… Adentrei a vida da floresta marrom,
Jeffers, Robinson apud Macy, J; Brown, M. Y., 2004, p. 37-38
E a grande vida dos antigos cumes, a paciência da pedra, senti as mudanças nas veias
Na garganta da montanha, um grão em muitos séculos, temos nosso tempo, não o seu; e fui o riacho
Escoando os galhos da floresta; e fui o alce bebendo; e fui as estrelas
Fervendo de luz, vagando solitárias, cada qual senhora de seu próprio ápice; e fui a escuridão
Ao redor das estrelas, incluí-as, elas eram parte de mim. Fui ainda a humanidade, um líquen móvel
Na face da pedra redonda…
… como posso expressar a dignidade que encontrei, que não tem cor, mas clareza;
Não o mel, mas o êxtase…
Resumo: Neste artigo aborda-se a aproximação da experiência de (re)conexão do banho de floresta com o termo participação mística presente na narrativa junguiana. Ambos os temas são apresentados enfatizando-se aspectos que os aproximam. Essa reflexão traz a importância de uma mudança de perspectiva dos seres humanos em relação à natureza para atravessar a crise que afeta o planeta Terra.
Referindo-se às estrofes acima Macy e Brown (2004) colocam a importância de haver mudanças nos seres humanos em relação ao mundo natural para um despertar de uma grande mudança (Grande Virada) que possua uma base cognitiva, espiritual e perceptiva para a humanidade passar pela crise que afeta o planeta Terra:
“Essa mudança em nosso senso de identidade salvará vidas nos traumas sociopolíticos e ecológicos que nos aguardam.” (MACY; BROWN, 2004, p.38)
Com essa colocação pontuo a importância de uma mudança de perspectiva dos seres humanos em relação à natureza trazendo relevância para a seguinte reflexão: poderia a experiência de (re)conexão do Banho de Floresta ser aproximada do termo participação mística presente na narrativa junguiana? Essa questão me surgiu ao participar de Banhos de Floresta e ao ouvir o relato de outros participantes (que conduzi ou foram conduzidos por outros guias de Banho de Floresta).
Serão abordados a seguir, de forma breve, o Banho de Floresta e a Participação Mística, com ênfase em aspectos que os aproximam.
Banho de Floresta ou Shinrin-Yoku
O Banho de Floresta é também conhecido pelo termo Shinrin-Yoku. Shinrin traduz-se como floresta e Yoku pode ser traduzido por banhar-se. De forma mais abrangente é possível compreender Shinrin-Yoku como banhar-se na atmosfera da floresta com todos os sentidos despertos. (cf. SELHUB; LOGAN, 2012) Essa expressão foi criada no Japão por Tomohide Akiyama, em 1982, que teve como objetivo ter uma marca única que associasse o ecoturismo de florestas com saúde e bem-estar. (cf. CLIFFORD, 2018)
Os Banhos de Floresta, no entanto, são práticas com raízes ancestrais. O xintoísmo, religião tradicional japonesa que teve forte influência na formação do povo japonês, acredita no poder curativo das florestas e tem a visão de que todas as coisas – rios, montanhas, árvores… – são habitadas por espíritos. Povos originários por todo o planeta sempre buscaram a cura em meio ao mundo natural: colhendo ervas, raízes, fazendo rituais e entrando em relação com outros seres.
“Onde houver povos tradicionais e florestas, há práticas terapêuticas baseadas na floresta.” (CLIFFORD, 2018, p 23)
Vários benefícios a nível físico e psíquico estão sendo comprovados atualmente para o ser humano que participa do Shinrin-Yoku. Benefícios como diminuição do stress, da ansiedade e dos sintomas depressivos; melhora no sono e na sensação de vivacidade foram confirmados por pesquisas realizadas por uma equipe na Universidade de Chiba pelo Centro de Meio Ambiente, Saúde e Serviços de Campo. Em outras pesquisas resultados objetivos de queda de cortisol, frequência cardíaca e pressão arterial foram constatados, que afetam o sistema circulatório e nervoso parassimpático, o que resulta em diminuição do stress (cf. SELHUB; LOGAN, 2012, p.19).
O aumento da imunidade foi outro benefício constatado, segundo Li e colaboradores (2009) pelo aumento das células assassinas naturais humanas (células NK) após a exposição a fitoncidas de árvores, presente em florestas. A consideração dos resultados das pesquisas científicas atuais relacionadas aos Banhos de Floresta e o reconhecimento e aceitação da natureza como parte dos seres humanos é de extrema importância, pois acarretará numa grande influência na sobrevivência de indivíduos, de nações e do planeta. Pode-se entender que o cérebro é influenciado pela natureza e responde ao ambiente natural, isso influencia diretamente na saúde dos seres humanos e do planeta, além de diminuir o distanciamento da natureza que leva a um menor envolvimento perante a crise ambiental (cf. SELHUB; LOGAN, 2012).
