Resumo: Este artigo discute quais seriam as possíveis causas da homofobia. Desejo reprimido, expectativas sociais, medo do desconhecido. Afinal, o que leva uma pessoa a apresentar aversão a algo que, a princípio, nem lhe diz respeito? Causas psíquicas e sociais podem estar em jogo num tema que é complexo e polêmico.
Recentemente viralizou o vídeo de uma jovem propondo que ela sabia a causa da homofobia. Segundo ela, a homofobia é um sinal de uma bissexualidade reprimida pois apenas uma pessoa que sente atração por ambos os sexos poderia acreditar que sexualidade é uma opção e que homossexuais estão escolhendo a “opção errada”. A proposição é certamente interessante, mas há algum mérito nessa afirmação?
A tese de que a homofobia é uma espécie de desejo reprimido do indivíduo é antiga. Sua base provavelmente encontra-se numa leitura popular da lógica do recalque do desejo de Freud. Do ponto de vista junguiano poderíamos dizer que, nesse caso, seria o resultado de um desejo sombrio, não integrado a consciência, se manifestando de maneira agressiva.
Essa tese é tão popular que psicólogos experimentais decidiram colocá-la a prova. Em 1996, um grupo de pesquisadoras da Universidade da Georgia, nos EUA, criou um experimento para tentar averiguar se havia uma correlação entre homofobia e desejo homossexual não declarado. Para isso, os pesquisadores recrutaram homens a partir de um único critério, ser heterossexual. Após aplicar um questionário para averiguar a atitude desses homens a homens homossexuais os pesquisadores os dividiram em dois grupos, um de homofóbicos e um de não homofóbicos.
A seguir todos passaram por um teste. Inicialmente um aparelho chamado pletismógrafo foi fixado ao pênis dos participantes para indicar seu estado (excitado ou não). Em seguida era apresentado a esses homens três vídeos eróticos, primeiramente um de sexo heterossexual, depois um vídeo de sexo lésbico e finalmente um de sexo homossexual e foi medido se os vídeos causavam excitação nos participantes. O resultado? O grupo dos homofóbicos apresentou um índice maior de atividade no pletismógrafo ao assistir o vídeo homossexual do que o grupo não homofóbico.
Aparentemente, a jovem estava certa em sua tese. Aliás, esse estudo se tornou um clássico usado para afirmar que a homofobia na realidade consiste em uma resposta defensiva a um desejo com o qual a consciência não consegue lidar. Entretanto a realidade é um pouco mais complexa do que isso.
Primeiramente porque o método foi questionado. Alguns pesquisadores levantaram objeções sobre o uso da pletismografia como método indicador de excitação sexual, tanto pela limitação do dado aferido em representar um estado fisiológico complexo, como porque outras reações emocionais e fisiológicas poderiam influenciar o resultado. Além disso, também é importante questionar se excitação, ereção e desejo, são sempre sinônimos.
Outro dado importante a ser pensado está no estudo em si. Apesar de mais homens do grupo homofóbico terem apresentado respostas ao vídeo de sexo gay, não foram todos que apresentaram excitação. Ademais, no grupo não homofóbico alguns homens também apresentaram excitação com o vídeo gay. Em suma, mesmo que o estudo seja válido, ele não apresenta uma explicação válida para todos os casos.
De qualquer forma é interessante considerar que, pelo menos para uma parte dos casos de homofobia. É possível que um desejo erótico reprimido esteja causando esse tipo de reação, um desejo sombrio, não reconhecido e nem integrado à consciência. Esse desejo reprimido seria capaz de se expressar como um monstro, um ser que carrega uma sexualidade distorcida, que é projetado no outro que acaba se tornando objeto de repulsa. Essa tese certamente tem o valor de explicar por que certas pessoas homofóbicas, algumas notórias figuras públicas inclusive, possuem uma fixação tão grande em sexo homossexual, especialmente o que diz respeito a pessoas do próprio gênero.
Uma outra tese levantada, essa mais difícil de avaliar num contexto experimental, é de que a questão não é sobre desejo, é sobre reagir negativamente a pessoas se comportando fora da norma de gênero esperada. Em termos da psicologia analítica, a homofobia seria uma reação violenta a uma suposta inadequação percebida na persona dos homossexuais, pois essa não corresponderia a seu gênero.
Obviamente podemos nos perguntar por que isso mobilizaria tanto uma pessoa?
Nesse caso, podemos imaginar que há conteúdo sombrio em jogo também. Jung vai propor que todos apresentamos aspectos do que ele chama de masculino e feminino. Uma pessoa que se irrita ao ver alguém fora de seu papel de gênero pode estar projetando no outro o medo que tem de entrar em contato com os elementos do gênero oposto em sua própria psique. Novamente aqui podemos ver como um conteúdo sombrio, não aceito pela consciência, é projetado no outro. Mais uma vez a incapacidade de lidar com elementos de si próprio acaba gerando a homofobia.
