Site icon Blog IJEP

Dias de Hoje

Diz o Tao Te king:

De mil benefícios goza um povo,

Quando não se fala mais em ser virtuoso nem santo.

Verdadeira reverência e amor sincero

Medram numa sociedade

Em que o direito e a moral deixam de ser prescritos.

A ordem não reina numa sociedade

Onde o interesse determina o agir.

Esses princípios não podem ser prescritos,

Mas devem ser vividos.

Somente onde eles são vivenciados

É que ajudam os homens.

A ética genuína só existe

Onde o homem vive de dentro da sua fonte

E age pela pureza do seu coração;

Onde a genuinidade do seu ser

Se revela em atos desinteressados

E isentos de desejos.” 19 (O fundamento da verdadeira ética).

Certamente o momento presente em nada se parece com os dizeres de Lao-Tse. O mundo, o Brasil, vive uma turbulência onde as Bestas, Wotan, como diria Jung, despertaram e ameaçam as pessoas.

Mas os Demônios não despertam sozinhos. Hão de ser feitos muitos sacrifícios e rituais para despertá-los. Muitos interesses hão de estar presentes para que estas forças atuem na massa e estas sejam devidamente manipuladas e a onda seja posta em movimento.

 O que os manipuladores e instigadores da violência não sabem é que, uma vez em movimento, a onda cria autonomia e não é mais direcionada. Assim como um complexo de massa. Assim como a sombra coletiva quando constelada torna-se incontrolável, geometricamente mais forte que a soma de seus elementos.

A moral é prerrogativa do ego, mas a ética é intrínseca ao Self e de há muito estamos desconectados de nós mesmos. Nossa sociedade é muito ególatra, – A ética genuína só existe

Onde o homem vive de dentro da sua fonte – diz Lao-Tse, justamente onde vive o homem em processo de individuação, de maneira consciente e cooperativa,  em seu eixo ego-self, conectado a sua essência, projetado em seu sentido teleológico, irmanado à sociedade e não apartado – numa sociedade

Onde o interesse determina o agir. – como alerta o texto acima.

O que vemos nos dias atuais, e não só no Brasil, é um levante de forças inconscientes e perversas que resistem à conscientização da civilidade. E pessoas, que professam uma civilidade, apoiam atitudes cuja consequência é certamente desastrosa, porque na massa há um rebaixamento de consciência e um despertar de forças inconscientes que, de há muito tempo, estão sendo alimentadas pelas redes sociais, pela mídia e por pessoas interessadas na desestabilização econômica e social, com interesses pessoais e partidários. É certo que as consequências serão violentas e sangrentas, como as que estamos vendo.

Não há controle de massa.

O conhecimento atual é fragmentário e o conhecimento necessário para entender o que está ocorrendo é o da história e da filosofia e, infelizmente estes não se fazem com frases de efeito, é necessário debruçar-se em compêndios por dias, meses, conectar um fato a outro, buscar sentido onde nem sempre ele está presente. Entender o efeito enantiodrômico que existe na corrente do tempo, nos feitos históricos. A enantiodromia é a teoria do caos, em todo caos há um princípio de ordem e vice-versa, tudo é uma questão de temporalidade e compensação. Hoje estamos mergulhando no caos social e pouca gente percebe que há pouca consciência e muita inconsciência. Por mais que o homem avance tecnologicamente, estamos retornando as trevas da ética e da moral. Uma compensação à tecnologia é a barbárie humana, isso é enantiodromia. Não é possível que tudo avance ao mesmo tempo, sempre haverá avanços e retrocessos. Infelizmente o retrocesso é psicológico.

Jung comenta acerca dos fatos ocorridos na Alemanha e que parecem estar próximos de se repetirem em vários pontos do planeta: “No momento em que o mal irrompe no mundo, ele já eclodiu por toda parte no âmbito psíquico. A toda ação corresponde uma reação que provoca tanta ou mais destruição do que a ação criminosa, pois o mal deve ser totalmente erradicado. Para não sermos contaminados pelo mal, precisaríamos propriamente de um ‘rite de sortie’ que consistiria na declaração solene da culpa e da absolvição posterior do juiz, do verdugo e do público.” Indignado acrescenta: “Com espanto, comprovamos que o homem é capaz de tudo, que nós somos capazes de tudo e desde então paira uma dúvida atroz acerca da humanidade a que pertencemos.”

