O número de avistamento de OVNIs – Objetos Voadores não Identificados vem se intensificando pelo mundo, de uma forma que a muito tempo não era vista.
Segundo Bergen (2023), o relatório da comunidade de inteligência dos Estados mostrou que de março de 2021 a agosto de 2022 foram relatados 247 novos avistamentos – principalmente por pilotos e pessoal da Marinha e da Força Aérea dos EUA. Quase o dobro dos avistamentos registrados de 2004 a 2021, que foram de 144.
No Brasil, em novembro de 2022, começaram rumores de avistamento de luzes por pilotos de aviões comerciais que estavam sobrevoando o aeroporto internacional de Porto Alegre. Ocorreram diversos relatos de pilotos de aviões comerciais e controladores de voo em noites seguidas.
Uma das explicações possíveis para este avistamento de luzes, segundo o diretor da Brazilian Meteor Observation Network (Bramon), poderia ser atribuída à “reflexão difusa de luz entre nuvens em direção a Porto Alegre, que pode ser gerada por holofote de luz ou até algum objeto” (LAMAS, 2022). Porém, não houve até agora uma explicação oficial sobre estes avistamentos.
Em fevereiro de 2023 os EUA abateram pelo menos 3 OVNIs sob seu espaço aéreo (fonte CNN, Leila Banco). Além disso, houve relatos de avistamentos no Canada e na América do Sul. Da mesma forma que no Brasil não houve, até então, uma explicação oficial, e tampouco a identificação do tipo de objeto que foi avistado.
OVNIs
A existência de Objetos Voadores não Identificados e a fantasia sobre a possibilidade de contato com seres vindos de outros planetas não é algo novo.
Nem mesmo as inúmeras viagens espaciais na órbita da Terra e à Lua e a exploração do espaço por sondas ou robôs, que tem sido feitas desde a década de 60, além da estação espacial, que paira na órbita de nosso planeta, parecem aliviar o imaginário mundial sobre este tema.
Filmes como ET, o Extraterrestre e Guerra dos Mundos, filme americano baseado no livro The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos) de H.G. Wells, publicado em 1897, são clássicos sobre o assunto e levaram milhões de pessoas aos cinemas.
Mas por que estou escrevendo sobre OVNIs em um artigo sobre Psicologia Analítica?
Estou escrevendo sobre OVNIs porque, quando comecei a ler nos jornais essas diversas reportagens, pensei no que Jung escreveu em “Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu (OC10/4)” – que aborda o assunto com uma visão psicológica e arquetípica.
Assim, fiquei bastante curiosa em investigar se haveria algo em comum na psique coletiva atual ao que Jung observou, inicialmente em 1954, quando escreveu um artigo para o jornal suíço Die Weltwoche sobre discos voadores (JUNG, 2013, p. 12).
No citado artigo, Jung chegou à mesma conclusão dos relatórios oficiais da época. O que, de certo modo, é a mesma conclusão a que as autoridades atuais chegaram sobre os avistamentos: “vê-se alguma coisa, mas não se sabe o quê”.
Não foi um tema fácil de ser abordado. No prefácio desta obra ele coloca que:
É difícil avaliar corretamente o alcance dos acontecimentos contemporâneos, e é grande o perigo de que o julgamento se prenda a subjetividade. Por isso, estou ciente do risco que corro, ao empreender a tarefa de expressar minha opinião sobre certos acontecimentos contemporâneos – que julgo ser de grande importância...
JUNG, 2013, p. 11
Ele, porém, considerava importante escrever sobre o assunto. Mesmo sabedor de que “sua voz era muito fraca para ser ouvida por muitos” (idem).
Considerava como seu dever médico alertar àqueles que pudessem ouvir. Haja vista que entendia os avistamentos de OVNIs como um fenômeno psicológico arquetípico e como sinais antecedentes ao fim de um éon (era). Entendia que estes objetos, por sua estranheza, pelo fato de serem desconhecidos e fisicamente impossível de ocorrer desafiavam a fantasia consciente e inconsciente.
Seus temores, porém, se tornaram realidade.
Em 1958, a entrevista para o Die Weltwoche foi descoberta pela imprensa mundial que fez uma leitura totalmente equivocada sobre o assunto, citando Jung como alguém que acreditava em OVNIs. Apesar de Jung ter escrito uma retificação expressando sua verdadeira opinião, a qual foi entregue à United Press, fato é que os jornais não a publicaram – exceto um único jornal alemão.
Jung iniciou sua análise dos relatos da visão destes objetos considerando-os como um boato.
