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Self-book como recurso para acessar Conteúdos Inconscientes durante o processo terapêutico

Esse artigo aborda a importância da Escrita Expressiva no processo de autoconhecimento e de transformação pessoal e como suas propriedades terapêuticas auxiliam na ordenação das ideias e consequentemente a fluidez na comunicação.

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu.

Clarice Lispector

Resumo: Esse artigo aborda a importância da Escrita Expressiva no processo de autoconhecimento e de transformação pessoal e como suas propriedades terapêuticas auxiliam na ordenação das ideias e consequentemente a fluidez na comunicação.

A escrita expressiva proporciona ao indivíduo compreender os acontecimentos do seu mundo interno e a interagir com o simbolismo das imagens, que são passos fundamentais para a regulação da tensão dos conteúdos Inconscientes e Conscientes da psique.

Ela é um potente recurso para produção de imagens, desbloqueio criativo e um meio para propiciar um profícuo e silencioso diálogo com os conteúdos simbólicos que habitam a psique, pois permite que conteúdos psíquicos possam aparecer espontaneamente.

Mas o que é a escrita expressiva?

É necessário ser poeta, ou poetisa, ser escritor, ou repentista?

As palavras devem rimar e abordar um assunto com maestria?

Não, na escrita expressiva o indivíduo escreve sobre seus sentimentos, pensamentos, afetos, sonhos e tormentos para chegar ao Hades e enfrentar seus aspectos mais sombrios e aterrorizantes.

Expressar no papel aquilo que sentimos é como dar voz aos diversos personagens que nos habitam e revelar aspectos inconscientes de nossa psique, possibilitando aliviar as “cargas” e mitigar a tensão dos núcleos afetivos, por essa razão, esse processo se torna tão transformador.

Depois de escrever, leio… Por que escrevi isto? Onde fui buscar isso?  De onde me veio isto?  Isto é melhor do que eu… Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?…

(PESSOA, 2016, p. 287)

Durante os anos de 1913 e 1930, Carl G. Jung descreveu regularmente sua autoexperimentação, com os exercícios frequentes de esvaziar a mente, o que ele denominou de “confronto com sua alma” e de “confronto com o Inconsciente”, material que primeiramente registrou nos Livros Negros.

Posteriormente, no Líber Novus (Livro Novo), assim denominado por Jung, por conter trabalhos tardios, ele transcreveu fielmente muitas das fantasias dos Livros Negros, incluindo reflexões e o significado de cada episódio, além de os copiar em escrita caligráfica. Esse livro também é conhecido como Livro Vermelho.

Esvaziar a mente parece ser uma ação tão necessária atualmente, num mundo em que os indivíduos são bombardeados por tantas informações, saber filtrar, analisar e classificar o que é útil, importante ou relevante, faz com que o indivíduo fique constantemente acorrentado à Consciência e aos seus processos.

De acordo com Jung (2013) a vida civilizada demanda em demasia da Consciência, de tal forma que houve um gradual distanciamento entre o ser humano e o Inconsciente.  

Jung classifica o Inconsciente em: Pessoal e Coletivo.

Para Jung (2014), o Inconsciente Pessoal é composto basicamente por conteúdos que perderam energia e que foram esquecidos, reprimidos ou que nunca emergiram à Consciência devido sua pouca intensidade psíquica. Alguns deles apesar de estarem inconscientes ainda podem ganhar força e essas cargas afetivas são denominadas por Complexos.  

Já o Inconsciente Coletivo, define Jung (2013), é o conteúdo herdado de todos os antepassados desde a origem dos tempos. É o gerador de todos os fatos psíquicos e o organizador dos processos conscientes e, por esta razão, influencia fortemente a liberdade da Consciência. Ele é constituído pelos instintos e pelos arquétipos e parece ser constituído por algo similar aos temas ou imagens de natureza mitológica. 

Para “entrar” no processo terapêutico, o indivíduo precisa ampliar a simbologia das imagens e a mitologia que o Inconsciente revela, decodificar a linguagem por ele trazida e mergulhar nas fantasias que ele apresenta.

Nesse movimento de ampliação simbólica, as seguintes questões surgem: “O que esse símbolo quer me dizer?”, “Qual o seu significado?”, “Qual a sua finalidade?”, “Como essa fantasia retrata a minha realidade?”.

Jung enquanto supervisionava seus pacientes, relatava seus experimentos e os instruía a fazerem o mesmo. Ele costumava pedir uma cópia desses trabalhos para estudar essas imagens e compará-las com as dele. Para alguns ele até sugeriu que elaborassem seu próprio Liber Novus.  Ele comentou esse procedimento em uma carta a J.A. Gilbert em 1929:

Descobri que, às vezes, é uma grande ajuda, ao manusear um caso desse tipo, encorajá-los a expressar seus conteúdos específicos na forma de escrita ou de desenho e pintura. Existem tantas intuições incompreensíveis nesses casos, fragmentos de fantasia que surgem do inconsciente, para as quais quase não existe linguagem adequada. Deixo que meus pacientes encontrem suas próprias expressões simbólicas, sua “mitologia.

(JUNG, 2020a, p. 94 grifos do autor)

Verifica-se assim a eficácia da escrita expressiva durante o processo terapêutico. Onde a palavra oral não encontra o significado para elucidar os conteúdos inconscientes, realizar a amplificação simbólica e integrar criativamente a experiência psicológica.

