A depressão é uma experiência humana complexa, que vai além da tristeza ou da falta de ânimo. Muitas vezes, ela revela um sentimento de desconexão com a própria vida, com os outros e com aquilo que dá sentido à existência. Para a psicologia analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung, a depressão não é apenas um problema a ser eliminado, mas pode ser um sinal de que algo dentro de nós precisa de atenção e mudança. Em vez de ver os sintomas apenas como algo negativo, essa abordagem propõe que eles são mensagens do inconsciente — uma forma da psique expressar conflitos profundos e nos convidar a olhar para dentro. Este artigo busca refletir sobre a depressão a partir desse ponto de vista, mostrando como sonhos, imagens simbólicas e a criatividade podem ajudar no processo de autoconhecimento, cura e transformação pessoal.
A depressão, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), é um transtorno mental comum, porém grave, que impacta significativamente a vida diária.
Ela compromete a capacidade de trabalhar, estudar, dormir, alimentar-se e desfrutar da vida. Causada por uma complexa interação de fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos, a depressão afeta, atualmente, mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo.
É crucial distinguir a depressão das flutuações normais de humor e das reações emocionais transitórias aos desafios cotidianos. Quando a depressão se manifesta de forma moderada ou grave, especialmente por períodos prolongados, ela se configura como uma condição de saúde crítica, gerando sofrimento intenso e disfunções em diversas áreas da vida. Em situações extremas, pode levar ao suicídio.
Em uma sociedade que supervaloriza a especialização, o alto desempenho, a produtividade e a busca incessante pela alegria constante, observa-se um aumento no número de pessoas que se sentem desconectadas do seu propósito e do ritmo natural da alma. Essa desconexão pode desencadear sentimentos de vazio, tristeza, falta de energia e estagnação – sintomas que frequentemente se associam à depressão.
Segundo Jung, os sintomas emergem na vida dos indivíduos quando há uma dificuldade em reconhecer e integrar o outro lado do próprio ser, servindo, assim, como uma via para que aspectos não reconhecidos da alma encontrem expressão.
Em minha experiência clínica como analista junguiana, tenho acompanhado clientes que enfrentam episódios depressivos, guiando-os em seus processos de “descida aos infernos” da alma. Frequentemente, esses clientes buscam explicações para seus sintomas em causas exclusivamente biológicas, como desequilíbrios hormonais ou neurológicos, separando mente e corpo. No entanto, a constatação de que a medicação, por si só, não proporciona a cura desejada os impulsiona a procurar o auxílio da psicoterapia.
O trabalho clínico, utiliza os princípios da psicologia junguiana e da psicossomática, que buscam compreender os sintomas como expressões simbólicas do Self, sem desconsiderar a importância da intervenção farmacológica quando necessária.
O objetivo principal é aprofundar a compreensão dos sintomas que surgem durante os episódios depressivos, visando desvendar o significado da depressão e identificar o que precisa ser reconhecido e integrado nesse estado afetivo.
Na perspectiva da psicologia analítica, a compreensão da depressão ultrapassa a mera tristeza ou melancolia, indo além das disfunções bioquímicas. A depressão é vista como um profundo desequilíbrio psíquico, uma manifestação simbólica de conflitos internos e de conteúdos reprimidos que buscam expressão, além de uma desarmonia entre o consciente e o inconsciente.
A depressão não é apenas uma reação patológica, mas também uma consequência natural da necessidade de transformação da psique. Sentir-se deprimido, portanto, não deve ser interpretado automaticamente como um sinal de patologia, mas sim como um processo psíquico complexo que frequentemente se origina de conflitos inconscientes e da necessidade de integrar aspectos da personalidade que ainda não foram reconhecidos.
Os quadros depressivos podem, assim, ser compreendidos como um estímulo para a busca de novos caminhos, um chamado ao caminho interior. No entanto, muitas pessoas relutam em dar esse passo, permanecendo presas ao passado gerando a sensação de estarem paralisadas.
Rudolf Steiner, teórico da antroposofia, explica que a vida humana é marcada por ciclos que se renovam a cada sete anos.
