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A Importância dos Desenhos na prática arteterapêutica

A linguagem do inconsciente é a linguagem dos símbolos. Ao analisarmos o desenho como manifestação do inconsciente, estaremos nos prontificando para a conscientização dos conteúdos ali demonstrados simbolicamente. Buscamos, desta forma, perceber e utilizar o desenho como poderosa ferramenta que favorece o processo de individuação.

Uma jovem senhora Inglesa passa a fazer incríveis desenhos realistas depois de sofrer uma pancada na cabeça.  Em 2012, esta mulher de nome Taylor, na ocasião com 49 anos, apresentou um talento artístico para o desenho após ter caído de uma escada e bater o lado direito de sua cabeça. Apesar de sempre gostar de desenhar, os professores á desencorajavam por ela não apresentar muita habilidade para o desenho como os demais alunos. Quando Taylor começou a mostrar habilidade antes não vistas em seus desenhos, os médicos suspeitam da chamada síndrome adquirida de Savant.

A síndrome é diagnosticada a partir da detecção de habilidade específica que a pessoa não possuía antes de um evento brusco. Existem casos em diferentes áreas do conhecimento como por exemplo, nas artes, no cálculo e na mecânica. Segundo o psiquiatra Darold Treffert, o evento desbloquear áreas cerebrais ainda pouco utilizadas, produzindo novas habilidades.

Esta aquisição acontece após um traumatismo, onde um dos lados do cérebro compensa o prejuízo sofrido pelo outro lado. Então, o que foi despertado em Taylor, por uma pancada, nas crianças, porque ainda não passaram pelos condicionamentos pedagógicos e culturais, acontecem naturalmente.

Para a criança desenhar basta dar material em suas mãos. Mas, ao deixarmos a infância para trás, essa capacidade diminui dando lugar a críticas com a própria produção e, ao uso de outro código de linguagem, a escrita.

Concordo que numa escala de habilidades para sobrevivência, saber desenhar não está situada entre as 100 primeiras. Mas, tenho plena convicção de cada benefício que existe ao desenhar. O desenho como ferramenta gera e estimula o autoconhecimento. Quando a teoria junguiana está como base, a possibilidade de ampliação de consciência é ainda maior. Comprovado cientificamente, o ato de desenhar promove novas conexões neurais, estimulando e ativando o cérebro em sua plasticidade. Em doenças neurodegenerativas o desenhar tem ação interventiva e preventiva comprovada, e é usado por profissionais da área da saúde como os terapeutas ocupacionais. Além das vantagens e benefícios do ato de desenhar já reconhecidos, os desenhos podem ser uma grande fonte de informações emocionais, mentais e espirituais.

Em crianças na fase de pré-alfabetização, que é a preparação para o aprendizado da escrita, o desenhar tem importante papel. Quanto mais ela estiver familiarizada em expressar-se por meio do desenho, mais terá trabalhado atributos como percepção, criatividade, motricidade, repertório, lateralidade, atenção, entre outros, que vão interferir diretamente na sua alfabetização. Existe também ligação direta entre a estruturação de desenho e o número de vocábulos da criança. Quanto maior o detalhamento, maior a complexidade do desenho mais rico o vocabulário da criança.

Toda criança desenha. Sem o freio inibitório da crítica, a criança reconhece no desenho o meio de comunicação que ele é, naturalmente e espontaneamente expressando o que quiser. Independente do material usado, no ato de desenhar existe uma captura da atenção dos pequenos, que é o mesmo que acontece com os adultos. A ação de desenhar tem a característica de reter a atenção baixando a frequência cerebral. Como consequência da menor agitação mental e maior atenção focada, o indivíduo adulto ou criança, tem significativa diminuição da tensão cotidiana, sofre menos com os efeitos da pressão social, ganha alívio do estresse e ansiedade, conecta-se com seu mundo interno, etc.

