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Um ensaio sobre a persona

Um ensaio junguiano sobre a persona. É um arquétipo? É um complexo? Quem inventou que ela se opõe à anima e/ou animus? Venha saber mais.

Parece-nos, apesar de não termos um registro formal, que a persona é uma das estruturas menos pesquisadas, ampliadas, e aprofundadas nas publicações junguianas – certa vez uma pessoa mencionou comigo em um congresso que fez uma pesquisa dos termos mais pesquisados na psicologia analítica a persona ficou em último lugar, contudo, nunca tive acesso a essa pesquisa. Apesar disto, tacitamente, fica clara a preferência dos autores em outros temas, tais como mitologia, anima, animus, sombra, individuação, sonhos dentre outros.

E a persona?

Bem, são muitas confusões acerca da persona, é um arquétipo? É um complexo? Qual é a diferença entre persona e complexo? Quando o ego se identifica com a persona é a chamada inflação? Ela faz oposição à sombra? Quem inventou que ela se opõe à anima e/ou animus? Existe algo de “novo” que pode ser dito sobre a persona ou pesquisas que podem ser feitas a partir dela?

Nas próximas linhas tentaremos elucidar alguns desses pontos e, mais ainda, ao final, tentaremos destacar a importância e os aspectos positivos da persona para a psique, pois muitas vezes parece que a única coisa a qual a persona serve é para ser “retirada” do ego para que se “entre” no processo de individuação, o que é inverossímil. Sendo fiel ao pensamento junguiano, nenhuma estrutura da psique é ruim em si.

Os problemas aparecem quando há unilateralização de algo na consciência e consequente repressão de outros conteúdos no inconsciente, mas que também precisam “participar” de alguma forma da consciência. É isso com a sombra, com os complexos, e não é diferente com a persona. Ela é funcional enquanto estrutura da psique, mas disfuncional se o ego só vive a biografia da persona. Vamos construir este artigo em forma de quiz! Vocês observarão que nossa principal fonte de citações é o volume 7/2 da Obra Completa, já que este é, de fato, o principal livro que Jung trabalha esse conceito.

Do começo: o que é persona?

          Dentre os diversos atributos da psique – e não são poucos – existe um seguimento que se propõe a se relacionar com o mundo externo e de certa forma se “parecer” com ele. Este seguimento é chamado de persona, palavra que etimologicamente vem do latim e significa máscara. É ela que gera a palavra “pessoa” em português e que manteve a mesma grafia latina em espanhol, sendo que nesse caso significa pessoa (e o que cria uma complicação quando lemos textos junguianos em espanhol).

          Diz Jung:

A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo.” (OC 7/2, §304)

          Nesse sentido, assim como qualquer outra estrutura, a persona tem uma função na psique que é natural, pois dela depreende aquilo que deixa o indivíduo mais “igual” à sociedade que faz parte, pois isso também é parte de algo fundamental: estabelecer uma relação compromissada com o mundo externo: “ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo que ‘alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo’” (OC 7/2, §246).

A persona é um complexo ou é um arquétipo?

          Essa resposta é menos simples do que parece, mas podemos compreender a persona tanto como um arquétipo como um complexo. O Prof. Dr. Waldemar Magaldi (2014, p. 177), afirma que “Para Jung, a persona é um arquétipo, portanto é inevitável”. Isso significa que a ter ou não ter uma persona não é uma escolha do indivíduo, dada que a realidade arquetípica é comum a qualquer pessoa. Mas lembremos que o arquétipo não é algo concreto, senão uma forma pré-definida, irrepresentável em si, que carece da experiência individual do sujeito para adquirir sentidos e significados que são passíveis de serem compreendidos à luz de imagens arquetípicas (mitos, contos, religiões e outros).

Jung corrobora com a ideia de coletividade da persona, mencionando que:

“Sendo esta última um recorte mais ou menos arbitrário e acidental da psique coletiva, cometeríamos um erro se a considerássemos (a persona), in toto, como algo ‘individual’. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a psique coletiva.” (OC 7/2, §245)

          O ponto é que quando Jung diz que a persona é algo coletivo, é porque ela representa uma ideia de consciência coletiva, que é oposto ao inconsciente coletivo, fonte dos arquétipos. Mas precisamos deduzir criativamente a partir do conceito de arquétipo outras possibilidades de entendimento da persona – pois nem tudo em Jung está literalmente explicado – e buscar relações conclusivas, ou ao menos aproximativas, a partir dos diversos princípios estabelecidos por ele, dando assim uma amplitude de entendimento da persona.

