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Considerações sobre o envelhecimento

A vida é um processo de crescimento, uma combinação de situações que temos de atravessar. As pessoas falham quando querem eleger uma situação e permanecer nela. Esse é um tipo de morte.

Anais Nin

Com o crescimento da população idosa, não raro nos deparamos com a realidade de ter que assumir os cuidados de nossos pais. Esse cuidado pode ir desde uma atenção mínima cotidiana até a demanda frequente de cuidados que acabam resultando em uma internação hospitalar ou em clínicas especializadas.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimam que o percentual de brasileiros com mais de 60 anos de idade até o ano de 2025 passará de 8,9% para 18,8%. Entre os idosos, o segmento que mais cresce é o dos mais velhos, o grupo com 75 anos ou mais,  cujo crescimento foi de 49,3% entre 1991 e 2000. 

O processo de envelhecimento é inexorável, com um progressivo decréscimo na capacidade fisiológica e modificações do nível molecular ao morfofuncional, incluindo um declínio orgânico, aumentando a suscetibilidade e vulnerabilidade à doenças e a morte. (Fechine, Trompieri, 2012).

 Segundo Palácios (2004), o envelhecimento não é um processo unitário, não acontece de modo simultâneo em todo o organismo e também não está associado à existência de uma doença. Na verdade, envolve múltiplos fatores endógenos e exógenos, os quais devem ser considerados de forma integrada, principalmente ao fazermos algum diagnóstico.

 Observando déficits físicos, cognitivos e comportamentais, verifica-se desde esquecimentos corriqueiros até dificuldade de desempenho social, distúrbios da memória, linguagem, percepção, práxis, habilidade de desempenhar o autocuidado, capacidade de solucionar problemas do dia a dia, pensamento abstrato e capacidade de fazer julgamentos. Dentre esses déficits cognitivos temos os processos demenciais, comuns nos idosos maiores de 75 anos. Com o aumento da faixa etária é comum observarmos o aumento dos casos de demência senil. Essa síndrome é caracterizada pela deterioração intelectual progressiva em indivíduos anteriormente hígidos (Schlindwein-Zanini, 2010). 

Diante deste cenário, somos chamados a gerenciar a vida daquele que até a pouco era senhor de suas ações e tinha sua vida independente. Gerir a vida daquele que nos deu a vida, esteve presente desde os nossos primeiros dias, que nos ensinou a ser o que somos, nos fortaleceu quando tivemos os desencontros da vida, quando erramos, enfim, aquele que sempre nos apoiou nos momentos mais difíceis da nossa existência e esteve ao nosso lado nos prestigiando diante das nossas conquistas, mostrando o orgulho por nossos feitos…Gerir essa vida, que era a nossa referência anteriormente, não é uma tarefa fácil.

O familiar que cuida do idoso é o principal responsável pelas decisões a serem tomadas e assume a maior carga emocional e física. Dependendo da complexidade da relação anterior, se foi satisfatória com um vínculo forte e emocional, ou se foi marcada por embates e desentendimentos, podemos observar muitas dificuldades ao assumir esse nova mudança de papéis. A aceitação dessa pessoa que se apresenta agora, a assistência em suas necessidades básicas, a progressiva lentidão do pensamento, a dificuldade em andar, em tomar banho sozinho, fazer sua comida, se servir da comida, tomar seu medicamento na hora certa, são exemplos da nova configuração que agora se apresentam como realidade. Quantas pequenas coisas que se tornam grandes demais para esse filho que agora terá que responder pela vida de seus pais.

Esse vínculo também pode ter sido frágil, e mesmo assim podemos observar a dificuldade em lidar com esse momento tão delicado. Sentimentos de negação de raiva, rancor, indiferença podem ampliar e muito essa dificuldade

Hoje temos muitas novidades nessa área que, na verdade, não são  tão novas, apenas mudaram de nome e funcionam quase como sempre existiram. As Clínicas denominadas instituições de longa permanência de idosos (ILPI), e que nada mais são do que os antigos asilos, mas com outra estrutura, mais preocupada com o atendimento multidisciplinar desse idoso, assim como os centros de vivência de idosos para passarem o dia, com atividades, como música, dança, pintura, etc, são exemplos de locais que estão diversificando seus serviços para atender uma demanda cada vez maior.

Essas clínicas têm sua importância ampliada nos dias de hoje, considerando a urbanização das cidades, onde não há espaço físico seguro para o idoso, para caminhar tranquilamente pelas ruas por exemplo. Outra questão a ser discutida é o pouco tempo das pessoas em casa devido sua carga de trabalho excessiva e as mudanças que ocorreram nas estruturas familiares com famílias cada vez menores e suas dificuldades de locomoção, devido ao transito e carência de transporte coletivo. As mulheres que, tradicionalmente eram as cuidadoras, hoje em dia acabam tendo uma carga de trabalho igual ou maior do que a dos homens, assumindo vários papeis, acabam tendo mais dificuldade de assumir essa responsabilidade. E, não menos importante, é  o aspecto financeiro que não pode ser esquecido e que acaba sendo determinante no processo de decisão. Todos esses fatores devem ser levados em consideração ao se decidir o que fazer com essa pessoa que hoje não consegue ser senhor de sua própria vida.

Muitas famílias optam por essa solução: a de colocar essa pessoa nas instituições para idosos. Mas, apesar de saber que aquele ser está sendo assistido em suas necessidades básicas, isso não tranquiliza aquele que tomou a decisão. Sentimentos mais diversos tomam conta dessa pessoa que agora tem as rédeas dessa vida, sentimento de culpa, de insegurança, de se estar fazendo o certo, de abandono, etc., incomoda aquele que deve decidir sobre a questão.