Para Philippini (2018) a palavra é como uma fonte geradora da produção de imagens. Ela considera a palavra uma caixa que contém múltiplas potencialidades simbólicas e que, às vezes, uma única palavra pode estar “grávida” de significados.  

As palavras, por vezes, brotam repletas de infinitos significados, dando a possibilidade da expansão de ideias e percepções que anteriormente estavam adormecidas. 

Esse é um processo que se inicia despretensioso e que com a prática amplia a fluência da comunicação e da integração dos conteúdos.

Philippini considera que no processo arteterapêutico a escrita criativa tem a importância de escrever para compreender a si mesmo, que as palavras seriam como o Fio de Ariadne que conduziriam para a saída do labirinto e que a codificação de afetos e emoções através da palavra é uma das possibilidades expressivas de se acessar o inconsciente. (Cf. PHILIPPINI, 2018, p. 111)

Os “Self-books”, ou “Livros do self”, ou ainda, “Livro feito à mão” são os nomes dados ao conteúdo criado mesclando-se a escrita com os diversos materiais expressivos e recursos plásticos, e uma infinidade de temas e subjetividades podem ser abordados.

Na criação desse livro, pode se utilizar colagem, decupagem, desenho, fotografia, pintura, poema, poesia, tecidos e linhas e de toda possibilidade criativa disponível para dar concretude às imagens e ideias.

Cada um desses recursos auxiliará o indivíduo a mergulhar nos processos expressivos acessando algum aspecto de sua personalidade a ser aperfeiçoado, por exemplo:

O uso da colagem colabora nos processos de estruturação, organização, sintetização, integração, além de ser uma facilitadora do início do processo terapêutico.

O desenho auxilia na ampliação da objetividade, na percepção espacial, na observação, na coordenação visual e motora, na percepção das relações luz e sombra e ativar a memória.

A fotografia serve para resgatar memórias afetivas, desenvolver a percepção da autoimagem, autopercepção sobre si e sobre o entorno, além de servir como ponte para outras linguagens plásticas, como pintura e colagem. 

A pintura auxilia o indivíduo a desbloquear e ativar o fluxo criativo, facilitar a liberação de conteúdos inconscientes, fazer experimentações sensoriais e lúdicas através das cores, além de ter a possibilidade de mobilizar emoções.

Confeccionar o self-book é mergulhar no mundo interno e resgatar fragmentos da história de nossas vidas, ter a possibilidade de decodificar imagens simbólicas e padrões arquetípicos e com muita paciência e atenção, permitir a integração desses conteúdos à Consciência, que é o objetivo do processo de individuação.

 A codificação de emoções e afetos pela mediação da palavra corresponde a mais uma, entre as inúmeras das possibilidades expressivas de acesso ao inconsciente, oferecendo canal e continente para sentimentos difusos e, muitas vezes desconhecidos. (…)

A escrita oferece meios de estabelecer um efetivo diálogo silencioso entre indivíduo e fragmentos seus, muitas vezes, sombrios e inconscientes que, em cada releitura dos textos produzidos, tornam-se mais claros, pois gradualmente os significados vão sendo apreendidos pela consciência.

(PHILIPPINI, 2018, p. 113)

Como vemos, a releitura do self-book propicia a continuidade do processo terapêutico e como disse o filósofo Heráclito de Éfeso: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois, na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem.”  

Acessar o Inconsciente e ouvir o que o Self quer de nós, encontrando o sentido e o significado de nossa vida, para que possamos nos realizar através desse mito, deve ser a busca de cada indivíduo. Pois, podemos estar atravessando o deserto, mas se tivermos a consciência de que o Inconsciente é um oceano com infinitas possibilidades e que contém as respostas para as nossas dúvidas mais cruciais, nenhuma aridez externa impedirá que nos saciemos com a água da fonte da vida e a escrita expressiva oferece meios para que essa travessia seja feita de forma mais fértil.

Você já se utiliza desse recurso? Se ainda não, experimente e elabore o seu selfbook e depois comente conosco como foi a sua experiência. Boa travessia!

Cristiane dos Santos – Analista em formação IJEP

Dra E. Simone Magaldi – Analista Didata IJEP

Referências:

JUNG, C.G. O Livro vermelho: Liber Novus. Edição: Sonu Shamdasani; tradução: Edgar Orth; revisão da tradução: Dr. Walter Boechat, Petrópolis: Vozes, 2010

______ A Natureza da Psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

______ Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. 11.ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

______ O Eu e o Inconsciente. 27.ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

______Os Livros Negros, 1913-1932: Cadernos de transformação. Edição: Sonu Shamdasani; tradução: Markus A. Hediger; revisão da tradução: Dr. Walter Boechat

Petrópolis: Vozes 2020a – Livro I – 2020b -Livro II

PESSOA, Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa. Volume 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016

PHILIPPINI, Angela. Arteterapia: Métodos, projetos e processos. 3.ed. Rio de Janeiro: Wak, 2013

PHILIPPINI, Angela. Linguagens e materiais expressivos em arteterapia: uso indicações e propriedades – 2.ed. Rio de Janeiro: Wak, 2018

SANTOS, Cristiane dos. Trabalho Monográfico para obtenção do título de especialista em Arteterapia e Expressões Criativas – IJEP: Arteterapia de abordagem Junguiana: A Escrita Expressiva revelando aspectos da sombra e o caminho para transformação no processo terapêutico, 2022.

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