Se ela é algo comum às pessoas, logo, ela é um arquétipo, pois tudo que é comum ao humano tem base arquetípica. Mas como todo arquétipo, sempre haverá uma correspondência individual na forma de complexo. Isso significa que do ponto de vista da estrutura basal da psique, a persona é um arquétipo, mas encontrará sua expressão no sujeito por meio de um complexo, isto é, a persona da pessoa será “montada” a partir das experiências individuais que buscarão refletir da melhor maneira possível uma ideia de imagem coletiva.

          Vejamos o que diz Jung:

“A persona é, pois, um complexo funcional que surgiu por razões de adaptação ou de necessária comodidade, mas que não é idêntico à individualidade. O complexo funcional da persona diz respeito exclusivamente à relação com os objetos.” (OC 6, §755)

          Jung diz que a persona não tem nada do sujeito, mas não devemos tomar esta fala de maneira tão literal. É absolutamente natural que a construção da persona passe pelas estereotipias do sujeito, mas essas estereotipias servem a um ideal de coletivo, expresso na persona. Disso concluímos que persona é um arquétipo, mas também um complexo.

Se persona também é um complexo, como diferenciá-la de um outro complexo?

          Na prática, essa preocupação é inócua, pois é uma diferenciação que geraria pouco ou nenhum resultado, por exemplo, para a prática clínica. Jung reforça em diversas situações de seus escritos que um complexo só se torna ofensor quando negligenciado pelo ego, tendo como efeito enantiodrômico poder de atração de energia psíquica, tornando-se um complexo constelado na consciência, ou seja, “ocupando” o espaço que tenta renegá-lo. É neste momento que o ego corre o risco de se identificar com o complexo, vivendo apenas a “biografia” deste.

Logo, isso significa que uma identificação do ego com um complexo é sempre ruim, pois negligencia outros aspectos da psique que trazem a dinamização e harmonia necessárias para o estabelecimento de uma psique saudável, e isso vale para qualquer complexo, seja complexo paterno, complexo de inferioridade, complexo do dinheiro ou complexo da persona. Independentemente de qual seja o complexo, se esse ele tenta assumir a “regência” integral da consciência, o indivíduo sofrerá consequências no âmbito psíquico. Por isso que falar “complexo de professor” (termo que o autor usa com certa frequência), por exemplo, ou “persona de professor”, tem praticamente o mesmo efeito em termos psíquicos.

Talvez a diferenciação que se tenha ao usar o termo “complexo” ou “persona”, é que quando se usa o primeiro, falamos da rede de afetos em torno de um determinado tema, e quando usamos o segundo, nos referimos à imagem pública típica que alude à determinada imagem – bastante comum em profissões – mas essa imagem pública pode ter caráter atrator de afetos, a ponto de “paralisar” o ego na imagem da persona. Falamos da identificação a seguir.

O que é identificação com a persona?

          Como qualquer complexo, a persona pode ter força atratora para o ego, de forma que se isso acontecer, ele se perceberá exclusivamente a partir deste referencial, isto é, o ego pensa o indivíduo a qual ele pertence exclusivamente a partir de uma imagem pública. Exemplo clássico é o conto O espelho de Machado de Assis, no qual um homem que possui grau de alferes, antiga patente militar, não consegue ver seu reflexo no espelho quando tira sua farda, voltando a enxergar seu reflexo somente quando a recoloca. Arriscamos dizer que esse é um fenômeno bem comum na atualidade.

          A maioria das descrições que uma pessoa faz de si, quase sempre não são nada mais do que sua persona. Se perceber a partir de um modelo que ultrapasse os limites da própria percepção externa de si é mais complicado do que parece. Mas numa situação como essa, tal despojamento da persona torna-se imperativo se o sujeito quiser estabelecer um melhor termo para com a vida. Contudo, “Mudar a persona, a atitude externa, é uma das artes mais difíceis da educação” (OC 6, §758).

A persona só “funciona” porque obteve reforço ao longo da vida do sujeito.