Durante a prática do Banho de Floresta os sentidos são percebidos, os pensamentos vão diminuindo de intensidade e há um foco no estado presente que faz com que a floresta seja percebida.
“Quando permitimos que a floresta ocupe o seu lugar dentro de nós, ela ajuda a capacidade natural de cura e bem-estar do nosso corpo.” (CLIFFORD,2018, p. 20)
O foco da prática é a ligação e a relação, sentir e experienciar o pertencimento ao mundo natural, o ritmo é lento (diferenciando-se de uma caminhada), busca-se o silêncio e a imobilidade. Segundo Clifford (2018, p. 22):
Tomar um banho de floresta é ficar imerso num estado de graça que permeia o mundo, sentir um poder imanente e uma beleza que estão em todo o lado, a sussurrar. É a nossa herança humana enquanto membros da comunidade da Terra, não apenas para ouvir esses sussurros, mas para lhes juntarmos as nossas próprias vozes. Se aprendermos isto, talvez possamos começar a reparar alguns dos danos que a nossa espécie causou e encontrar novas maneiras de cuidar do bem-estar do vasto mundo selvagem.
O Banho de Floresta é uma prática de conexão com o mundo natural e que, segundo Li (2018), traz um sexto sentido além dos cinco sempre mencionados – tato, paladar, visão, olfato, audição – que proporciona uma conexão além do limite humano, uma conexão com o mundo. Segundo o autor é uma sensação de felicidade e de entusiasmo, de transcendência, que quando experienciada pode-se dizer que realmente ‘banhou-se em uma floresta’.
Após essa breve apresentação sobre o Banho de Floresta será apresentada a Participação Mística presente na psicologia junguiana.
Participação Mística
O antropólogo, filósofo, escritor, sociólogo e professor universitário da universidade de Paris, Lucien Lévy-Bruhl (Paris,1857 – id.,1939) (cf. WIKIPÉDIA, 2013) descreveu o termo participation mystique. Elealega que a participação mística ocorre nos povos originários, pois estes não compreendem a alma (psique) como uma unidade. Muitos deles acreditam ter uma “alma do mato” além da sua própria (em algum animal selvagem ou árvore) com a qual mantem uma identidade psíquica. Lévy-Bruhl chega a retirar essa descrição que fez, devido às críticas ocorridas, mas Jung acredita que seus críticos foram injustos (cf. JUNG, 2009) e afirma que é “um fenômeno psicológico bem conhecido o de um indivíduo identificar-se, inconscientemente, com alguma outra pessoa ou objeto.” (JUNG, 1995, p.24).
A participação mística é um fato psicológico onde “entre o sujeito e o objeto não há aquela distinção absoluta que se encontra em nossa mente racional. O que acontece fora, acontece também dentro dele, e o que acontece dentro dele, acontece também fora.” (JUNG, 2013a, p.98)
É a partir do inconsciente que a consciência se desenvolveu e ainda continua em processo de desenvolvimento. Estima-se que esse processo trabalhoso e lento alcançou o estado de civilização por volta de 4000 a.C. com a invenção da escrita, mas que ainda está longe de sua conclusão, pois muitas partes da alma humana ainda se encontram na escuridão (cf. JUNG, 1995).
Segundo Jung (2009, p.23), a psique (constituída pela consciência e pelo inconsciente) é uma parte da natureza e, como esta, ilimitada.
A consciência ainda não chegou a um grau razoável de continuidade, ocorrendo ainda fragmentações. O ser “civilizado” tem a capacidade de se concentrar em determinada situação, mas acaba suprimindo aspectos psíquicos que podem emergir espontaneamente sem a consciência esperar que isso ocorra, sendo esta situação conhecida pelos povos originários como “perda da alma”. Jung (1995, p.25) coloca que:
[…] mesmo nos nossos dias, a unidade da consciência ainda é algo precário e que pode ser facilmente rompido. A faculdade de controlar emoções que, de um certo ponto de vista, é muito vantajosa, seria, por outro lado, uma qualidade bastante discutível já que despoja o relacionamento humano de toda a sua variedade, de todo o colorido e de todo o calor.
É sob esta perspectiva que devemos examinar a importância dos sonhos — fantasias inconscientes, evasivas, precárias, vagas e incertas do nosso inconsciente.
