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Uma abordagem analítica da dermatite atópica no bebê

dermatite atópica no bebê

dermatite atópica no bebê

Toda vez que um pediatra recebe em seu consultório um bebê com dermatite atópica sabe que tem à sua frente um caso desafiador, pois não é apenas a criança quem sofre, e sim toda a família. Dependendo da gravidade, este bebê pode se apresentar irritado, ter o sono interrompido pelo prurido, estar incomodado com as roupas, estar choroso e descontente. O dia a dia de toda a família muitas vezes também é afetado pela condição do bebê. O tratamento com pomadas, anti-histamínicos, corticoides e às vezes até imunossupressores embora sejam eficazes, são de resposta lenta, e muitas vezes não o suficiente para aplacar todo este sofrimento. Neste momento ampliar o olhar para além das questões de pele do bebê é extremamente necessário para o bom andamento clínico e psicológico de todos os envolvidos.

A dermatite atópica é uma doença inflamatória de pele, de caráter crônico e recidivante, que normalmente se inicia antes dos cinco anos, podendo mesmo iniciar-se numa idade tão precoce como em bebezinhos de dois ou três meses . Sua causa é multifatorial, existindo uma inter-relação entre fatores genéticos, imunitários, ambientais, farmacológicos e psicossomáticos. A característica principal é a pele seca com prurido, que levam a ferimentos pelo ato de se coçar. As erupções cutâneas podem se espalhar pelo rosto, couro cabeludo, pescoço, braços, pernas e atingir grandes superfícies do corpo.

Sabemos que a pele é o manto de revestimento que recobre o organismo e separa o meio externo do meio interno, e é composta três camadas: a epiderme é a camada mais externa; a derme é a camada intermediária; e a hipoderme que é a camada mais profunda, também é conhecida como tecido subcutâneo. 

Durante a embriogênese humana, na terceira semana após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide se dá a fase de gastrulação. Nesta fase acontece a diferenciação das três camadas germinativas que são as precursoras de todos os tecidos do embrião humano: ectoderme, mesoderme e endoderme. Epiderme e sistema nervoso central e periférico se original do mesmo folheto germinativo: a ectoderme.

Na pele temos a presença de células de defesa e de fibras nervosas do sistema sensorial e sistema nervoso autônomo, estabelecendo-se aqui uma comunicação bidirecional entre sistema imune e sistema nervoso. As evidências apontam hoje para o fato de que existe uma rede neuro-imuno-cutânea-endócrina que faz a ligação entre mente e pele, devido à existência de uma complexa relação entre nervos, células cutâneas, células imunitárias, secreções de neurotransmissores, neuropeptídios, neuro-hormônios e citocinas que se dão na pele.(AZAMBUJA, 2000) 

Montagu (1988) considera a pele como a porção exposta do sistema nervoso, ou o sistema nervoso como a parte escondida da pele. É um órgão altamente sensível às emoções, sem que estas sejam necessariamente conscientes. Segundo este autor, a pele é o maior órgão de comunicação visível do ser humano e, especialmente no bebê, é o maior órgão de percepção. Ela é o meio pelo qual o mundo externo é percebido, e através dela expressam-se os sentimentos. Sua cor, textura, umidade, secura, e cada um de seus demais aspectos refletem nosso estado de ser psicológico e também fisiológico.

 Este autor estudou o efeito da experiência tátil mediada pela pele sobre o desenvolvimento humano, e constatou que a estimulação cutânea em recém-nascidos exerce uma influência altamente benéfica sobre seu sistema imunológico. O toque, o contato físico carinhoso, a proximidade pele a pele da mãe com a criança são de fundamental importância para o desenvolvimento físico e emocional desta. Também destaca que a resposta que a mãe vai dirigir ao seu filho recém-nascido depende em grande medida de suas experiências quando bebê e criança e, em menor medida, da aprendizagem e maturação.

Sptiz (1972) estudou particularmente a dermatite atópica e observou que na sua etiologia, além da predisposição genética da criança, existe um fator psicológico representado pela relação mãe-filho. Em seus estudos, Spitz percebeu que estas mães evitavam tocar seus filhos e entregavam com facilidade suas crianças para outros cuidadores para que fossem melhor cuidados, e chamou esta atitude de hostilidade inconsciente disfarçada de angústia, numa mãe com personalidade infantil. Ressalta que as experiências táteis do lactente são as mais importantes para o processo do desenvolvimento do bebê principalmente neste período pré-verbal e, no entanto, estas mães transmitiam sinais ambíguos e incoerentes aos seus filhos. Estas atitudes das mães eram menos dependentes de sua relação consciente com a criança e mais do clima variável de seu inconsciente.

Mas qual a dinâmica inconsciente envolvida neste relacionamento?

Para Neumann (1995) o ser humano apresenta um diferencial em relação aos outros mamíferos: o fato de nascer bastante incompleto e necessitar continuar seu desenvolvimento tanto físico quanto psíquico no ambiente extra-uterino.  e coloca o primeiro ano de vida da criança como fazendo parte do que chamou de fase pós uterina ou pós natal do desenvolvimento.

Neumann (1995) utiliza a imagem mitológica do uroborus para descrever esse período pré egóico, onde a serpente circular que engole a própria cauda representaria o útero que protege o germe do ego em seu centro, enquanto não exista na criança uma personalidade delimitada o suficiente para permitir o confronto com o meio ambiente. Esta realidade uterina se mantém após o nascimento para ir se desfazendo aos poucos.

