O inconsciente é a parte da psique em que vivem nossos maiores temores e potenciais. Nele está aquilo que não queremos reconhecer em nós, tudo aquilo que de certa forma “atrapalha” nossa consciência e o controle da nossa existência (complexos). Além disso, no inconsciente coletivo habitam também todos os monstros sociais que, como humanos, buscamos combater. No entanto não são somente os terrores e monstros que habitam esses locais, nele também existem potenciais não vividos e oportunidades de crescimento.
O ego é o centro da nossa consciência e, quando enfraquecido, busca de maneira rígida e dogmática controlar todos os aspectos da psique, evitando “presenças” estranhas e o compartilhamento do seu governo da consciência. Dessa forma ele vê o inconsciente como inimigo e como algo que deve ser dominado ou controlado. A psique coletiva e seu arquétipo egóico busca definir tudo aquilo que pertence a ela e o que deve ser excluído da sociedade.
Em vários aspectos podemos observar esse desejo egóico coletivo de repelir tudo o que ele acha inadequado e ameaçador: a relação da sociedade com as minorias, a exclusão de pessoas e grupos sociais que não são “desejáveis”, a negação dos aspectos sombrios individuais e coletivos, a rejeição aos aspectos menos belos ou agradáveis da natureza, são alguns deles. Essa perspectiva existe em todos os grupos sociais, desde uma família, um grupo de pessoas e à sociedade como um todo. Como vivemos inseridos numa sociedade judaico-cristã, ocidental e com um ego patriarcal e branco, tudo e todos que estão fora desse espectro de valores são considerados como conteúdos que devem ser eliminados ou relegados a uma sub-existência, ou seja, uma existência no inconsciente.
Em meu trabalho com o meio ambiente observei que essa tendência também se aplica na relação homem-natureza. O homem “civilizado” tem grande aversão à natureza intocada e selvagem (ou seja, que não está sob seu controle), sendo seu desejo sempre o de “conquistar” e “dominar” a natureza, ou ainda extrair dela riquezas e poder. Desde os tempos coloniais, a natureza foi explorada, devastada e destruída, com o objetivo de em seu lugar se impor o progresso, a ordem e a civilização. Da mesma forma, os povos que habitam esses locais e possuem meios de vida cooperativos e autônomos são incômodos e devem ser convertidos ou exterminados.
A natureza sofre na mão do patriarcado. A Terra, A Floresta e vários outros femininos arquetípicos são, para o patriarcado, um inimigo a ser dominado e subjugado de onde se obtém somente o que se deseja: as plantas que eu se cultiva, o gado que se cria, os minérios que se extrai. De volta, a natureza recebe: lixo, devastação, extinção e desprezo. Curiosamente, tiramos tudo de bom que a natureza nos oferece (nem sempre da melhor maneira possível) e devolvemos para ela tudo o que não queremos lidar. Jogamos para esse inconsciente nossa sombra ambiental.
O medo que o homem tem da natureza, a meu ver, é o mesmo que tem do inconsciente. Natureza é um substantivo feminino, é o mito da Grande Mãe, Pacha Mama, Mãe Natureza e Gaia. A mata intocada pelo homem, é chamada, curiosamente, de mata virgem, ou seja, nunca foi penetrada. E como toda mãe arquetípica, a natureza também devora, engole e se vinga, tomando para si o que lhe foi tomado um dia.
Jung (2011, §274) fala que os processos inconscientes são compensatórios na relação com a consciência. Penso que com a natureza o processo é o mesmo. A Natureza é como o útero que alimenta, o seio que nutre e oferece todas as condições para a vida, mas pode também trazer a morte, a dor e a doença. O mergulho ingênuo na natureza, tal qual o mergulho irresponsável no inconsciente pode levar à morte, que no caso do inconsciente é a morte do ego.
Jogamos na natureza tudo o que o ego civilizatório julga como menos e o que não é desejável. No entanto a natureza é onde vivemos e é também o que somos. Nossa relação com ela reflete muito a relação que a humanidade tem consigo mesma e com o feminino arquetípico. E como feminino arquetípico posso dizer que a sombra na natureza está se ampliando a cada molécula de carbono e a cada saquinho plástico no oceano e que quando essa sombra emergir, talvez já seja tarde demais para o ego civilizatório se salvar.
Queimar a Amazônia, dominar a natureza, nada mais é que o desejo do ego de ser onisciente e controlar tudo. Trocar a floresta pela monocultura é o medo da diversidade e das potencialidades criativas existentes nela e o desejo de domínio sobre tudo. No entanto, essa força do ego na dominação da natureza tem suas consequências. A destruição acelerada dos biomas e dos ecossistemas tem gerado uma reação global climática, onde a natureza, como a psique, tem poder auto regulador, então busca novamente o que é seu por direito: tufões, furacões, ondas de calor, invernos severos nada mais são que o “inconsciente” da natureza devolvendo ao ego civilizatório toda a repressão da sua diversidade e a destruição de seus potenciais.
Como diz Emma Jung (1967) o homem está numa posição de sofrimento entre o animal e Deus, foi expulso do Paraíso e deixou de ser filho da natureza sem, no entanto, tornar-se Deus. A humanidade, quando em guerra com a natureza, busca nada mais que se tornar Deus, negando sua parte animal, mas na verdade está indo ao encontro da sua própria extinção. Precisamos resgatar a consciência do nosso lado animal e lembrar que viemos da natureza e dela precisamos para viver.
A Natureza, é teleológica, dessa maneira, ela não se importa com a presença ou ausência do ser humano no planeta. Cabe a nós, como ego coletivo, transcender essa oposição homem e natureza e aproveitar todos os potenciais oferecidos por ela para uma vida mais saudável ou então esperar até o dia em que seremos destruídos pela nossa prepotência e arrogância.
A ampliação da consciência coletiva pode nos levar de fato a um novo relacionamento com o planeta, tal qual uma comunhão indissolúvel entre humanidade e natureza, que nos fará aceitar a diversidade, os ritmos, os riscos, os terrores e os potenciais existentes. (JUNG, 2011, §275).
Mauro Soave é analista junguiano em formação pelo IJEP.
Referências bibliográficas
JUNG, C.G. O Eu e o Insconsciente. Petrópolis, Editora Vozes, 2011.
JUNG, Emma, Anima e Animus. São Paulo: Cultrix, 1967 .