Uma terceira teoria propõe que a homofobia seria fruto da estranheza que a condição homossexual causa em pessoas que não convivem com esse grupo. Uma espécie de medo do desconhecido que geraria uma resposta agressiva. Nessa tese a projeção sombria seria mais difusa, digamos. O homossexual seria uma espécie de estranho e qualquer conteúdo não reconhecido poderia ser imputado a essas pessoas. Ou seja, o homossexual vira o bode expiatório daquilo que não se quer reconhecer em si mesmo.
Aqui talvez possamos dar sentido psicológico a certas loucuras que alguns religiosos extremistas dizem, como que os homossexuais são responsáveis por desastres naturais ao terem evocado a fúria divina.
Observando as três teses anteriores é fácil notar que todas explicam a homofobia a partir de um viés individual, o que certamente é interessante se considerarmos o contexto da clínica, mas que talvez perca um pouco do entendimento do cenário social do fenômeno. Num contexto mais amplo as coisas certamente mudam de lugar. A homofobia, de um ponto de vista mais social, não pode ser entendida como fenômeno ligado meramente ao indivíduo, mas também não pode ser separado da análise psicológica.
Um dos elementos fundamentais para entendermos a homofobia é que algumas das figuras públicas que se posicionam de maneira mais agressiva contra homossexuais talvez não estejam representadas psicologicamente em nenhuma das teses citadas anteriormente para explicar o fenômeno. A verdade é que muitos homofóbicos, na realidade, não se afetam com a presença de homossexuais. É um subgrupo que, na realidade não é psicologicamente homofóbico, mas adota o discurso da homofobia de maneira conveniente e perversa para auferir ganhos.
Há muito se sabe que uma maneira de unir pessoas é dar a elas um inimigo em comum. A comunidade homossexual tem sido há muito tempo esse inimigo fantasioso, transformada em bode expiatório por líderes inescrupulosos que, na ausência de um pânico moral, não conseguiriam manipular seus seguidores.
Essas lideranças oportunistas se valem do fato de que muitos de seus seguidores já são homofóbicos por conta do que foi dito anteriormente (desejos reprimidos, expectativas de gênero e estranhamento do outro). Esse grupo de pessoas é manipulado por esses líderes e sua aversão aos homossexuais é amplificada por meio de discursos de ódio inflamados e uma retórica falaciosa.
A partir daí, o contágio psíquico se instala e a homofobia se torna um assunto de importância que mobiliza pessoas que antes nunca teriam se importado com esse tema. Na análise, quando encontramos a homofobia, é necessário reconhecer também essa dimensão: a de que para muitos, o discurso não diz respeito a seu funcionamento mais íntimo, mas está ligado ao pertencimento a um grupo e a valores que são absorvidos de maneira irrefletida e inconsciente.
Seja qual for a causa da homofobia, há um fator que um estudo de 2008 observou que talvez torne a discussão mais frutífera.
Um grupo de pesquisadores da Universidade de Miami e da Universidade do Michigan aplicaram questionários a estudantes das referidas universidades além do teste psicológico conhecido como Big Five, que avalia cinco traços de personalidade. O estudo encontrou uma correlação negativa entre o traço de abertura à experiência e homofobia. Ou seja, quando menos disposta a pessoa era a experimentar coisas novas e considerar novas possibilidades mais homofóbica ela tendia a ser.
Esse achado é completamente compatível com o discutido anteriormente. Uma pessoa menos disponível para o novo também é menos disponível para o novo em si, para conteúdos ainda não reconhecidos em sua própria psique. Ou seja, quanto menos abertura, mais difícil será entrar em contato com a própria sombra e integrar alguma parte dela. Sobra então mais conteúdo disponível para ser projetado no outro. A maior rigidez psíquica também torna o indivíduo mais disponível para ser manipulado, caso o discurso de quem o manipula esteja alinhado com sua visão de mundo já pré-estabelecida.
Concluindo, a homofobia é um fenômeno bastante complexo, e por mais tentador que seja, não é possível explicá-la somente pela via do desejo reprimido. Há mais fatores em jogo que precisam ser consideradas se queremos compreender o que acontece a um indivíduo homofóbico, especialmente se estivermos em um contexto clínico.
Gabriel Andrade – Membro Analista em formação IJEP
Waldemar Magaldi – Membro Analista Didata IJEP
Referências:
ADAMS, Henry E.; WRIGHT, Lester W. Jr.; LOHR, Bethany A. Is Homophobia Associated With Homosexual Arousal? Journal of Abnormal Psychology, [S.l.], v. 105, n. 3, p. 440-445, 1996
CULLEN, Jenifer M.; WRIGHT, Lester W. Jr.; ALESSANDRI, Michael. The Personality Variable Openness to Experience as It Relates to Homophobia. Journal of Homosexuality, [S.l.], v. 42, n. 4, p. 119-134, 2002
WAIDZUNAS, Tom; EPSTEIN, Steven. ‘For men arousal is orientation’: Bodily truthing, technosexual scripts, and the materialization of sexualities through the phallometric test. Social Studies of Science, [S.l.], p. 1-27, 2015