Nesta fase pré egóica, a criança vive em uma relação primal de extrema importância com sua mãe, onde a criança ainda está contida nesta, embora seu corpo já tenha nascido. Neste período a experiência polarizada do mundo com sua dicotomia sujeito-objeto ainda não existe, o que existe é uma unidade primária mãe-filho. Aqui, a criança vive mergulhada “[…] num fluído-mãe psíquico, no qual tudo se encontra ainda em suspensão, dele não se tendo cristalizado os pares de opostos, ego e Self, sujeito e objeto, indivíduo e mundo”. (NEUMANN, 1995, p. 15).

Como a criança ainda não tem desenvolvida a sua consciência, não existe um “eu” claramente diferenciado do resto das coisas, ela vive nesta participation mystique com o que a cerca. Até aqui a criança não diferencia o seu corpo do corpo da mãe, portanto sua experiência de mundo é a experiência da mãe, cuja realidade emocional determina sua a existência. Neste período a mãe não apenas desempenha o papel de Self para a criança, mas, na realidade, ela é este Self. O Self, a princípio encarnado na mãe aos poucos vai se deslocando para o mundo interno da criança, e este processo faz parte da experiência formativa do eixo ego-self (NEUMANN, 1995). 

Segundo Neumann (1995) “a base indispensável para o desenvolvimento do ego da criança é a figura da Grande Mãe arquetípica, que proporciona não apenas prazer, mas compensação, segurança e proteção” (NEUMANN, 1995, p. 34). Aqui, a experiência fundamental é de proteção, onde mesmo situações desagradáveis, nas primeiras situações de polarização, serão compensadas pela mãe, e integradas. 

Porém, o arquétipo da Grande Mãe é vida e morte, portanto ambivalente, com dois polos opostos e pode se apresentar na forma da Mãe Boa e da Mãe Terrível. A Mãe Boa é a benevolente. A Mãe terrível, ao contrario da Mãe Boa, é aquela que possibilita a manifestação da negligência e do abandono, ou da proteção em demasia que tolhe a individualidade (NEUMANN, 2003, apud FREITAS; SCARABEL; DUQUE, 2012). Esta base arquetípica será o fundamento para a formação do complexo materno. 

Ora, o complexo materno constitui um elemento nuclear que pode ser constelado quando a mulher se torna mãe, e esta provavelmente agirá de acordo com sua experiência prévia.

A polaridade do arquétipo da Mãe Terrível, tendo construído um  complexo negativo, pode vir a se manifestar, carregada de energia de forma a gerar uma mãe indisponível a seu filho, repetindo a dinâmica que se deu em seu desenvolvimento. (FREITAS; SCARABEL; DUQUE, 2012).  

Isto nos leva a pensar que esta indisponibilidade materna pode ser determinante em todo e qualquer adoecer do bebê, mas particularmente na dermatite atópica por se traduzir em atitudes que determinam o aparecimento desta. 

Segundo Jung “os sintomas físicos nada mais são do que retratos simbólicos do complexo patogênicos” (JUNG, 2012, p. 361).  Nos experimentos com associação de palavras Jung observa uma coincidência muito grande no padrão de respostas entre membros de uma mesma família, e com isto infere-se como os conteúdos e atitudes inconscientes dos pais influenciam seus filhos (JUNG, 2012). Na criança isto se torna da maior importância, pois esta se encontra tão ligada à atitude inconsciente dos pais a ponto de a maioria das perturbações nervosas da infância se originarem na atmosférica psíquica perturbada destes (JUNG, 2013).

Portanto justifica-se pensar que o surgimento da dermatite atópica num bebê em tão tenra idade é influenciado pelos conteúdos psíquicos de sua mãe na medida em que este bebê, por se encontrar mergulhado neste inconsciente materno, participa da constelação deste complexo materno negativo de sua mãe.

Seria de fundamental importância que o pediatra ampliasse sua compreensão desta dinâmica para que exista um real e verdadeiro acolhimento desta família em sofrimento, com uma abordagem não apenas clínica e medicamentosa, mas com uma escuta para o que não está sendo dito, para o que está ainda longe da luz da consciência.

Selma de Fátima Silva Canôas, analista em formação pelo IJEP.

Maria Cristina Mariante Guarnieri, analista didata responsável

Referências:

AZAMBUJA, Roberto Doglia. Dermatologia integrativa: a pele em novo contexto. An bras Dermatol, Rio de Janeiro, v. 75, n. 4, p. 393-420, jul./ago. 2000. Disponível em: <http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=346256&indexSearch=ID>.

CASTRO, Ana Paula B. Moschione. Dermatite atópica na infância. RBM, [S.l.], v. 69, n. especial pediatria, p. [S.I.], set. 2012. Disponível em: <http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5129>.

FREITAS, Laura Villares; SCARABEL, Camila Alessandra; DUQUE, Barbara Harumi. As implicações da depressão pós-parto na psique do bebê: considerações da psicologia analítica. Psicol. Argumen., Curitiba, v. 30, n. 60, p. 253-263, jun. 2012. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=5972&dd99=view&dd98=pb>.

JUNG, Carl Gustav. Estudos experimentais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

MONTAGU, Ashley. Tocar: o significado humano da pele. 10. ed. São Paulo: Summus, 1988.

NEUMANN, Erich. A Criança. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

SPITZ, René A.. El primer año de vida del niño. 3. ed. Madrid: Aguilar, 1972.

Selma de Fátima Silva Canôas

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