Você se considera capaz de espancar uma mulher até a morte que supostamente pertence a uma seita que utiliza crianças em rituais macabros? Você se considera capaz de jogar um vaso sanitário de uma marquise de um estádio sobre uma multidão? Você se considera capaz de atear fogo em um ônibus com passageiros dentro? Você se considera capaz de quebrar caixas eletrônicos para tirar o dinheiro que está lá dentro? Você se considera capaz de destruir concessionarias de carros e os veículos que lá estão de maneira torpe e gratuita? Você é capaz de destruir o patrimônio público de maneira irresponsável simplesmente para demonstrar insatisfação governamental, política, vivencial, …? Você não faz isso porque acha errado, porque não tem coragem, ou porque tem medo de ser preso?

Acreditando ou não, fazendo ou não todas estas coisas, uma parte de nós torce para que elas sejam feitas enquanto outra as abomina. É a natureza humana, o que não está na luz da consciência está na escuridão do inconsciente, assim é. Partilhamos o mesmo inconsciente coletivo, experienciamos a mesma evolução e passamos pelas mesmas fases reptilianas em que nosso objetivo único era sobreviver, crescer e perpetuar. Quantos indivíduos vivem exatamente desta maneira e sem nenhum outro objetivo?

Parece que uma parcela ainda grande da humanidade vive no nível Bege = arcaico/instintivo, na análise de Ken Wilber, onde o que impera é a necessidade de sobrevivência, vivem em bandos de sobrevivência, mas não, temos um desenvolvimento que nos leva além disso porém, nos campos de refugiados que proliferam no mundo de hoje, é isso que vemos crescer dia a dia. Wilber diz que aí estão 0,1% da população do mundo e exercem 0% do poder, mas será que este número não tem crescido?

 O nível Roxo = mágico/animista, é o das tribos étnicas com 10% da população mundial no entendimento de Wilber e exercem 1% do poder mundial. Como sua designação diz, creem em muitas coisas mágicas, possuem fortes laços de sangue, unem-se em grupos, gangues, comunidades, equipes esportivas, “tribos” corporativas e são comuns no terceiro mundo. São belicosos.

Esses dois níveis pertencem ao grupo de indivíduos cuja população subsiste ao nível pré-pessoal, os 4 seguintes pertencem aos níveis pessoais.

O nível vermelho = deuses do poder, diz Ari Raynsford: “primeira emergência do self distinto da tribo; poderoso, impulsivo, egocêntrico, heroico. Espíritos mágicos-místicos, dragões, feras. Deuses e deusas arquetípicos, seres poderosos, forças com que se podem contar, tanto boas quanto más. Senhores feudais protegem os servos em troca de obediência e trabalho. A base dos impérios feudais – poder e glória. O mundo é uma selva cheia de ameaças e de predadores. Conquista, engana e domina; aproveita ao máximo, sem desculpa ou remorso”.

Embora pareça um conto, ainda temos muitas civilizações vivendo nesta esfera mítica, atualizada enquanto imagem arquetípica, mas os conteúdos estão todos lá.. 20% da população mundial no entender de Wilber vive neste nível e 5% deles exercem poder mundial. São os líderes de gangues, soldados mercenários, astros de rock, rebeldes…

O nível 4 é o Azul = regra conformista. É introduzido o conceito de Outro e de Ordem, onde regras devem ser seguidas para que consequências não sejam vivenciadas. As hierarquias são rígidas e invioláveis. O maniqueísmo é imposto. Sistema paternalista. Déspotas protegem e exploram e sociedades imaturas anseiam por governantes paternalistas, mesmo que sejam cruéis.

Neste nível temos 40% da população mundial e 30% do poder. Semelhantes à América puritana, Fundamentalismo Islâmico, lugares patriotas extremos, onde existe uma maioria moralista…

O nível 5 é o laranja = realização científica. É a libertação do self da mentalidade de grupo, é a busca pela verdade de maneira individualista, científica. Busca da realização científica e dos bens materiais.

