Resumo: O simbolismo da alquimia é uma base sólida da psicologia junguiana, sendo o conhecimento da astrologia também referenciado em alguns momentos por Jung em sua obra. Nesse artigo aborda-se a relação simbólica entre os princípios fundamentais da alquimia – sal, mercúrio e enxofre – com o panteão astrológico e seus signos, tendo como foco a transformação da personalidade humana e a ampliação de consciência. Como esses temas conversam entre si e quais as relações possíveis de serem feitas serão abordadas e ampliadas.
O processo de transformação interna e ampliação daquilo que somos sempre foi um tema buscado pela história da humanidade.
Vários povos e culturas representaram esse ciclo, essa busca para o centro subjetivo profundo, através de imagens arquetípicas ricas em símbolos, como uma forma de criar uma ponte entre o inconsciente e a consciência. Assim, uma transmutação daquilo que somos e a compreensão daquilo que constitui a natureza humana- como potências e desafios- formam os pilares de todo desenvolvimento psicológico ou, em termos junguianos, processo de individuação.
É importante mencionar que os conteúdos internos essenciais e arquetipicamente humanos, as potências do desenvolvimento, são projetados nas imagens arquetípicas como um meio para sua elaboração, integração e conscientização. Essa busca por aquilo que nos toca, nos afeta, nos enriquece e desafia foi estimulada com a ampliação de símbolos, que carregam a dualidade, o paradoxo, presentes nas imagens astrológicas, alquímicas.
A alquimia, a arte simbólica da transmutação de metais, e o sistema simbólico astrológico são um dos conhecimentos mais antigos, complexos e ricos que a cultura humana já produziu.
Em seu grau mais elevado, representam como ocorre o processo de regeneração de uma consciência limitada, se apoiando na integração de elementos e conteúdos da personalidade inconsciente. Jung cita: “Dorneus traça um paralelo perfeito entre a obra alquímica e a transformação moral e intelectual do homem” (Jung, OC.12, §336).
Nesse processo, os metais, estruturas rígidas da personalidade endurecida, passam por um fogo alquímico que o abrirá para a totalidade da natureza humana, simbolizada pela sequência dos doze signos – panteão astrológico -ou pelas transmutações dos metais alquímicos.
A roda da vida é composta de um sistema ternário, sendo que os três princípios do mundo se encontram no centro: o galo, que representa a concupiscência, a serpente que representa o ódio ou a inveja e o porco, que representa a ignorância ou inconsciência.
(Jung, OC.12, §123)
O ser humano é um vaso alquímico por excelência com capacidade de absorção e transformação psicológica profunda, ao estar aberto para os ciclos externos universais carregado de temas arquetípicos que se refletem nos ciclos internos naturais em um processo simbólico de desenvolvimento psíquico há muito tempo desenhado no céu (simbolizado pela astrologia) com repercussão na matéria subjetiva (alquimia).
Pensa-se naturalmente que esse vaso é uma espécie de retorta ou frasco; mas logo se percebe que tal concepção é inadequada, porquanto o vaso é muito mais uma ideia mística, um verdadeiro símbolo, como todas as ideias principais da alquimia.
(Jung, OC.12, §338)
Quando se fala em tocar, explorar o desconhecido, principalmente quanto a natureza profunda de algo, há duas formas básicas a serem utilizadas: A maneira racional, cartesiana, literal, objetiva ou a simbólica, ampliativa, rica. A astrologia e alquimia se baseiam nessa segunda maneira de olhar os fenômenos da vida psíquica. Além do mais, a intelectualidade e a razão possuem um limite quando se fala em profundezas, pois não conseguem abarcar o contraditório, a antinomia e a função transcendente.
Perrot comenta:
(…) voltamos a uma forma de pensamento próxima da dos filósofos gregos anteriores a Sócrates, chamados físicos, isto é, exploradores da natureza, não sendo dissociados entre eles, o interior e o exterior. Procuravam compreender o homem não com a ajuda de conceito, mas usando imagens e meditando sobre elas, e descrevendo forças que o fazem nascer, o animam e o conduzem a seu termo, forças que movem o corpo, espírito e a alma, e que por isso podem ser traduzidas por meio dos elementos que constituem o universo material: o fogo, a água, a terra e o ar.
(p.115, 1998)
Em uma aproximação simbólica, é possível associar os 3 elementos básicos da alquimia- sal, enxofre e mercúrio – com os 12 signos.
