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Terapêutica e sexualidade – parte II

sexualidade e psicologia

Desde os primórdios, a sexualidade tem exercido grande fascínio sobre as pessoas de todas as camadas sociais. Na arte, literatura, religiões, filosofias e outros sistemas preocupados principalmente em moldar o comportamento humano, tentam até hoje, estabelecer valores e tabus sexuais. Nesse contexto, torna-se importante definir a sexualidade, em uma dimensão mais ampla, de forma biopsicossocial e espiritual, em que a sua dimensão biológica é apenas um dos seus aspectos, talvez socialmente o seu aspecto principal, cujo viés para muitos seja o mais importante, negligenciando-se todos os outros aspectos de completude do indivíduo.

A sexualidade é um dos aspectos da dimensão humana, cercada de muito sofrimento, em razão do ocultamento e da aura do pecado, imposto principalmente pela formação judaico-cristã da sociedade ocidental. A cultura do pecado manteve o véu da ignorância e do preconceito em torno do assunto e em razão disso, pouco se fala e se pesquisa sobre o tema, dado os parcos recursos bibliográficos disponíveis.

Outro aspecto perpassa pelo conceito de normalidade, como se todos os indivíduos fossem iguais e subjugados a essa “normose” social. Ora, as sociedades são entidades dinâmicas. Assim, o que é normal hoje pode ser anormal amanhã e vice-versa, uma vez que os padrões culturais mudam com o tempo e metaforicamente deve-se também, acompanhar essa mudança.

De acordo com Cavalcanti & Cavalcanti, do ponto de vista psicológico, “sexo normal” é aquele que assim é considerado dentro da visão particular de cada um. O que importa na verdade, é a satisfação pessoal ou a adequação sexual de cada indivíduo. Importante lembrar também que “adequação” pressupõe um estado de satisfação intra e interpessoal, ou seja, se o indivíduo está satisfeito com o seu comportamento sexual e com o do seu parceiro(a), ele/ela é uma pessoa normal ou adequada, do ponto de vista psicológico.

Quando se fala em sexualidade humana, sabe-se que é impossível compreendê-la de forma simplificada, sem admitir sua natureza multidimensional. Ela pode ainda ser banalizada e literalizada em sua forma biológica (pênis e vagina), embora se saiba que a diversidade dos conceitos contemporâneos (LGBTQIA+) tenha ultrapassado essa dimensão e isso tem trazido inúmeras dúvidas e aumentado a dificuldade e o preconceito no divã, em um momento em que os muitos terapeutas não conseguem lidar e ampliar a sua própria sexualidade.

Nesse sentido, torna-se importante observar o tipo de educação sexual que o indivíduo recebeu na família. É fato que hoje na sociedade contemporânea, essa discussão se torna bem mais ampla e difundida pelos meios digitais, fato que a algum tempo, não se falava ou comentava, devido aos inúmeros mitos, crendices e tabus sexuais familiares. Muitos carregam ainda indícios desse tipo de educação sexual, que chamo carinhosamente de “educastração sexual”.

Nos tempos atuais, o destaque que se da à sexualidade, principalmente com a erotização, objetiva-se apenas o culto ao corpo e ao consumismo.Tudo é erótico e erotizável, desde uma simples propaganda na televisão, às letras de músicas e danças de todo gênero. Pouco se aborda acerca da importância emocional do contato humano. Há claramente, a vigência de estereótipos sexuais repressivos e de seus preconceitos e tabus. O corpo de cada um, local em que o prazer pode ser mais intenso e gratificante, é o que mais sofre com os condicionamentos sociais, gerando doenças e disfunções, dificultando os espaços relacionais e a manutenção saudável e prazerosa da convivência conjugal, ocasionando dores, mágoas e rupturas dos casais, razão pela qual inúmeras pessoas procuram os consultórios médicos e psicoterápicos, na esperança do encontro de si mesmo e de maior conhecimento afetivo sexual.

Cavalcanti & Cavalcanti menciona que o estudo dos problemas sexuais é algo relativamente novo e ainda não existe no Brasil nenhuma disciplina específica, nem nos cursos de medicina, muito menos nos cursos de psicologia, que trate especificamente das questões sexuais e as referências bibliográficas são bem limitadas ligadas ao tema. Jung, em sua obra, também não aprofundou muito, porém, mesmo sendo um homem do seu próprio tempo, com todas as limitações sociais da época não fugiu à discussão, apesar de deixá-la incipiente. Assim mesmo, diante da precariedade, conseguiu abordar em sua obra, uma visão completamente despretensiosa e livre de preconceitos.

Esse fato, todavia, não deve servir de pretexto para que profissionais médicos e psicólogos neguem efetiva ajuda às pessoas com esse tipo de dificuldade.

Jung cita a psicoterapia como um “procedimento dialético”, ou seja, um diálogo entre duas pessoas (importante citar que a dialética era a arte de conversação entre os antigos filósofos). Veja-se:

“A pessoa é um sistema psíquico, que atuando sobre outra pessoa, entra em interação com outro sistema psíquico. Esta é talvez a maneira mais moderna de formular a relação psicoterapêutica médico-paciente”.(JUNG 2020).

Nesse sentido, é necessário que o analista esteja preparado para atender e entender as dificuldades contemporâneas relacionadas à sexualidade, sem que se tenha necessariamente que encaminhar o cliente a outro profissional “mais capacitado” no tema em questão, já que essa formulação dialética, de acordo com Jung, nada mais é que a troca entre dois sistemas psíquicos. É necessário se atentar à responsabilidade dessa terapêutica e jamais negligenciar o processo da “alma”. 

Nesse sentido:

“Aquilo que não está claro para nós, porque não o queremos reconhecer em nós mesmos, nos leva a impedir que se torne consciente no paciente, naturalmente em detrimento do mesmo. A exigência de análise para o próprio analista tem em vista a idéia do método dialético. Como se sabe, o terapeuta nele se relaciona com outro sistema psíquico, não só para perguntar, mas também para responder (…) que no processo dialético se encontra em pé de igualdade com aquele que ainda é considerado paciente. (JUNG 2020, p.18)”

Trabalhar com transtornos de natureza sexual é um desafio para qualquer terapeuta. De acordo com Jung, o terapeuta vivencia junto com seu paciente, um processo evolutivo individual. Todavia, ele necessita também se colocar nesse espaço como aprendiz e não negar a dificuldade com o tema, razão pela qual, Jung exigia que todo terapeuta fosse “obrigatoriamente” analisado. 

Com efeito, por também ser parte integrante do processo psíquico, imprescindível que ele estivesse em análise da mesma sorte que seu paciente. Nas palavras dele, “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente. A palavra, a mera palavra, sempre foi considerada vã”. (JUNG 2020, p.87).

Por fim, acerca do tema, entendeu Jung:

(…) “Já não é possível hoje em dia passar por cima da importante realidade psicológica da sexualidade com ar de deboche ou com indignação moral. Começa-se a incluir a questão sexual no círculo dos grandes problemas e a discuti-la com a seriedade que sua importância merece. (JUNG 2019, p. 112)”

Maria Ivanilde F. Alves ( Ivy Alves) Membro Analista em Formação do IJEP

Dra E. Simone Magaldi

Membro didata do IJEP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAVALCANTI, R; CAVALCANTI, M. Tratamento Clínico das inadequações sexuais. 5.ed.Payá, 2020.

JUNG, C.G. A prática da psicoterapia. Vol.16/1. Vozes, 2020

JUNG, C.G. Civilização em transição. Vol.16/1. Vozes, 2019.

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