Segundo Jung “a mente humana não existe (e não pode existir) fora de uma estrutura mítica, e negar a participação mística no universo apenas força a psique a encontrar outras estruturas de criação de sentido” (JUNG, 2023, p. 66 – 67, posfácio de Tim Newcomb). A participação mística seria um estado apriorístico verificado no ser humano, existente na relação do homem tradicional com o objeto, onde seus objetos têm animação dinâmica, estão carregados de matéria ou força anímica (mas nem sempre dotados de alma, como pretende a hipótese animista) e exercem influência psíquica direta sobre as pessoas, produzindo nelas como que uma identidade dinâmica com seu objeto (JUNG, 2013b, p. 308).
Tanto a abstração (verificada na introversão) quanto a empatia (verificada na extroversão) são “mecanismos de adaptação e proteção” contra perigos externos, defesas da consciência em relação à participação mística:
Assim como para o abstrativo a imagem abstrata representa um engaste, um muro protetor contra os efeitos destrutivos dos objetos inconscientemente animados, a transferência para o objeto é para o empatizante uma proteção contra a dissolução por fatores internos subjetivos que consistem em possibilidades ilimitadas da fantasia e correspondentes impulsos à ação.
(JUNG, 2013b, p.310)
Após breve apresentação do Banho de Floresta e da Participação Mística, a reflexão sobre a experiência de (re) conexão do Banho de Floresta poder ser aproximada do termo participação mística presente na narrativa junguiana pode tomar continuidade.
Seria a participação mística um estado de consciência diferenciado? Talvez uma consciência conscientemente inconsciente onde não há nem a defesa empática nem a abstrativa, onde a experiência psíquica não seja nem introversão nem extroversão, onde o colorido do mundo natural é vivido no seu calor e variedade e onde a conexão com o mundo natural acontece para além do limite humano, como é a sensação ao participar de um Banho de Floresta. É, conforme Clifford (2018), ser natureza, estar em estado de comunidade com o mundo natural.
Segundo Tacey (2009) o estado de participação mística presente nos aborígenes como em outros povos originários até a contemporaneidade é espontâneo e automático. O autor enfatiza que se deve tentar recuperar algo de semelhante para voltar ao passado e reanimar o mundo, porém de uma forma nova.
Uma guinada para além do mundo racional sem ser uma regressão para o passado, mas como num movimento cultural em espiral onde não haverá perda para a consciência e para a civilização, mas visando atingir uma consciência mais ampliada. Não haverá renúncia do intelecto e nem repressão do desenvolvimento, mas uma diminuição da ênfase dada a ambos com um simultâneo envolvimento com o lado originário do ser humano. Será um desenvolvimento espiritual e não egóico.
O Banho de Floresta proporciona a (re) conexão do ser humano com o mundo natural com uma experiência bem semelhante à participação mística e pode ser considerado, eventualmente, como uma nova forma de experienciar a participação mística, já fazendo parte do movimento em espiral para uma consciência mais integrada e estar atuando na Grande Virada.
Elfriede Walzberg – Analista em Formação do IJEP
Ajax Perez Salvador – Analista Didata do IJEP
Referências:
JUNG, C. G. A natureza da psique. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2013a
__________ Der Mensch und seine Symbole. 17.ed. Düsseldorf: Patmos, 2009.
__________ O Homem e seus Símbolos. 5.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1995.
__________Sete sermões aos mortos. Orlando: Press, 2023.
__________ Tipos psicológicos. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2013b
CLIFFORD, M. AMOS. O guia dos banhos de floresta. [s.l.] Lua de Papel, 2018.
LI, QING. Forest bathing: how trees can help you find health and happiness. [s.l.] Penguin Life, 2018.
LI, Q.; KOBAYASHI, M.; WAKAYAMA, Y.; INAGAKI, H.; KATSUMATA, M.; HIRATA, Y.; HIRATA, K.; SHIMIZU, T.; KAWADA, T.; PARK’, T B.; OHIRA, J.; KAGAWA, T.; MIYAZAK, Y. Efeito do fitoncídio de árvores nas células assassinas naturais humanas. Revista Internacional de Imunopatologia e Farmacologia. Vol. 22, no. 4, 950-959 25 ago. 2009.
MACY, J; BROWN, M. Y. Nossa vida como gaia. São Paulo: Gaia, 2004.
SELHUB, E. M.; LOGAN, A. C. Your brain on nature: the science of nature’s influence on your health, happiness and vitality. Toronto: Collins, 2012.
Tacey, D. Edge of the sacred – Jung, psyche, earth. Einsiedeln: Daimon, 2009
Wikipédia – a enciclopédia livre. (2013) Lucien Lévy-Bruhl. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lucien_L%C3%A9vy-Bruhl Acesso em: 21 jun 2025.
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