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Raízes Filosóficas entre Jung e Kant

kant pintura

Immanuel Kant nasceu em Königsberg, Prússia Oriental em 12-04-1724 (apogeu do Iluminismo – Enciclopédia), teve sua formação religiosa no pietismo (movimento que se registrou no interior do luteranismo, o qual destacava a religião prática e íntima em detrimento da teologia dogmática, estava sujeito a estreitas atitudes morais), sua família era simples e extremamente religiosa. Estudou Filosofia, Matemática e Teologia. Martin Knutzen o encaminhou no estudo da física newtoniana.

Em 1770 foi nomeado professor de lógica e metafísica na universidade de sua cidade onde permaneceu até o início de sua doença em 1798, a partir daí foi perdendo suas faculdades, inclusive a memória e a palavra, faleceu em 12 (28) -02- 1804, com 80 anos, assistido apenas por seus criados.

Kant foi uma personalidade única na história da filosofia, era extremamente meticuloso, metódico e pontual, jamais saiu de Königsberg, o que não o impediu de acompanhar os acontecimentos marcantes de sua época: Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Vemos que era um período marcado pela repressão.

Sua vida foi toda dedicada aos estudos, ao ensino, a reflexão e a escrita. Não casou, não teve filhos e nem se apaixonou, possuía pouquíssimos amigos, vivia com um criado e uma criada. Gostava de comer sempre sozinho e passeava sempre, independente do tempo, pontualmente, pelo mesmo lugar, sem alterar o trajeto e sem deixar de carregar seu guarda-chuva. Permanece a anedota de que os habitantes do lugar acertavam seus relógios pelos hábitos de Kant.

Escreveu várias obras que marcaram o pensamento do homem moderno. As principais:

        – História Universal da Natureza e Teoria do Céu. 1755.

        – Da Forma e dos Princípios do Mundo Sensível e do Mundo Inteligível. 1770.

        – Crítica da Razão Pura . 1781

        – Prolegômenos à Toda Metafísica futura que possa apresentar-se como ciência. 1783.

        – Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1785.

        – Crítica da Razão Prática. 1788.

        – Crítica do Juízo. 1790.

        – A Religião Dentro dos Limites da Razão Pura. 1793.

A obra de Kant vai refletir a ação humana – moral. Para ele moral significa você ser capaz de se conhecer e conhecer o mundo criticamente, fugindo das regras sociais.

Kant questionou os racionalistas (Descartes, Leibniz e Wolff) e os empiristas (Bacon, Hume e Locke), a partir dele a matemática e a física se desenvolveram muito. Ele procurou fazer uma filosofia crítica não só da matemática e não só da física, mas uma análise crítica do homem. Se o empirismo e o racionalismo convergiram em Kant, esse por sua vez foi a base para o idealismo e o positivismo que a ele se seguiram. Por isso a frase: “Do empirismo e do racionalismo origina-se o criticismo”.   

Podemos discernir 3 períodos dentro de sua obra:

1) 1755 – 1770 = elabora uma fundamentação da questão da razão, se posicionando contra o racionalismo e o empirismo extremado.

2) 1770  – 1790  =  torna suas críticas mais fortes e procura se aprofundar no estudo da razão.

3)  1790  –  l798   =  completa seus estudos sobre a razão já associando a questão da moral e da liberdade.

O termo crítica visa estabelecer uma ciência e uma moral fundadas na razão. Kant faz uma crítica profunda à filosofia; porque esta se tornou dogmática (inquestionável), e ao se dogmatizar a filosofia dogmatizou o pensamento humano, só valorizou a razão, mantendo-a num estado de natureza. É preciso instaurar um estado jurídico da razão (estado de direito), com capacidade de decisão sem os argumentos de autoridade.

A  ciência em si é falha se não houver  a razão, uma Razão Pura que possa ser crítica. O fundamental no pensamento de Kant é a idéia de crítica.

Razão levando a questionamentos:

1) Que posso saber?                     Questão teórica

2) Que devo  fazer?                      Questão prática

3) Que me é permitido esperar?   Questão teórico-prática (religiosidade)

Razão comprometida com a existência:

1) inteligência _____ posso saber

2) vontade _________devo fazer

3) sentido __________permitido  esperar

Númeno (coisa em si) – essência. Nós precisamos do fenômeno, que se dá através dos sentidos, para chegar ao númeno, mas esse é nosso limite – como Jung e oposto a Goethe.