Quando se observa o panteão dos 12 signos astrológicos, é possível dividi-lo em 2 grandes grupos: separando pelos 4 elementos (fogo, ar, água, terra) e pelas 3 modalidades (signos cardinais: áries, câncer, libra e capricórnio. Signos fixos: touro, leão, escorpião e aquário. Signos mutáveis: gêmeos, virgem, sagitário e peixes)
Essas 3 modalidades podem ser associadas simbolicamente aos 3 elementos principais do processo de transmutação alquímica: sal, enxofre e mercúrio.
Sobre o quaternário, Jung cita: “(…) dá-se isto por um dos mais antigos esquemas de ordenação que a história conhece, isto é, pela quaternidade que sempre representa uma totalidade refletida, ou respectivamente diferenciada” (Jung, OC.14/1, §255).
A divisão em doze capítulos não é desprovida de significação simbólica. Na alquimia, o doze desempenha um papel como número dos meses, das horas do dia e da noite ou como os doze signos do zodíaco com os quais as fases da obra são às vezes relacionadas.
(Jung, OC.14/3, §163)
Assim, ampliando a dinâmica relacional simbólica desses 2 grandes grupos, poderíamos chegar na ideia da atuação desses 3 princípios simbólicos alquímicos (a base do movimento e o ritmo da vida) em cada elemento da matéria, o quarteto estruturante que permite aprofundamento (a matéria e estrutura da vida).
Perrot expõe: “A alquimia e a obra interior, da qual ela é um dos nomes, é a arte dos ritmos. Sua primeira e última palavra é aderir ao movimento do instante, estando pronta para aceitar a mudança e para passar do escuro ao claro, do úmido ao seco, do alto ao baixo, e vice-versa.” (p.377-378, 1998)
Logo, tendo como base simbólica essas combinações, é possível delinear o processo de individuação e desenvolvimento psíquico se baseando na alquimia celeste, presente na cultura humana desde os primórdios.
“Ele é apresentado como prima matéria, da qual procedem as três substâncias fundamentais: mercurius, sulphur e sal.” (Jung, OC.13, §171)
A modalidade cardinal revela a matéria básica da vida, o princípio, a base fundante, a estrutura primordial, o chão de onde tudo brota.
Carrega aquela potência bruta que voltará purificada após uma jornada de reelaborações e transformações. Todo início de processo de individuação, partimos daquilo que foi sedimentado pelas experiências carregadas de afeto, pelos complexos estruturantes da psique. Herdamos padrões arquetípicos, núcleos temáticos que são reatualizados a cada época e tempo. Assim, uma estrutura básica e central habita em cada ser humano, conjugando forças psíquicas que, ao se relacionarem entre si, possibilitam a expressão daquilo que somos.
Isto é: o impulso ariano possibilita violência desmedida ou coragem de viver a vida de maneira autêntica. O se relacionar libriano constrói pontes e vínculos, fortalecendo a humanidade ou se dissolve em indecisões e concessões desmedidas, injustas e cegas. A capacidade de se afetar e identificar emoções das águas cancerianas se tornam domínio e chantagem emocional ou uma entrega para o pertencimento à vida. A capacidade de construir capricorniana edifica estruturas capazes de sustentar civilizações ou se enrijece em aridez interna.
O sal é um elemento que pode ser associado ao conhecimento e a sabedoria após a passagem de um ciclo, de uma experiência. Jung comenta: “o sal é aqui indubitavelmente a compreensão, o entendimento e a sabedoria.” (Jung, OC.14/1, §319). É através da matéria prima bruta das experiências da vida que o sal do conhecimento é adquirido.
Essa base inicial, essa matéria prima bruta, negra, fétida é cardinal, é básica, é um substrato que permite o início e a base estrutural da experiência da vida. É de onde chegamos ignorantes, com a consciência rígida, unilateral e fria e para onde retornaremos, após o mergulho profundo, inevitável e transformador no ciclo fixo e a expressão genuína no mundo no ciclo mutável- conquistando sabedoria.
Nas palavras de Jung:
Entretanto, em nosso estado, como se deduz da passagem citada, ele é seguramente o sal, de que se diz: “E isto é o que buscamos: pois ele encerra em si todos os nossos segredos”. O sal, porém, “tem sua origem no mercúrio”. O sal é, pois, um símbolo da substância do arcano.
(Jung. OC.14/1, §312)
A modalidade fixa anuncia o processo de descida no mundo interior e nos níveis daquilo que somos e conteúdos que carregamos; partimos para jornada de aprofundamento no inconsciente pessoal e coletivo e encaramos aquilo que negamos. Para criarmos consciência e sairmos do indiferenciado, daquela matéria básica, um grande esforço e coragem de fixarmos em processos profundos fixos (sempre presentes) são demandados. Não há como ter um profundo conhecimento de si mesmo sem mergulhar e respeitar o tempo do processo reflexivo.