Segundo a neurologia em 98% das pessoas o lado direito do corpo é orientado pelo lado esquerdo do cérebro que é predominante na maioria das culturas. Ao pintar/desenhar, você necessariamente faz a transição entre os hemisférios cerebrais, passando a predominância de atuação do esquerdo para o direito. Em nossa cultura, somos impelidos a explorar e atuar sob a tutela das mesmas características que predominam no hemisfério esquerdo, responsável pelo lado direito da motricidade, enquanto o hemisfério direito é estimulado para ficar atrofiado. Esse hemisfério se ocupa da linguagem, da racionalidade, da linearidade, do cartesianismo, da predominância e estímulo social do uso da mão direita e até de expressões corriqueiras como: começar com o pé direito! O pé direito da casa, etc., etc., etc. Enquanto o hemisfério direito é dedicado ao expressivo, a soltura, a abstração, a subjetividade, ao lúdico, a emoção, etc., etc., etc. Se deduz assim, que esses valores não são considerados importantes na maioria das sociedades.

Mas para nós, um importante dado á saber é que o hemisfério cerebral direito detém a habilidade do desenhar. Acontece que quando usamos o hemisfério cerebral esquerdo para desenhar, que é o mais comum que aconteça, o resultado no papel fica decepcionante. Essa é uma das razões pela qual os adultos dizem não saber desenhar. Outra razão fica por conta da expectativa em desenhar com realismo, mesmo sem ter desenvolvido técnica alguma. Não é possível para qualquer pessoa fazer qualquer atividade bem-feita sem técnica e treino. Se você não desenha regularmente nem participou de aulas de desenho, suas produções terão muita chance de saírem aquém do desejado. Existe uma fantasia de que desenhar é um dom. Os dons podem existir, mas não anulam o desenvolvimento pela técnica, e liberdade de expressar-se.

Em concordância com Edwards, desenhar é como andar de bicicleta, todos com o mínimo de motricidade podem aprender a andar de bicicleta e/ou aprender a desenhar. Algumas pessoas se tornaram atletas em diferentes categorias e modalidades do ciclismo, enquanto outras andaram recreativamente num parque e outras usam a bicicleta para ir ao seu local de trabalho. O mesmo acontece com o desenhar, existem desenhistas profissionais e recreativos.

 Como o lado esquerdo do cérebro tem “natural” predominância, para desenhar, primeiro devemos aprender a transferir essa predominância para o lado direito do cérebro. A partir do momento que a transferência acontece a expressão pelo desenho ganha status de aventura. E a anulação de críticas e suspenção de julgamentos do certo e do errado, típicos do hemisfério esquerdo, caem por terra. Com isso, o indivíduo poderá fazer desenhos com liberdade, sem sofrer as interferências do mundo externo que lhe tolhem a expressão, sentindo-se seguro para expor suas emoções. Para que aconteça esse desbloqueio e os trabalhos artísticos tragam uma nova forma de ver o mundo e de ver a si próprio, existem alguns exercícios que potencializam a predominância do hemisfério direito.

A capacidade para o desenho depende da capacidade de ver da maneira que um artista vê, e esta forma de ver pode enriquecer sua vida de um modo maravilhoso.  Edwards

Na década de 90, Gregg Furth, a partir de sua pesquisa de doutorado nos mostra o quanto o desenho espontâneo, por ser flexível na sua aplicação, torna-se uma ferramenta terapêutica imprescindível. Também aponta para os desenhos espontâneos como ricos em material psíquico tanto quanto os sonhos. Desenhar não tem nenhum tipo de discriminação, muito pelo contrário, ele vem ao encontro com uma das necessidades primárias do ser humano. A necessidade da expressão.

Jung enxergava o valor dos desenhos que contém símbolos do inconsciente, percebendo que eles poderiam ser úteis como agentes de cura. Furth (O mundo secr. des. Pág. 29)

O desenho permite a comunicação com informações manifestadas ou reprimidas da psique do indivíduo. Ultrapassa a interação consciente, estabelecendo uma comunicação terapêutica valiosa. Em conteúdos manifestados conscientemente podemos usar um crivo analítico, o que possibilita o indivíduo repensar suas ações. Em conteúdos não conscientes, o desenho auxilia a tornarem-se conscientes, podendo desta forma serem confrontados. Tendo em vista que a psicologia analítica tem como objetivo a ampliação da consciência, o desenho tem lugar assegurado no setting arteterapêutico com esse olhar. Pois, mostra ao desenhista sua vida psíquica e, a arteterapia em si, alcança níveis da inconsciência onde os medos, os conflitos, as emoções repousam e, assim, eleva a personalidade, desperta o curador interno, despotencializa conflitos, canaliza as energias em prol do processo de individuação, podendo promover a cura.