O fenômeno que me conduz ao númeno é o “a priori” (impuro), esse é o momento que através dos sentidos eu desvelo a coisa em si (teórico). O “a posteriori”  é a análise e conhecimento do fenômeno.

O “a priori” puro, não necessita de nenhuma experiência, é livre de empirismos. São os dados cognoscitivos que temos armazenado em nosso intelecto (arquétipos em Jung). As elucubrações intelectivas não passam, necessariamente, pelas experiências, mas surgem por uma vontade interior de compreensão transcendental. Normalmente são gerados pela universalidade dos conceitos, ou seja, os conceitos universais são necessários para a compreensão, para facilitar o entendimento intelectivo, pura lógica: Beleza, Verdade, Bondade…

RAZÃO PURA  –  conhecimentos superiores que fazem do homem um ser pleno, capaz de se elevar do mundo sensível para o mundo intelectivo, sem as amarras do empirismo.

Os postulados da RAZÃO PRÁTICA são: DEUS, LIBERDADE  E  IMORTALIDADE (ou alma).  Aqui podemos pensar numa referência aos pilares da psique: ética e metafísica.

A existência de Deus deve ser vista como uma experiência racional. Você vai conhecer e racionalizar DEUS.

Para Kant a intuição é um aspecto da razão. Ela conduz o processo de entendimento.Intuição Kantiana é ver o fato e retirá-lo do contexto e passar a analisá-lo sem as influências do meio (para Jung a intuição é uma função diferente da função pensamento).

Metafísica é intuição, entendimento. Nós ascendemos ao nosso ser pela metafísica. Em Kant a metafísica se interioriza.

Kant questiona o primado da Razão, pois o ser humano não é só razão – é prático, é sentimento, é existência e é, sobretudo, liberdade.

O saber teórico e o saber prático não devem ser separados. Essa associação nos leva a noção de crença, a noção de DEUS – eu formo a idéia da UNIDADE e de DEUS –  essa é a verdadeira prova da existência de Deus. (Podemos pensar no processo de vivência e autoconhecimento que é o processo de Individuação, e por fim no Self  como essa idéia de unidade e de sagrado que temos em nossa psique).

Não é aceitar Deus, mas acreditar que Deus é uma realização ética. Existimos em função de alguém que nos criou – sou, portanto, uma parte de Deus (Ser Gerador), (Ainda aqui podemos inferir a idéia de Self como criador do ego, e mais ainda se pensarmos em Self como os orientais pensam Atman, aí teremos a própria divindade em nós, e só a descobrimos no caminho para dentro).

Nessa percepção de si e do mundo, percebemos a Unidade Geradora que criou tudo –  nós e a natureza: somos a própria manifestação de Deus (além do Self pessoal, podemos, no entanto, inferir a idéia de um Self Cósmico).

JUÍZO ANALÍTICO: somente quer entender, analisar um conceito. Ou seja, uma simples análise. (O predicado é a simples explicitação do conteúdo do sujeito. Ex. O triângulo é uma figura de 3 lados).

JUÍZO SINTÉTICO: é a síntese daquilo que eu estou conhecendo, é querer conhecer a fundo a questão. (É dar um ou vários predicados ao sujeito, implica num juízo próprio. Ex. Monografia: é preciso dizer algo acerca do sujeito que não esteja implícito a ele).

Todo nosso juízo, quando eu me deparo com o fato em si (a priori) é analítico (há um leve interesse de análise), todo processo que me levará ao a posteriori é o juízo sintético.

IMPERATIVO:  por essa palavra, no pensamento kantiano, podemos entender DEVER.

IMPERATIVO HIPOTÉTICO: quando eu percebo que uma ação é necessária para atingir um fim. Depois de uma análise você terá que tomar uma atitude. Hipotético porque você sabe que não há outro caminho, não há alternativa. Por exemplo: as prescrições de um médico. Aqui o que determina é a necessidade e a prudência.