Ao perceber que essa persona se parece com tudo aquilo que ele imagina de si, mas que em determinado ponto da vida é insuficiente para as demandas da psique, esse processo de desidentificação é deveras doloroso, diz a experiência clínica. Entretanto, “A meta da individuação não é outra senão a de despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais” (OC 7/2, §269).

          Esse “despojar” se refere sempre ao ego. Então quando dizemos que “fulano é identificado com a persona”, devemos pensar que na verdade “o ego de fulano é identificado com a persona”, pois fulano, em termos psíquicos, é muito mais que ego.

          Por fim, sobre este tópico, é preciso esclarecer que identificação com a persona não é rigorosamente a inflação do ego – algo que alguns autores junguianos dizem.

A inflação tem a ver com a identificação do ego com algo transcendente, ligado especialmente ao inconsciente coletivo, ou ao próprio Self, vide exemplos: Esses dois tipos humanos são, ao mesmo tempo, grandes e pequenos em demasia; sua medida média individual, que nunca é muito segura, tende a tornar-se cada vez mais vacilante. Parece grotesco descrever tais estados como “semelhantes a Deus”. Mas como ambos, a seu modo, ultrapassam as proporções humanas, possuem algo de ‘sobre-humano’, podendo ser expressos figuradamente como ‘semelhantes a Deus’. Se quisermos evitar o emprego desta metáfora, poderíamos falar de inflação psíquica (OC 7/2, §227). E “o grande perigo psíquico ligado à individuação, o tornar-se quem se é, reside na identificação da consciência do eu com o si-mesmo. Isso produz uma inflação que ameaça dissolver a consciência” (OC 9/1, §254).

Persona e sombra são pares de opostos?

          Eis uma polêmica muito comum na psicologia analítica, que é colocar a persona como oposta à sombra. Como mencionado acima, podemos depreender muitas conclusões a partir dos princípios que Jung nos ensinou com sua teoria, e sob diversos aspectos, num rompante de ampliação teórica, poderíamos pensar a persona como oposta à sombra. Mas, para fins pedagógicos, neste caso optamos por manter uma certa fidelidade teórica, e afirmar categoricamente que a persona se opõe à anima e animus (ou alma). Antes de mostrar algumas citações do Jung que comprovam isto, precisamos entender o princípio teórico por trás desta máxima.

A persona corresponde ao ideal de consciência coletiva, ou seja, o sujeito busca parecer o que se espera dele no mundo exterior, enquanto a anima e o animus, afirma Jung em diversos momentos, são também imagens do inconsciente coletivo: “é a anima que personifica o inconsciente coletivo” (OC 5, §500) e “o animus é também um psychopompos, isto é, um intermediário entre a consciência e o inconsciente, e uma personificação do inconsciente [coletivo]” (OC 9/2, §33). Observando sob esta perspectiva, imaginamos que essa oposição persona-anima/us, fica mais clara. Em última instância, a persona faz a conexão com a consciência coletiva, para fora, e anima-animus faz a conexão com o inconsciente coletivo, para dentro.

Vejamos algumas afirmações de Jung sobre isto:

“A mulher tomada pelo animus corre sempre o risco de perder sua feminilidade, sua persona adequadamente feminina” (OC 7/2, §337).

“[…] como já indiquei, há uma relação compensatória entre persona e anima” (OC 7/2, §304).

“Denomino persona a atitude externa, o caráter externo; e a atitude interna denomino anima, alma” (OC 6, §758).

“A anima tem função de mediadora entre a consciência e o inconsciente coletivo, como a persona o faz entre o eu e o mundo ambiente” (OC 14/2, §163, nota de rodapé).

          Pensamos que diante destas afirmações, não deveriam mais restar dúvidas quanto a isso numa acepção mais imediata do princípio teórico, contudo, ampliações são sempre bem-vindas, desde que adequadamente fundamentadas.

Se, segundo Jung, persona faz oposição a anima/animus, por que tantos junguianos a colocam como oposta à sombra?