Diante desta vida civilizada onde existe a necessidade de uma atividade concentrada e dirigida da consciência, muitas vezes nos distanciamos da psique inconsciente e ficamos polarizados com determinadas atitudes robotizadas. Passamos por cima de nossos sentimentos.

Segundo Jung (2013, capítulo VII), devemos lembrar que entre a consciência e o inconsciente não existe uma linha divisória, matemática, marcando essas fronteiras.  A consciência é relativa porque seus conteúdos são ao mesmo tempo conscientes e inconscientes. Conscientes em um aspecto e inconsciente em outro. A psique forma um todo consciente-inconsciente. Temos consciência das coisas através das percepções sensoriais, porque enxergamos, ouvimos, apalpamos e cheiramos o mundo. Essas percepções é que nos fazem perceber as coisas fora de nós.

Ainda de acordo com Jung (2013), existe os chamados complexos, que consiste em um fator psíquico que possui energia própria que supera as vezes o valor de nossas intenções, complexos esses que não controlamos e que podem ser ativados nos colocando em situações embaraçosas com pensamentos obsessivos e ações compulsivas, descontroladas e inapropriadas para o momento que se apresenta. Têm elevado grau de autonomia e mesmo que queiramos reprimir são impossíveis de negar sua existência e, volta e meia, aparecem incomodando.

Os sentimentos de culpa, geralmente, podem estar relacionados aos complexos culturais, psíquicos, sociais e familiares que são ativados quando nos encontramos diante da decisão do que fazer com os nossos velhos. Muitas questões se tornam pontos importantes de reflexão, desde aspectos culturais, como por exemplo em famílias orientais ou mesmo nas mais tradicionais, onde o idoso é respeitado como figura ancestral e/ou de autoridade, vive junto de seus familiares com a expectativa de que será cuidado na velhice por seu filho mais velho. Ou mesmo aspectos mais individuais, que muitas vezes se referem a especificidade daquela família, que acabam se evidenciando no momento de decidir como e onde será realizado o cuidado de seu velho. Diante disso, como tomar a decisão de deixá-lo em instituições sem considerar os vários aspectos que envolvem essa relação?

Não menos importante será considerar o papel da mulher dentro da família que recentemente ainda se encontrava à serviço dos filhos e da manutenção da própria casa, enquanto seu companheiro saia para trabalhar. Ela era a responsável para cuidar de tudo e de todos, servindo e administrando seu lar. Mas hoje o cenário mudou, porque a maioria das mulheres fazem parte da força tarefa do dia a dia, saem junto com seus maridos ou companheiros e não estão mais em casa.

Soma-se a isso a questão financeira, pois o custo de se providenciar cuidadores 24h para atentar as necessidades de um idoso, muitas vezes, torna-se inviável para muitas famílias.

E não podemos esquecer que hoje é crime desobedecer ao Estatuto do Idoso de acordo com seu artigo terceiro, cito:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (Lei n.10.741, de 1º de outubro de 2003; Brasil, p.1)

Apesar do estatuto do idoso trazer contribuições importantes para a recuperação do prestigio e da dignidade desse grupo e do envelhecimento, de ser considerado um triunfo da humanidade, gera desafios e sinaliza a necessidade de ações urgentes, com programas para garantir a qualidade de vida dessa população. Esses idosos encontram-se em situação de vulnerabilidade e muitas vezes sofrem violência das mais diferentes formas.

O idoso revê posições, reformula atitudes, repara seus erros, está em constante trabalho com a memória. Mas para realiza-lo precisa de apoio, segurança, saúde e uma boa aposentadoria. O cuidador, o responsável e a família demanda a mesma atenção, há uma necessidade urgente de um debate sobre esses aspectos. A responsabilidade daqueles que deverão tomar essa decisão precisa ser entendida e compreendida em suas diferentes formas. Quando se está de fora é muito fácil criticar, mas há um cenário em ampla transformação , que nos convida à uma escuta da nossa recente vitória humana de extensão da vida, mas que junto carrega a necessidade de atender e compreender a demanda que esse aumento nos trouxe. Como o próprio Jung (2013) nos alerta ao tratar as etapas da vida humana, deve haver um sentido para conseguirmos viver muito além da etapa de procriação da espécie. Portanto, talvez seja esse o sentido que concretamente esteja sendo apresentado para nós quando nos deparamos com a necessidade de atender e criar um lugar para o idoso hoje.

Ivone Ferreira, Analista em formação pelo IJEP

SP –  Fone (11) 5031 6203 – secretária Cristina 

Contato@nucleoivoneferreira.com.br

REFERÊNCIAS

FECHINE, B.R.A., TROMPIERI, N.. O processo de envelhecimento: As principais alterações que acontecem com o idoso com o passar dos anos. Inter Science Place Revista Científica Internacional, V.1, artigo nº 7, p. 106-194,2012.

JUNG, C.G.. A natureza da psique / tradução de Mateus Ramalho Rocha – 10. Ed.- Petrópolis, Vozes, 2013.

PALÁCIOS, J.. Mudanças e Desenvolvimentos Durante a Idade Adulta e a Velhice. Em C. Coll, J. Palácios, & A. Marchesi. Desenvolvimento Psicológico e Educação Psicologia Evolutiva Vol.1 2ª. Ed. Porto Alegre, Artmed, 2004.

SCHLINDWEIN-ZANINI, R.. Demência no idoso: aspectos neuropsicológicos. Revista Neurociências, Revisão, artigo 18, p.220-226, 2010.

SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Coordenação Geral dos Direitos do Idoso, IBGE,Dados sobre o envelhecimento no Brasil.https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-da-pessoa-idosa/publicacoes/dadossobreenvelhecimentonobrasil.pdf. Acesso em: 20 de junho, 2018.

Ivone Ferreira

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