Desse modo, provamos e sentimos a estabilidade e o conforto que o nosso corpo e matéria taurina oferecem. Expressamos criativamente e de maneira ardente a mais bela luz artística leonina. Transmutamos as sombras escorpianas na intensidade e profundidade de viver e no deleite do prazer. Reformamos e questionamos com argumentações aquarianas aquela individualidade que merece ser reformada e ampliada. Portanto, a essência não é revelada sem sentirmos o aroma do enxofre.
O enxofre é um elemento que corrói a superficialidade e revela o íntimo, o segredo, de todo processo. Em todo processo de renovação, sua presença é requisitada. Durante o processo de transformação, aquilo que ainda tem um peso insustentável precisa ser reelaborado. Simbolicamente, o enxofre é associado ao diabo, aos campos infernais. Pois bem; quem quer se conhecer, em campos governados por Hades, por plutão, deve entrar e lá permanecer por um tempo fixo. No final processo, todo o impuro, o cindido, o dividido, será reintegrado, liberando a força da alma e a totalidade multifacetada.
Logo, na associação do enxofre com os signos da modalidade fixa, temos a transformação, o corroer interno, a descida e a busca pela profundidade, pela luz e pela sombra. A ação para dentro.
Segundo Jung: “Retornamos agora ao sulphur. Do que foi dito até aqui conclui-se que o sulphur é a concentração das virtudes de uma substância ativa.”(Jung, OC.14/1, §138)
A modalidade mutável remete ao movimento do individual atuando no coletivo, experimentando a multiplicidade e o criar na vida, alicerçada na dualidade, na mobilidade e volatilidade. Após o movimento de integração de conteúdos inconscientes e, consequentemente, da renovação e ampliação da personalidade, a contribuição singular da consciência solar se dirige para o coletivo.
Dessa maneira, expandimos com alegria nos grupos sagitarianos filosofando e compartilhando os grandes ideais. Olhamos para as dualidades do mundo e desenvolvemos linguagens, palavras geminianas que possibilitarão comunicação. Selecionamos e purificamos nossa rotina e grãos virgens para desenvolver uma consciência equilibrada, justa e integra. Integramos e reconhecemos a totalidade plástica psíquica, colorida das águas piscianas, a matriz da qual tudo nasce e retorna.
Deste modo, o princípio mercurial se adequa a essa modalidade ao revelar que todo princípio de vida é calcado no movimento, no intercambio, na troca e no viver entre fronteiras. Jung amplifica citando: “Além de prima materia como início inferior e lapis como meta suprema, Mercurius também é o processo entre ambos e o seu agente mediador.” (JUNG, OC. 14/3, §283.)
O mercúrio e o mutável revelam a integração na vida, a força do coletivo, as diversas potencialidades construindo realidades, a antena e a asa, a ação para fora. Portanto, é no bailar com o coletivo que descobrimos e aprofundamos os contrastes que a experiência de vida pode proporcionar. Quando simbolizamos o diabólico, a realidade vivenciada se transmuta.
Segundo Jung: “beirando fortemente o elemento material, temos a definição de mercúrio como “força vivificadora”, semelhante a uma cola que une o mundo, ocupando o ponto mediano entre espírito e corpo.” (JUNG, OC.14/3, §263)
Por fim, é possível perceber uma relação simbólica próxima entre os 3 princípios alquímicos e o panteão do zodíaco. Em outras palavras, quando há a conjugação desses 2 conhecimentos, é manifesta a força da trindade do si mesmo atuando na quaternidade da personalidade. Finalizando com as palavras de Jung: “o si-mesmo é por definição o centro e a circunferência dos sistemas conscientes e inconscientes. Mas a regulação de suas funções de acordo com os “três ritmos” é algo que não posso comprovar. Ignoro aquilo a que aludem os três ritmos, mas não duvido de forma alguma que a alusão se justifica.” (Jung, OC.12, §310.)
Pedro Pimentel Rocha – Analista em Formação do IJEP
Waldemar Magaldi – Analista Didata do IJEP
Referências:
JUNG, C. G. Psicologia e alquimia.OC.12 Petrópolis: Vozes, 2021
JUNG, C. G. Estudos alquímicos. OC.13.Petrópolis: Vozes, 2021
JUNG, C. G. Mysterium Coniunctionis. OC.14/1. Petrópolis: Vozes, 2021
JUNG, C. G. Mysterium Coniunctionis. OC.14/3. Petrópolis: Vozes, 2021
PERROT, E. O caminho da transformação segundo C. G. Jung e a alquimia. São Paulo: Paulos 1998