IMPERATIVO CATEGÓRICO: uma ação é necessária desde que criticamente analisada todas as alternativas. Aqui o que determina é a moralidade.

Em Kant MORAL e VONTADE são indissolúveis. O DEVER em Kant é a vontade imbuída de uma consciência crítica que leva a uma ação. O dever de fazer com pureza de intenção, com conhecimento de causa. Estamos acostumados a agir por dever e não agir com dever  –  esse último é a moralidade em Kant, ele é amadurecido pela experiência e pela reflexão.

Kant gira sempre em torno da questão da moral, ele quer uma moral que faça o homem perceber sua função no mundo e que se perceba enquanto indivíduo livre (O Mito do Significado na obra de Jung). Há de se saber porque aceitar ou rejeitar, sem submissão ou rebeldia. Por isso a filosofia de Kant é crítica.

Moral em Kant é falar em ÉTICA. Lei é moral e não ética. O indivíduo  moral é o que se submete às leis e costumes, o indivíduo ético é o que cria seus padrões morais e o segue com dever.

Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant fala que a experiência de Deus nos leva a crer que Ele é uma realização ética. Traz também a noção do SER SUPRA- EMPÍRICO – sua existência é tão pura, tão crítica, tão racional, que ele ultrapassa um mero argumento de autoridade – transcende o mundo empírico e a si, ele está acima da mesquinhez humana. É preciso unir razão e sentimento.

Liberdade é uma propriedade da vontade, porém deve ser racional. Felicidade não é uma mera soma de contentamentos, segundo Kant, é um prazer gerado pela consciência, ou seja, não está presa ao sensível, mas ao SUPRA-SENSÍVEL. A felicidade é um estado universal, é um construir diariamente.

A boa vontade kantiana faz lembrar os termos clássicos VIRTÚ e FORTUNA, assim como Maquiavel utilizou: é mais do que virtude já que sem ela as outras virtudes e talentos humanos não seriam postos em prática, é mais do que fortuna (enquanto simples riqueza), pois não basta encontrá-la, é necessário cultivá-la interiormente em todos os nossos dias.

O Ser ético em Kant: “Àquele que foi dado o privilegio do saber, foi conferido também o dever de agir”.

As citações e referências kantianas são constantes nas obras de Jung, o que também é verdade é que, até hoje, o mundo Ocidental sofre uma forte influência de sua teoria do conhecimento, principalmente nos meios acadêmicos.

Se, por um lado, a teoria kantiana auxilia para que compreendamos melhor as ciências e cheguemos a um grande desenvolvimento tecnológico e científico, por outro lado dificulta o rumo à espiritualização, uma vez que coloca a nossa experiência mais profunda e mais íntima como uma realidade psíquica e não objetiva, tão diferente do que vivenciam os orientais, dos quais hoje sofremos forte influência no campo metafísico. Vejamos nas palavras de Jung, em Psicologia e Religião Oriental (pág. 102/103): “Este conflito também é conhecido pelo ocidental: para este, trata-se da relação entre o homem e Deus. A Índia moderna assumiu em larga escala, e posso confirmá-lo por minha própria experiência, a terminologia européia o ´si-mesmo` ou âtman, e Deus são termos essencialmente sinônimos. Mas, com uma certa diferença em relação ao binômio ocidental ´homem e Deus`, o conceito de ´eu`, como se nos afigura, é marcadamente psicológico. Por isso estaríamos inclinados a pensar que o problema metafísico ´homem e Deus` foi deslocado para o plano psicológico. Mas se pensarmos bem, verificaremos que não é assim, pois a noção hindu de ´eu` e de ´si-mesmo` não é propriamente psicológica, mas – poderíamos dizer – tão metafísica quanto a de ´homem e Deus`. Falta ao hindu, tanto quanto à nossa linguagem religiosa, a perspectiva da teoria do conhecimento. O hindu é ainda ´pré-kantiano`. Esta complicação é desconhecida na Índia, como também entre nós, em amplos setores. Por isso não há na Índia uma psicologia, no sentido ocidental do termo. A Índia é pré-psicológica, isto é, quando fala no “si-mesmo”, ela o pensa como objetivamente existente. A psicologia não faz assim. Com isto não pretende negar, de modo algum, a exitência do conflito, mas ela reserva para si a pobreza ou a riqueza do seu desconhecimento acerca do si-mesmo. Não resta dúvida de que temos uma fenomenologia sui-generis e paradoxal do si-mesmo, mas percebemos muito bem que identificamos  algo de desconhecido através de meios limitados, e o expressamos em estruturas psíquicas sem saber se elas são adequadas ou não à natureza daquilo que queremos conhecer”.