A ciência se torna soberana sobre a política, economia e todas as outras esferas da vida humana. Aqui temos a base dos estados corporativos, com todos os movimentos que lhes dão sustentação. Reino da Wall Street, Grandes Indústrias, guerra Fria, materialismo, Classes emergentes… Equivalem a 30% da população e representam 50% do poder mundial.

O próximo nível é daquelas criaturas que querem fazer a diferença neste planeta. São o nível 6 Verde = O Self sensível. São os indivíduos politicamente corretos, que possuem consciência ecológica, que querem resgatar Gaia, mãe Terra como um ser vivo.

Infelizmente são apenas 10% da população mundial e exercem 15% do poder, mas são os mais necessários para acabarmos com o caos social. Pregam a igualdade, bases relacionais de ajuda e diálogo, são a base das comunidades coletivas que visão a sustentabilidade. Decidem através de reconciliação e consenso, coisa rara nas negociações que vemos hoje e que geram tanta violência nas ruas. Pregam a espiritualidade e a  harmonia.

Diferentemente do ocidental que tende ao pensamento linear, eles propõem um pensamento mais oriental não-linear. São grupos pós-modernistas, Greenpeace, ecopsicologia, direitos humanos, movimentos de diversidade, psicologia humanística…

Você já pensou em fazer parte de um grupo desses?

Existem ainda mais dois níveis que Wilber chama de níveis do Ser. Eles reconhecem e respeitam todos os níveis da espiral, embora o contrário não seja verdade, cada nível ache que seu modo de vida seja o melhor e mais adequado à humanidade e que os outro são errados, infiéis, pagãos…

Esses dois níveis são: Amarelo = Integrativo, traz uma visão de caleidoscópio de hierarquias naturais, sistemas e formas. Priorizam a competência e o conhecimento em detrimento do poder.

O outro é o Turquesa = Holístico, com energias integrativas unindo as polaridades de sentimento e conhecimento. Ampla consciência. Grande unificação em teoria e prática. Ari Rainsford: “Algumas vezes envolve a emergência de uma nova espiritualidade como uma teia de toda a existência. O pensamento turquesa usa a espiral completa; vê múltiplos níveis de interação; detecta harmônicos, as forças místicas e os estados de fluxos que permeiam todas as organizações. “Infelizmente encontramos apenas 0,1% da população no nível turquesa, certamente se fosse diferente o mundo não estaria tão caótico como está.

Esta explanação partiu do meu comentário sobre nossa evolução a partir do estágio reptiliano de sobrevivência, aí veio o límbico das emoções e, pelo visto hoje, elas estão absolutamente sem controle, como se fossemos puramente mamíferos e nada mais. Com o néo-cortex adquirimos o potencial reflexivo, criativo e simbólico. Quando na massa, certamente, este estágio fica entorpecido pelos anteriores porque ele perde a capacidade de atuação. Não conseguimos reagir de maneira civilizada numa situação de conflito na massa, quando a onda perde o controle nossa reação é fuga ou ataque. A reação é atômica. Deixamos de ser humanos, somos apenas matéria reagente.

Se considerarmos que temos o neo-cortex complexo então…cuja finalidade é trazer a capacidade de transcendência e integração….Pergunto: Esses indivíduos, que nos dias de hoje – maio de 2014 – estão quebrando tudo no país, passaram por este estágio evolutivo?

A questão não é o direito de reivindicar, a questão é o de como se organizar para faze-lo. Pensar em quem se vai prejudicar, quais as consequências e riscos. Um indivíduo é muito diferente de uma massa de indivíduos.

Jung diz: “A contínua expansão da assistência estatal é, por um lado, muito bonita mas, por outro, bastante suspeita na medida em que retira do indivíduo a responsabilidade, produzindo cordeiros e pessoas infantilizadas. Ademais existe o perigo da exploração dos competentes pelos irresponsáveis, como aliás aconteceu em muitos casos na Alemanha. É preciso que se tente preservar o máximo o instinto de autoconservação do cidadão, pois separado da raiz nutrícia de seus instintos o homem se converte num joguete de todos os ventos; nesse caso, ele não passa de um animal doente, desmoralizado e degenerado cuja sanidade só poderá ser restituída mediante uma catástrofe”.

