Resumo: O presente artigo traz uma reflexão sobre a misoginia no contexto atual e uma irmandade de doze passos, MADA, mulheres que amam demais anônimas, como recurso para uma maior consciência nas relações.
Precisamos abordar a questão da misoginia, pois a informação é crucial. Movimentos como o RedPill, que objetificam a figura feminina, projetos de lei, como a criminalização da misoginia e a tese da legítima defesa da honra (que permitiria ao homem o direito de matar uma mulher cujas ações desonrar sua reputação, considerada inconstitucional apenas em agosto de 2023), destacam a necessidade de mais informações sobre práticas discriminatórias que disseminam preconceitos contra as mulheres.
Ao explorar a palavra misoginia etimologicamente, “miseó” significa ódio, e “gyné” significa mulher. Portanto, misoginia representa repulsa e ódio em relação às mulheres, gerando movimentos que buscam inferiorizar, rebaixar ou desumanizar, em nome do preconceito, acreditando em uma suposta superioridade masculina.
Movimento RedPill
Nas redes sociais, observa-se um discurso dos chamados RedPill, em referência à trilogia Matrix, no qual tomar a pílula vermelha significa apropriação da verdade. E que verdade é essa que o movimento prega? Eles expressam críticas severas a qualquer movimento a favor de um maior desenvolvimento e liberdade das mulheres. Defendem uma forma arcaica de se relacionar, caracterizada por uma ampla dominação masculina, tolhendo a expansão feminina, e abominam mudanças sociais nas dinâmicas de gênero, relatando que estas representam verdadeiras ameaças à masculinidade tradicional.
A misoginia está infiltrada em processos judiciais, em lares marcados pela violência, de forma estrutural em empresas e frequentemente de maneira velada nas redes sociais e na música.
Mas, ao considerar as relações na contemporaneidade, como as mulheres podem adquirir uma maior consciência e uma autopercepção do ambiente que as cercam, protegendo-se de encontros amorosos com homens misóginos? A resposta perpassa pelo autoconhecimento. Aqui, além da psicoterapia para uma exploração profunda do eu, da autenticidade, e autonomia, desejo destacar o poder dos grupos de mútua ajuda, como as denominadas irmandades de doze passos, em especial o MADA – Mulheres que Amam Demais Anônimas.
MADA – Mulheres que Amam Demais Anônimas
Neste grupo, frequentado exclusivamente por mulheres, não há qualquer vínculo com religião, mas destaca-se como um programa espiritual. Para participar, basta estar disposta a evitar relacionamentos destrutivos. A proposta é realizar um verdadeiro mergulho na história pessoal por meio dos doze passos, construindo assim uma relação mais saudável consigo mesma. Isso implica ter a coragem de encarar a própria realidade, e muitas delas percebem que mantêm um relacionamento abusivo consigo mesmas, na qual pode ter suas raízes no machismo estrutural.
A negação da realidade, em busca de um relacionamento que as salvem, frequentemente está relacionada a uma história de infância em famílias disfuncionais. O medo de encarar essa dinâmica pode levá-las a passar toda uma vida em busca do acolhimento e amor que não receberam quando crianças. Ao mesmo tempo, a busca de parceiros que reproduzam o hostil ambiente tão familiar.
O programa de doze passos em MADA indica várias transformações, incluindo a autoaceitação, mesmo ao identificar mudanças necessárias, a aceitação do outro como ele é, assim identificando possíveis misóginos e seu poder de escolha, um contato saudável com todos os aspectos da vida, incluindo a sexualidade, e o autocuidado de cada um desses aspectos, frequentemente negligenciados. A busca por relacionamentos mais autênticos, nos quais não seja necessário provar a própria dignidade para receber amor e respeito, permite conexões com pessoas adequadas que inspiram confiança para se conhecer profundamente.
O programa incentiva a reflexão sobre as pessoas presentes na vida da participante.
Ao perceber a toxicidade de uma relação, a mulher aprende a se desvencilhar sem criar grandes sofrimentos. Falando neste sofrimento, no programa, a participante aprende a aceitar a serenidade em sua vida, abandonando o caos vivido anteriormente. Nas relações, ela compreende a importância de ter afinidades, compartilhar valores, interesses e objetivos semelhantes, e ambos possuírem a capacidade de serem íntimos. Além disso, ela reconhece que é digna do melhor que a vida tem a oferecer.
Analisando à luz da teoria de Carl Gustav Jung, percebe-se que um relacionamento verdadeiro exige a presença da consciência. Isso implica estar ciente do ambiente em que se está inserido, bem como reconhecer a existência do machismo dentro da própria mulher.
Em uma irmandade de doze passos, observamos um processo de entrega do ego à sua própria condição. Isso envolve encarar a própria sombra, reconhecer as dinâmicas internas que facilitam o abuso, explorar a história pessoal e desvelar a existência de uma totalidade, seja Deus ou um Poder Superior, conforme cada uma o concebe, Ao permitir esse contato, pode-se alcançar a sanidade, ou seja, a luz da consciência.
Neste processo gradual, em um ambiente de completa identificação, as mulheres se conectam, oferecem apoio mútuo e estabelecem relações de “amadrinhamento”, formando uma espécie de ninho. Essa rede de apoio proporciona acolhimento, amorosidade e solidariedade, gerando um sentido autêntico de pertencimento. É possível observar a melhoria da autoestima, à medida que aprendem a estabelecer limites, retomam sua autonomia, reconhecem a importância de si mesmas, cultivam o respeito próprio e tomam decisões mais assertivas em seus relacionamentos.
O Mito de Eco e Narciso
No Mito Eco e Narciso, Narciso, procurando por seus companheiros, grita:
Embora ela tenha ecoado as próprias palavras de Narciso, seu significado literal foi transformado por seu eco.
Mais tarde, quando ela tenta se aproximar de Narciso, este grita:
De maneira que o eco não é somente eco de alguma coisa, mas também um tipo de resposta que completa a palavra para ela mesma.
Refletindo sobre a misoginia, podemos nos lançar a uma nova era mais equânime, com uma compreensão mais consciente do feminino e masculino, promovendo relações mais saudáveis e rompendo com padrões retrógrados e machistas em nossa sociedade.
Euflausina Goes dos Santos – Membro Analista em Formação IJEP
Dra. E. Simone Magaldi – Membro Didata IJEP
Referências:
JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. 13.ed. Petrópolis: Vozes, 2021.
BERRY, Patricia. O corpo sutil de Eco: contribuições para uma psicologia arquetípica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
FOWARD, Susan Dra. e TORRES, Joan – “Homens que odeiam suas mulheres e as mulheres que os amam. Quando amar é sofrer e você não sabe por quê. 9ª edição Rio de Janeiro, RJ: Ed. Rocco, 1989
NORWOOD, Robin. Mulheres que Amam Demais. São Paulo: Siciliano, 1995
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