          Primeiramente precisamos mencionar que a estrutura que faz oposição à sombra é o ego. A sombra, dentre outras coisas, é produto de tudo que foi rejeitado pelo ego, que visando uma melhor adaptação interna e externa para o sujeito, que relega ao inconsciente diversos conteúdos, criando a sombra, que faz contraste e contraposição ao ego. Fica difícil afirmar categoricamente o motivo dessa confusão teórica. A explicação mais arrogante e ao mesmo tempo a mais fácil, é dizer que existem pretensos junguianos que nunca leram a obra de Jung dedicadamente. Mas existe confusão a respeito disso mesmo nos textos junguianos. O famoso analista junguiano Murray Stein coloca em seus escritos que persona se opõe à sombra, mas precisamos lembrar que a despeito de seus bons textos de seu renome no campo junguiano, este autor usa a terminologia “psicanálise junguiana”, que parece em sua raiz algo bastante incoerente.

          Outra tentativa de explicação desse imbróglio talvez fosse uma espécie de dedução lógica de que a persona é o que está fora, na consciência, e a sombra é o que está dentro, no inconsciente. Mas se essa premissa for verdadeira, o que faria oposição ao ego, também a sombra? A sombra tem tanta “luz” que é capaz de ter duas estruturas de consciência se opondo a ela? Parece estranho pensar desta forma.

          Por fim, podemos pensar que Jung contribui em certa medida com esta confusão, pois ele diz que “O inconsciente pessoal contém […] conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência. Corresponde à figura da sombra” (OC 7/1, §103).

Então a sombra seria a imagem do inconsciente pessoal. Logo, quando Jung diz que: “O indivíduo tende a identificar-se com a máscara impelido pelo mundo, mas também por influências que atuam de dentro. ‘O alto ergue-se do profundo’, diz Lao-Tsé. É do íntimo que se impõe o lado contrário, tal como se o inconsciente oprimisse o eu com o mesmo poder que a persona exerce sobre ele (OC 7/2, §308), parece que é a “sombra” que oprime este eu. Porém, precisamos considerar que o uso da palavra “inconsciente” para Jung quase sempre se refere ao inconsciente coletivo, cabendo ao leitor fazer as devidas distinções ao longo da leitura. Então esse “inconsciente” que pressiona o eu, é o inconsciente coletivo (anima-animus) e não a sombra.

E afinal de contas, qual é a função saudável da persona?

          Essa é a parte mais interessante deste texto, pois talvez seja o único trecho realmente criativo. A persona possui muitas qualidades saudáveis, uma delas é o pertencimento. Quantas crianças não quiseram aprender habilidades novas para ficarem mais “enturmadas” com os amiguinhos? Quantos adolescentes não querem usar “roupas da moda” para se sentirem pertencentes aos seus grupos? Quantos adultos não buscam cursos, leituras, treinamentos, que lhes deixem mais adaptados ao que se espera deles no trabalho? Tais movimentos são naturais e esperados – o problema consiste apenas na unilateralização deles.

          O sentimento de pertença é inegavelmente gostoso, e parte dessa “recompensa” advém do fato de nos parecermos com outros e pelo fato de os outros virem a eles mesmos em nós.

Naturalmente que não nos vemos nos outros apenas a partir da persona exclusivamente, mas também pela projeção de uma série de complexos. De qualquer forma, o sentimento de inclusão e pertencimento é algo que também toca a ideia de uma persona funcional, adaptada e querida pela coletividade.

          Sobre isso Jung diz o seguinte:

“Só quem estiver totalmente identificado com a sua persona até o ponto de não conhecer-se a si mesmo, poderá considerar supérflua essa natureza mais profunda. No entanto, só negará a necessidade da persona quem desconhecer a verdadeira natureza de seus semelhantes. A sociedade espera e tem que esperar de todo indivíduo o melhor desempenho possível da tarefa a ele conferida; assim, um sacerdote não só deve executar, objetivamente, as funções do seu cargo, como também desempenhá-las sem vacilar a qualquer hora e em todas as circunstâncias. Esta exigência da sociedade é uma espécie de garantia: cada um deve ocupar o lugar que lhe corresponde, um como sapateiro, outro como poeta. Não se espera que alguém seja ambas as coisas. Nem é aconselhável que o seja, pois seria estranho demais para os outros” (OC 7/2, §305, grifos nossos).

          Colocamos ainda esta brilhante ampliação de Gustavo Barcellos, na qual a persona constitui também um grande elemento de construção empática, pois é por ela que reconhecemos que o outro também é parte de nós em alguma medida, tal como reconhecemos que nós pertencemos a ele em alguma medida:

A persona – o jogo complexo de representações e os papéis sociais que desempenhamos nas interações com o mundo para adaptarmo-nos a suas demandas definidoras – também está no campo do Outro, que é amplo e multifacetado” (BARCELLOS, 2019, p. 227-228).