Influenciado pela mídia funesta, esse “cordeiro” pode ter seu lobo inconsciente alimentado e desperto, e se um lobo pode ser domesticado, uma matilha não é passível de controle. É o que estamos vendo todos os dias na tela das televisões de todo país.

Quando às vésperas da Copa do Mundo de Futebol se faz campanha contra a mesma, eu pergunto: Agora? Qual o intuito de se fazer manifestações, paralisações num momento como este? Claro que existiam prioridades a serem vistas e exigidas quando houve a candidatura do Brasil a país sede da Copa, e não agora quando o evento está para ocorrer, quando esperamos recuperar um dinheiro mal gasto e que este é o ÚNICO meio de vermos algum lucro voltando aos cofres. Não dá para dar tiro no pé. Não é fazendo greves e passeatas, dificultando a vida de um monte de pessoas, que vamos recuperar o dinheiro mal gasto em estádios. Concordo que não precisávamos disso. Mas agora é ridículo fazermos essas manifestações. O nome disso é alienação. Chegou tarde, já foi. Agora o que está havendo é massa de manobra. Por que só viram agora? Esse povo todo nas ruas não sabia que estavam construindo estádios? Não sabiam que haveria uma Copa? Onde estavam quando tudo começou? Dormindo? Esperaram o dinheiro ser gasto, os estádios construídos, para então fazerem baderna?  Por que não antes, quando começaram a falar em fazer, quando disseram que iriam fazer a Copa aqui?

Finalizando; agitação, manifestação, massa, fazem despertar forças que muitos de nós forçosamente ignoramos e alguns jamais ousariam imaginar. Jung, gênio que era, nunca se enganou acerca dessas forças latentes e adormecidas, ele traz esse alerta sempre importantíssimo e atual: “Uma argumentação racional é apenas possível e profícua quando as emoções provocadas por alguma situação não ultrapassam determinado ponto crítico. Pois quando a temperatura afetiva se eleva para além desse nível, a razão perde sua possibilidade efetiva, surgindo em seu lugar slogans e desejos quiméricos, isto é, uma espécie de possessão coletiva que, progressivamente, conduz a uma epidemia psíquica. Nestas condições, prevalecem todos os elementos da população que levam uma existência antissocial, tolerada pela ordem da razão. Esse tipo de indivíduo não é simplesmente uma curiosidade apenas vista nas prisões e hospícios. Em minha opinião, para cada caso manifesto de doença mental existem ao menos dez casos latentes que nem sempre chegam a se manifestar, mas cujas condutas e concepções encontram-se sob a influência de fatores inconscientes doentios e perversos, apesar de toda aparência de normalidade. Evidentemente não podemos dispor de nenhuma estatística médica a respeito da frequência das psicoses latentes. Mas mesmo que o seu número fosse inferior a um décimo dos casos manifestos de doença mental e criminalidade, sua incidência relativamente baixa significaria muito, em vista da alta periculosidade que esses elementos representam. O seu estado mental corresponde a um grupo da população que se acha coletivamente exaltado por preconceitos afetivos e fantasias de desejo impulsivas. Nessa espécie de ambiente, eles se sentem totalmente ajustados e em casa. Eles conhecem, por experiência própria, a linguagem desses estados e sabem lidar com eles. Suas quimeras, baseadas em ressentimentos fanáticos, fazem apelo para a irracionalidade coletiva, encontrando aí um solo frutífero, na medida em que exprimem certos motivos e ressentimentos também presentes nas pessoas normais, embora adormecidos sob o manto da razão e da compreensão. Esses indivíduos, apesar de constituírem um número pequeno em relação ao conjunto da população, representam um grande perigo, pois são fontes infecciosas sobretudo em razão do conhecimento muito limitado que as pessoas, ditas normais, possuem de si mesmas”.

Autora: Dra E. Simone D. Magaldi

C. G. JUNG. Presente e Futuro. Vozes

C. G. JUNG. Aspectos do Drama Contemporâneo. Vozes

LAO-TSE. Tao Te King. Alvorada

Estudos de Ken Wilber com  Dr. Ari Rainsford na FACIS.

Exit mobile version