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Fascínio pela Perversão: Por que gostamos dos psicopatas? – Parte 1

Eles são charmosos, simpáticos, engraçados, envolventes e sempre possuem boas histórias. Diferentemente do que pensa a crença popular, a maioria dos psicopatas não são assassinos e sim pessoas que convivem entre nós.

Embora exista na literatura técnica alguma diferenciação nas descrições do que seria mais adequado chamar de “psicopata” e “sociopata”, existe grande equivalência conceitual quando analisamos a descrição do perfil voltado a transgressão. Por isso, adotarei o termo “psicopata” como condensador terminológico para otimizar o curso da explanação.

Independente da camada social ou status, os psicopatas são seres que não sentem culpa, empatia ou compaixão. Eles têm plena consciência das consequências de suas ações e sabem a diferença entre certo e errado. São autocentrados, calculistas, incapazes de se importar com os sentimentos dos outros e jamais se arrependem. Esvaziados de emoção e motivados ao poder, status e diversão, são capazes de passar por cima de tudo e de todos para satisfazer seus objetivos. São amorais, possuem um narcisismo exacerbado, tem ausência de empatia, desprezam as regras sociais e fazem sofrer as pessoas de seu convívio. 

Porém, mesmo com todas essas características, gostamos deles. Gostamos tanto que a mídia e os meios de comunicação os transformaram numa espécie de itens de marketing da cultura POP: eles são cultuados em filmes; séries de TV; canais dedicados (Discovery ID); livros; músicas (Psycho Killer dos Talking Heads, por exemplo); personagens nas histórias em quadrinhos (Coringa, Arlequina, etc); mídias sociais. Até as novelas do canal aberto adoram explorar o carisma e o charme dos psicopatas: quem não se lembra da Nazaré Tedesco, que até virou meme na internet?

O fascínio que os psicopatas causam é histórico e de longa data. Mas afinal: por que gostamos deles?

Para explorar essa questão, daremos um passo atrás para pensar sobre nossa convivência em sociedade. Ao mesmo tempo que somos individuais, somos também seres sociais, e vivemos numa intensa interação com diversos grupos que regem e influenciam nossas vidas.

Como indivíduos sociais, nossas ações e decisões afetam diretamente as pessoas ao nosso redor e, para que a convivência não se torne caótica, precisamos nos ordenar através de regras, leis, princípios, normas, quer sejam morais, religiosas, legais, que ajustem o relacionamento humano em todos os níveis.

Por outro lado, cada um de nós é um ser individual e nossa história é composta por tudo e todos que convivemos: somos um misto de valores, afetos familiares, necessidades pessoais, influências culturais, religiosas, etc.

Sendo assim, um indivíduo que convive em sociedade deve seguir uma série de regras. Somos estimulados a sermos pessoas virtuosas, a praticar o bem, pagar nossos impostos, perdoar o próximo, sermos sexualmente castos, não matar, mentir, roubar… 

Para que consigamos conviver de forma apropriada, revelamos parte da nossa personalidade que é destinada a produzir determinado efeito sobre os outros e sobre nós mesmos.  É a nossa parte predominantemente mais consciente, que chamamos de persona. Ela possui a função de adaptação do indivíduo ao coletivo, uma espécie de “máscara” intermediadora entre o mundo real e a nossa individualidade, ou seja, ela é um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém parece ser.

Porém existem características em nossa personalidade que não gostamos ou não somos conscientes e que contradiz com aquela persona com a qual gostaríamos de parecer sob aos nossos próprios olhos e aos dos outros.

Esta natureza oculta, sombria, indesejada e inerente a nós pode ser entendida como ameaça, confronto, desrespeito, tabu, proibido, entrando em contraposição ao equilíbrio coletivo.  Nossa consciência tende a reprimir ou não reconhecer os conteúdos sombrios, deixando-os no inconsciente ocasionando a sombra.

Quanto mais notória for a persona, maior sua contraposição inconsciente, e a sombra é ativada em forma de projeção para compensar o desequilíbrio.

Por outro lado, os psicopatas são pessoas que não aceitam as regras impostas pela sociedade. Agindo sem culpa ou nenhum remorso, se utilizam de todos os recursos possíveis como a sexualidade, manipulações, mentiras, fraudes, violências, para atingir seus objetivos.

Como precisamos manter a persona de uma “pessoa do bem”, não podemos revelar (e nem sempre temos consciência) dos nossos desejos perversos e de vingança. Não podemos assumir que ansiamos pelo sofrimento do outro, que queiramos levar vantagem a qualquer custo, dar golpes ou fraudar o sistema, por exemplo.

Como para os psicopatas as regras sociais são ridículas, nós projetamos nossa sombra neles, como se fossem um símbolo para a liberação das nossas fantasias reprimidas mais íntimas e perversas, ou seja, eles serviriam como uma “licença poética” de projeção de fantasias sórdidas do desejo de obter vantagens a qualquer custo, por exemplo.

E, quaisquer que sejam as fantasias, elas possuem um forte valor quanto função psíquica. Jung cita no livro O Eu e o Inconsciente – VII/II (2016, p.163) que “a fantasia tem em si mesma, um valor irredutível enquanto função psíquica, cujas raízes mergulham tanto nos conteúdos conscientes quanto nos inconscientes, e tanto no coletivo como no individual”.

A projeção é um mecanismo psicológico inconsciente que ocorre quando uma parte ativa da nossa personalidade está na sombra. Como os psicopatas carregam para nós a projeção do nosso lado obscuro, reagiremos a elas de modo condizente. 

Em outras palavras, como cada um de nós possui mostras psicopáticas, projetamos neles. Pois, no fundo, cada um de nós tem um traço criminoso e imoral, que vibra ao reconhecer a “coragem” do psicopata em realizar o que tememos fazer. Secretamente, nos deliciamos ao projetar nos psicopatas a audácia que eles têm em destruir quem não gostamos, de articular a queda do oponente, de usar qualquer meio lícito ou ilícito para atingir seus objetivos, em derrubar tudo e todos para ascender o poder.

Inconscientemente, o psicopata que nos habita reconhece, identifica e projeta no psicopata que vive entre nós.

Poeticamente falando, ao nos simpatizarmos com os psicopatas veríamos desnuda a nossa imagem sombria e inconsciente refletida no sumidouro daquele espelho.

Daniela Euzebio, analista em formação pelo IJEP.

(11) 99623-5529  – daniela.euzebio@gmail.com

Atendimento: R. Domingos de Morais, 2781 – Vila Mariana, São Paulo (ao lado do metrô Santa Cruz)

Fontes:

JUNG, Carl Gustav. Aspectos do drama contemporâneo: civilização em mudança. Petrópolis: Vozes, 2016 (Obras completas de C.G.Jung, v. 10/2).

JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2016 (Obras completas de C.G.Jung, v. 9/1).

JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2016 (Obras completas de C.G.Jung, v. 7/2).

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2016 (Obras completas de C.G.Jung, v. 7/1).

HOLLIS, James – A Sombra Interior – Por que pessoas boas fazem coisas ruins? São Paulo – Novo Século, 2010

SILVA, Ana Beatriz Barbosa – Mentes Perigosas – O psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro – Fontanar, 2008

Daniela Euzebio – 30/09/2019

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