A linguagem do inconsciente é a linguagem dos símbolos. Ao analisar o desenho como manifestação do inconsciente, estaremos prontificando a nos conscientizarmos dos conteúdos ali demonstrados simbolicamente. Buscamos desta forma perceber e utilizar o desenho, poderosa ferramenta, que favorece o processo de individuação.

A justificativa é que a arte transborda os limites do entendimento conceitual acadêmico. O seu código, essencialmente presente nas produções artísticas é o símbolo, que pode ser alcançado por todos. O símbolo é livre de definições fechadas e é a linguagem primordial do inconsciente como dito. Ao nos determos diante de um desenho, estamos sendo afetados e, por mais que tentemos entender a simbologia ali presente, não o conseguiremos. A tentativa de decifração é típica da consciência que tem por atribuição definir, distinguir, nomear, discernir, ordenar… o mundo ao seu redor. Deste modo, não lhe é própria a linguagem do inconsciente, deixando-a sem condições de “ler” os símbolos. Quando alguém diz interpretar uma imagem corre o enorme risco de estar na verdade protegendo-se da imagem. Pois a mesma, tem o poder de provocar tamanho desconforto para o ego que estaria acomodado num lugar central e de controle da psique. O melhor que nos resta a fazer é entender o símbolo como a melhor representação de algo que não podemos entender plenamente, e que viver a vida simbolicamente permite que nossa energia psíquica flua harmonicamente.

As imagens simbólicas desenhadas pelo indivíduo são representantes diretas do arquétipo. São peculiares ao desenhista e universais á humanidade. O desenho aponta para o símbolo, que aponta para o arquétipo, que está além da compreensão do homem manifestado. Mora aqui, mais um motivo que dá a devida importância, a justa autonomia, a justificativa para a arteterapia ter seu espaço independente, a clara explicação da força da arte, a razão do porquê a arte cura: Fazer arte é típico do humano e nos faz humanos. No ato criativo tem-se a condição necessária para transcender a limitada consciência do homem para uma realidade metafísica.

Referências

BÉRNARD, Nicole. Como Interpretar os Desenhos das Crianças. Editora Isis. São Paulo. Ano: 1998.

CAMPOS, Dinah Martins de Souza. O Teste do Desenho Como Instrumento de Diagnóstico da Personalidade. Rio de Janeiro. 21ª Edição. Editora Vozes. 1991.                                                                                              

CHAVES, Dario; JUBRAN, Alexandre; Manual Prático de Desenho; São Paulo: Editora: Editora Tipo. Ano: 2002.

EDWARDS, Betty; Desenhando com o Lado Direito do Cérebro; São Paulo: Editora: Ediouro. Ano: 2001.

FURTH, Gregg M. O Mundo Secreto dos Desenhos. Uma Abordagem Junguiana da Cura Pela Arte. 1ª Edição. São Paulo. Editora: Paulus Editora. Ano: 2004.

JUNG, Carl Gustav. A prática da Psicoterapia. Volume. VXI/1.  12ª edição. Rio de Janeiro Editora: Editora Vozes. 2009.

JUNG, Carl Gustav. O Espirito na Arte e na Ciência. Volume. VX.  5ª edição. Rio de Janeiro Editora: Editora Vozes. 2009.

LEO, Di. A Interpretação do Desenho Infantil. Edição: 3. Tradução: Strey, Marlene Neves. Porto alegre. Editora: Artes Medicina. Ano: 1991.

REILY, Lucia.  Armazém de Imagens: Ensaio Sobre a Produção Artística de Pessoas com Deficiência. São Paulo. Editora: Papirus Editra. Ano 2000.

STEIN, Murray. Jung o Mapa da Alma. 5ª Edição. São Paulo. Editora: Editora Cultrix. Tradução: Cabral, Álvaro. Ano: 2006.

WILLIAN JOSÉ DA SILVA – Analista Junguiano em formação do IJEP.

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