhar também outros aspectos da sexualidade, como a auto estima, a auto imagem com fortalecimento da persona, a exploração do próprio corpo, a masturbação mútua, a vivência de fantasias sexuais, desvinculando a sexualidade apenas ao aspecto biológico e ao binômio pênis x vagina. A sexualidade é muito mais ampla e atinge todo um domínio biopsicossocial e espiritual. Ampliando esse conceito à luz da psicologia junguiana, podemos obter essa transformação e cura, no momento em que esse indivíduo interiorizar essa dor, em busca do Self e do sagrado. Essa conexão com o sagrado, que é individual é que traz a cura.

“Considero um desacerto falarmos nos dias de hoje da problemática sexual sem vinculá-la ao amor. As duas questões nunca deveriam ser separadas, pois se existe algo com problemática sexual esta só pode ser resolvida pelo amor. Qualquer outra solução seria um substituto prejudicial. A sexualidade simplesmente experimentada como sexualidade é animalesca. Mas como expressão do amor é santificada. Por isso não perguntamos o que alguém faz, mas como o faz. Se o faz por amor e no espírito do amor, então serve a um Deus; e o que quer que faça não cabe a nós julgá-lo, pois está enobrecido”. Jung em Civilização em Transição ( vol 10/3 OC, pág 123, parágrafo 234).

O cerne da Psicologia Junguiana é o Sagrado. É o ego render-se ao self, render-se a imagem de Deus, pois todas as coisas estão em Deus. O self manda a doença e o self cura a doença. Contra o self não se luta. Entrega-se!!! Esse é o segredo da cura.

Maria Ivanilde F. Alves

Membro analista em formação pelo IJEP

Distrito Federal

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Civilização em Transição. 2019 Editora Vozes

JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 2019 Editora Vozes

MASTERS , William H., JOHNSON, E. Virgínia. O Relacionamento Amoroso. Editora Nova Fronteira S/A. Rio de Janeiro-Rj. 1982

CAVALCANTI, Ricardo. , CAVALCANTI, Mabel. Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais. Quinta Edição. Editora Payá. 2020. São Paulo- SP

MARIA IVANILDE FERREIRA – 23/12/2020

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