Cada ciclo é composto por um período de intensa atividade, seguido por um de esvaziamento, até que um novo ciclo se inicie. Durante essa fase de transição, aquilo que antes conferia significado à vida tende a perder sua força, o que pode desencadear sentimentos de angústia e vazio. Se aproveitarmos esse momento de maneira consciente, ele pode se transformar em um período de recolhimento valioso, ideal para refletir sobre a jornada percorrida, questionar nossos rumos, definir quem desejamos ser e identificar as áreas da vida que exigem maior atenção para promover nosso desenvolvimento. Dessa forma, somos naturalmente convidados, em intervalos regulares, a examinar nossa trajetória e realizar os ajustes necessários em direção ao nosso processo de individuação – ou seja, de nos tornarmos quem realmente somos.
Nesse contexto, a angústia e o vazio existencial, longe de serem meros obstáculos, integram o percurso e se mostram essenciais, pois proporcionam oportunidades de revisão e redirecionamento.
No entanto, se, durante esse período de vazio, nos apegarmos excessivamente ao passado e resistirmos às mudanças, fechando-nos às novas possibilidades que a vida nos oferece, podemos comprometer o nosso crescimento. Essa resistência pode intensificar os sintomas de mal-estar, dificultando a nossa evolução pessoal e aumentando a probabilidade de desenvolver quadros depressivos patológicos.
Embora a psicologia analítica não ofereça uma tipologia de depressão estruturada como os manuais diagnósticos, James Hollis, em Os pantanais da alma, sugere diferentes nuances da experiência depressiva, aprofundando nossa compreensão do fenômeno e de sua dinâmica inconsciente.
Hollis propõe a diferenciação entre depressão reativa, endógena e intrapsíquica, reconhecendo que um indivíduo pode experimentar até os três tipos simultaneamente.
A depressão reativa pode surgir como uma resposta normal a situações de perda ou desapontamento, envolvendo a regressão da libido. No entanto, o autor salienta que a incapacidade de elaborar o luto, seja ele real ou simbólico, resulta em um aprisionamento no passado por um longo período de tempo, perpetuando o sofrimento que se manifesta em sintomas depressivos.
A depressão endógena, cuja etiologia permanece em grande parte desconhecida, apresenta uma provável base biológica e fatores genéticos, frequentemente observada em histórico familiar. Pacientes com esse tipo de depressão relatam um estado de ânimo e humor deprimido persistente, que interfere significativamente em suas atividades diárias. Porém, o autor esclarece que, embora o tratamento farmacológico com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como Prozac, Paxil e Zoloft, possa melhorar a qualidade de vida desses indivíduos, é importante considerar que o tratamento da base biológica não elimina as dificuldades inerentes à vida nem a possibilidade de ser acometido por outros tipos de depressão.
A depressão intrapsíquica, por sua vez, pode ser comparada a um poço sem fundo que exige um mergulho profundo para ser compreendido.
Conforme o autor, esse tipo de depressão resulta da repressão de emoções e características essenciais do indivíduo, consideradas inaceitáveis pelo padrão dominante da consciência, revelando a necessidade de integrar aspectos sombrios da personalidade.
Vale salientar que a distinção entre depressão reativa, endógena e intrapsíquica, embora útil para a compreensão de diferentes nuances da experiência depressiva, não deve ser interpretada de forma rígida. A coexistência desses tipos em um mesmo indivíduo é frequente, demonstrando, mais uma vez, as limitações de uma categorização estritamente diagnóstica.
Hollis também analisa a etimologia da palavra “depressão”, que significa “pressionar para baixo”, questionando o que é sufocado nos episódios depressivos.
Ele argumenta que, na maioria das vezes, nesse quadro, a intencionalidade da vida é reprimida, negada e violada. A intensidade da depressão, portanto, relaciona-se diretamente à força vital reprimida, transformando a vida em um campo de batalha interna, no qual o indivíduo se vê envolvido. A depressão, nesse contexto, pode ser interpretada como um símbolo do processo de vida, um chamado à integração de conteúdos inconscientes, inerente ao processo de individuação.
Para compreender a mensagem da depressão, é válido questionar: Qual o seu propósito? O que busca revelar? O que ainda me prende e não me deixa retornar ao fluxo natural da vida? O que é essencial para mim, e estou deixando de fazer?
A experiência depressiva, vista como um chamado para a integração de conteúdos inconscientes, revela a necessidade de confrontar a sombra, integrar aspectos negados da personalidade e resgatar a vitalidade perdida.
A dor da depressão, portanto, pode ser interpretada como um sinal de que algo essencial à identidade e à integridade psíquica precisa ser resgatado e integrado, um processo fundamental para a individuação.