Em J. J. Clarke, Em Busca de Jung, percebemos a forte influência de Kant em Jung, mas também somos alertados para seu distanciamento (pág.50): “Um estudo dos pressupostos filosóficos subjacentes à obra de Jung leva-nos de volta ao grande filósofo do século XVIII Immanuel Kant. Desde seus primeiros dias, antes de ingressar na Faculdade de Medicina, Jung ficara profundamente impressionado com a filosofia de Kant, cuja influência lhe saturou o trabalho de toda a vida em tal extensão que, em 1941, pôde declarar que “epistemologicamente, apoio-me em Kant”, e ainda, (pág. 51): “O ponto de partida de Jung não diferiu inteiramente do de Hume e Kant, isto é, da crença de que a mente em si, e não o mundo além dela, é o objeto mais imediato de percepção, e que tudo o que alegamos conhecer é de certa maneira dela derivado. Por isso mesmo, ele argumentava caracteristicamente que ´em certo sentido, nada há que seja diretamente experimentado, exceto a própria mente. Tudo é mediado através da mente, traduzido, filtrado, alegorizado, torcido e mesmo falsificado por ela`. Isto não significa, porém, que temos acesso direto à mente em sua natureza mais profunda. Jung, tal como Kant, permaneceu invariavelmente agnóstico nesse ponto.”

Em outros aspectos Jung foi além do mestre, uma vez que Kant era a – histórico (pág. 54): “Para Jung, e também para Hegel e outros sucessores de Kant durante o período romântico, o entendimento humano tinha que ser compreendido em termos históricos”. Para Kant o entendimento é como uma necessidade lógica, (pág. 54): “Para Jung, por outro lado, a estrutura da consciência era um precipitado da evolução humana, um fato contingente da psique do homem, modelado pelo tempo e relacionado com suas condições históricas. Em outras palavras, os arquétipos são fatos contingentes da história e experiência humanas que, por mais profundamente enterrados estejam na psique, por mais antigos e enraizados na história, poderiam concebivelmente ter sido diferentes, caso a história humana, biológica e cultural, tivesse sido diferente. De fato, em seus últimos anos, Jung sentiu-se em condições de atacar Kant no próprio núcleo de sua teoria, ao argumentar que os conceitos de espaço, tempo e causação implantados na física newtoniana não eram, como acreditava Kant, princípios universais a priori, mas produtos da consciência humana, que muda e evolui com a história”. (Daí nossa dificuldade, como frutos de uma academia kantiana, em entendermos a sincronicidade, uma vez que esta rompe com tempo/espaço/causação)

Kant acreditava, como vimos, que o entendimento aliado a experiência levam a certeza de Deus, para Jung esse fato não se dá (pág. 56/57) : “Mesmo que a pesquisa psicológica provasse que a idéia de Deus está gravada na psique humana como uma imagem arquetípica universal, “nada de positivo ou de negativo é por isso afirmado sobre a possibilidade da existência de Deus”.

Clarke alerta para o fato de que apesar da forte influência de Kant em Jung, ele não pode ser considerado um kantiano, mas sim um neokantiano, alguém que ampliou a teoria do mestre e deu saltos significativos em relação a mesma.

O que é certo é a grande erudição de Jung, alguém que soube ler na história, no interior do homem, no pensamento dos grandes homens, nas crenças e religiões, nas ciências e no ocultismo a amalgama de que é feito o nosso ser  e, o mais importante, foi o fato de se deixar aberto para o novo, buscando na nova física  os dados que viriam esclarecer os buracos na compreensão da totalidade humana e cósmica.

Autora: Ercilia Simone Dalvio Magaldi

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