Continua ainda o autor dizendo que esse aspecto multifacetado da psique é bem representado arquetipicamente pelo deus Dionísio, e que ele, enquanto uma imagem da persona, “rege o Outro porque é aquele que mostra para mim, ou tira de dentro de mim, o Outro que sou e que não sei que sou” (BARCELLOS, 2019, p. 221), e que muitas vezes incomoda saber que “sou”!

E que tipo de pesquisas poderíamos fazer a partir da ideia de persona?

          Seguramente você já ouviu a frase que começa com “a sociedade exige que sejamos de determinada maneira”. Essa frase revela na largada um conflito típico entre persona e alma. Na prática, em sentido estrito, a sociedade não exige nada, pois como enfatiza Jung, a sociedade não passa de um conglomerado de psiques individuais. Naturalmente existem padrões sociais, mas esses padrões podem naturalmente ser confrontados quando há um ego suficientemente forte e flexível para manejar situações atípicas.

Na perspectiva da psicologia analítica, ao outorgar à “sociedade” o poder de exigir algo, o indivíduo está dizendo que na prática há uma correspondência interna de um ideal social, uma sociedade interna, que é de tal robustez que encontra projeção na sociedade externa. Se a sociedade externa “determina” o certo e o errado, o que o sujeito desadaptado está dizendo quando afirma que “a sociedade exige algo”, é que ele não conseguiu alcançar um ideal de persona que lhe traga um senso de pertencimento, o que gera um conflito de alma.

Em outros termos, é como se o sujeito dissesse que se ele “vestir” a persona que se espera dele, ele terá um desconforto, pois esta se distancia de sua alma. Por outro lado, se ele simplesmente segue o que sua alma lhe sugere, resta-lhe um senso de não pertencimento coletivo, o que também é angustiante. Essa contradição e paradoxo só poderão ser resolvidos se o indivíduo buscar um diálogo franco com a sua “sociedade de dentro”, para que esta lhe dê as respostas de como chegar num bom termo entre princípios de alma e sentimento de pertencimento (coletivo).

Ademais, tal saída, diz a experiência, não parece ser encontrada na construção de uma persona exclusivamente disruptiva ou agressiva, que dá à pessoa uma falaciosa fantasia de “autenticidade”.

A autenticidade, enfatiza Jung (OC 6), vem de dentro, e não do que parecemos ser do “lado de fora”.

Na verdade, essa persona supostamente disruptiva acaba sendo uma persona da “anti-persona”, ainda algo bidimensional, tal como a persona típica, mas sem correspondência com alma; só parece ser autêntica por parecer ser disruptiva numa perspectiva externa, mas acaba sendo uma persona da disrupção, e não uma expressão genuína de autenticidade ou de disrupção.

          Vivamos, portanto, a multiplicidade de relações que uma persona saudável e intercambiável pode nos dar, mas com um ego consciente de que isto é apenas parte do que ele precisa compreender e manejar no seu processo de individuação. O processo de desidentificação com a persona só é necessário quando o ego se identifica com esta. Se ele reconhece conscientemente que este é um recurso, não precisa passar pelo processo de desidentificação, pois sabe que pode contar com ela quando precisar, mas pode sair dela quando for necessário, estabelecendo assim um bom termo com o mundo exterior e interior.

Rafael Rodrigues de Souza – Analista Didata em Formação IJEP

Waldemar Magaldi Filho – Analista Didata IJEP

Referências:

BARCELLOS, Gustavo. Mitologias arquetípicas: figurações divinas e configurações humanas. Petrópolis: Vozes, 2019.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação (OC 5). 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos (OC 6). 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente (OC 7/1). 24 ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente (OC 7/2). 25 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (OC 9/1). 8 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

JUNG, Carl Gustav. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo (OC 9/2). 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

JUNG, Carl Gustav, com a colaboração de Marie-Louise von Franz. Mysterium coniunctionis: pesquisas sobre a separação e composição dos opostos psíquicos na alquimia (OC 14/2). 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

MAGALDI FILHO, Waldemar. Dinheiro, saúde e sagrado: interfaces culturais, econômicas e religiosas à luz da psicologia analítica. 2ª ed. São Paulo: Eleva Cultural, 2014.

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