Portanto, é fundamental ter cautela quanto ao uso excessivo de medicamentos no tratamento da depressão. Embora possam proporcionar alívio temporário dos sintomas, esses fármacos, em certos casos, podem interferir na capacidade do indivíduo de acessar suas emoções e elaborar os aspectos psíquicos inconscientes que originam o conflito, o qual se manifesta psicossomaticamente na depressão. Em vez de tratar a raiz do problema, o uso indiscriminado de medicamentos pode mascarar suas causas, impedindo uma oportunidade de cura profunda.
A psicologia analítica compreende a psique como um sistema energético fechado, com quantidade de energia constante. A mudança reside no direcionamento dessa energia dentro do próprio psiquismo.
As alterações no fluxo energético não são aleatórias, mas seguem uma estrutura arquetípica, compensando e preservando a integridade psíquica em direção ao desenvolvimento teleológico da personalidade.
A vida nos proporciona uma quantidade suficiente de energia para nossa jornada, mas, ao percebermos uma diminuição dessa energia, é fundamental refletir sobre se as escolhas que estamos fazendo realmente ressoam com a nossa essência. Como destaca Hollis: “somente observando a nossa perda de energia podemos seguir esse caminho até o ponto de separação. A energia perdida é recuperável. Se optarmos por servir à alma, a energia voltará a nos servir”.
Em algumas situações, a libido é retirada da consciência porque algum conteúdo inconsciente, que tende a emergir, a atrai. Trata-se de um conteúdo inconsciente que demanda atenção consciente.
A progressão da libido promove adaptação, crescimento social e expansão, enquanto sua regressão ativa conteúdos internos, levando à introspecção, à melancolia e, possivelmente, à depressão. A depressão frequentemente surge em indivíduos que, por longos períodos, priorizaram o mundo externo em detrimento do interno. Nesse caso, os sintomas depressivos atuam como um mecanismo enantiodrômico e compensatório, impulsionando a contemplação da totalidade psíquica e o resgate da individuação pelo ego.
A depressão, como toda doença, pode ser compreendida como uma expressão simbólica da psique, que busca compensar desequilíbrios da consciência. Esse processo envolve a integração de conteúdos reprimidos e a religação do ego ao Self, configurando-se como uma tentativa de autorregulação.
Conforme explorado, a psicologia analítica enxerga a depressão como uma oportunidade para o crescimento, e não como um mero desastre. A abordagem enfatiza a importância do trabalho reflexivo, da análise do significado e dos aprendizados potenciais inerentes à experiência depressiva.
No setting terapêutico, a abordagem da depressão sob a perspectiva junguiana enfatiza a importância de um mergulho simbólico no universo interno do paciente.
O terapeuta, como um guia, auxilia o indivíduo a explorar as imagens que emergem do inconsciente, desvendando os nós que aprisionam a alma.
A ênfase recai sobre a importância crucial do mergulho simbólico, onde a análise dos sonhos e a prática da arteterapia emergem como faróis orientadores. Ao explorar os sonhos, desvendamos as imagens e os símbolos do inconsciente, que revelam os conflitos internos e as mensagens que a depressão busca comunicar. A arteterapia, por sua vez, oferece uma linguagem expressiva, permitindo que as emoções reprimidas encontrem uma forma de se manifestar e serem compreendidas.
Essa jornada, que demanda tempo e dedicação, não visa apenas o alívio dos sintomas, mas a transformação profunda. O objetivo central é auxiliar o cliente a ressignificar suas experiências, resgatando e integrando potencialidades reprimidas. Essa nova compreensão possibilita um redirecionamento de vida mais consciente, permitindo a descoberta de caminhos mais plenos de realização.
Caroline Costa – Membro Analista em formação IJEP
Waldemar Magaldi – Membro Analista Didata IJEP
Referências:
DAHLKE, R. Depressão: caminhos de superação da noite escura da alma. São Paulo: Cultrix, 2017.
HOLLIS, J. A passagem do meio: da miséria ao significado na meia-idade. São Paulo: Paulus, 1995.
______. Os pantanais da alma. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2008.
UTESCHER, Eliane. Os 9 setênios – antroposofia. Biblioteca Virtual da Antroposofia, 16 jul. 2020. Disponível em: <http://www.antroposofy.com.br/forum/posts/?s=setenios>. Acesso em: 2 jun. 2021.