Jung compreendeu referido boato como uma “história que foi contada muitas vezes pelo mundo afora”. Diferenciando-o, ainda, dos boatos tradicionais por ter sido expresso por meio de visões, o que o levou a chamá-lo de “boato visionário” (JUNG, 2013, p. 17). O autor teceu que os primeiros relatos sobre OVNI’s foram resultado da observação de projéteis misteriosos nos céus da Suécia nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial. Segundo Jung, se tratou de uma invenção atribuída aos russos.
Também houve relatos em relatórios sobre “Foo Fighters”, luzes que acompanhavam os bombardeiros dos aliados sobre a Alemanha. E por último seguiram-se “as estranhas observações de ‘discos voadores’ no Estados Unidos” (JUNG, 2013, p. 18).
Breno Martins coloca que:
Enquanto céticos e entusiastas delineavam os extremos de recusa e aceitação incondicionais diante das experiências óvni, Jung (1958/1988) assumiu postura intermediária ao considerar o potencial destas para o estudo de símbolos, dinâmicas inconscientes e fenômenos culturais. Adicionalmente, evocava sua relevância clínica diante da angústia dos muitos que não conseguiam elaborar as próprias experiências
BRENO Martins, 2011, p. 450
Devemos nos lembrar que as décadas de 1940 e 1950, que foram as destacadas por Jung (2013), tiveram como ponto central a Segunda Guerra Mundial, que levou a desdobramentos geopolíticos.
Houve uma divisão entre forças antagônicas, Estados Unidos de um lado e União Soviética de outro, marcando o início da época que ficou conhecida como Guerra Fria. Segundo a National Geographic Brasil a “Guerra fria foi um período marcado por um conflito político-ideológico travado entre Estados Unidos e a ex-União Soviética (URSS), entre 1947 e 1991” (2022). Foi um período marcado pela tensão mundial frente ao risco de uma ameaça de devastação causada por uma guerra nuclear.
Segundo Breno Martins, ao contrário dos séculos anteriores, “quando o receio pelo fim do mundo possuía na dimensão místico-religiosa dominante uma via eficaz de elaboração” (p. 450) a possibilidade de um novo conflito mundial que poderia se utilizar da nova tecnologia nuclear, de alto poder destrutivo aliada ao enfraquecimento cultural da crença na salvaguarda divina, trouxeram a ausência de prognósticos racionais precisos e alentadores, com decorrente clima coletivo de insegurança a permear o imaginário coletivo (p. 450)
Stein menciona que Jung discutiu as frequentes “observações” de naves espaciais extraterrestres circulares como uma evidência de que um novo mito estava sendo elaborado na psique coletiva dos ocidentais (CAMBRAY e CARTER, 2020, pág.292)
Para o autor sempre que os humanos confrontam o desconhecido (no caso o espaço e a perspectiva de explorá-lo ou de ser confrontado por seus habitantes) imagens arquetípicas e padrões psicológicos são projetados e experimentados.
Jung, por sua vez, entendia que estes objetos desafiavam a fantasia consciente e inconsciente, produzindo “suposições especulativas e histórias inventadas”, fornecendo um fundo mitológico para estas observações (idem, p. 13).
Para analisar referido fenômeno Jung enumerou três hipóteses básicas diante dos ovnis. Hipóteses que foram sumarizadas por Breno Martins (2011, p. 451) da seguinte forma:
- Os ovnis são primariamente fenômenos físicos;
- Os ovnis são primariamente fenômenos psicológicos, a saber, projeções de conteúdos inconscientes em forma de visões e narrativas;
- Os ovnis são fenômenos sincroníssimos, coincidências com significado
Jung afirmou que não dispunha de recursos para contribuir com a solução do problema do ponto de vista físico. Por isso, incumbiu-se dos aspectos psíquicos envolvidos nestes fenômenos.
Analisando as circunstâncias mundiais, Jung entendeu que a tensão entre os opostos trazida pela Guerra Fria requeria uma figura mediadora, que não existia naquele momento. Por outro lado, o racionalismo era a postura psicológica dominante naquele momento, ocultando da consciência a dimensão espiritual. Desta forma, não haveria uma possibilidade de salvação.
Breno Martins traz que para Jung o equilíbrio entre as diferentes dimensões constitutivas do ser humano seria alcançado através da individuação – o que conferiria à maturidade psíquica uma característica de totalidade. A predominância de uma dessas dimensões faria com que a outra fosse alimentada energeticamente no inconsciente, em prol do equilíbrio psíquico. Desta forma, a “subestimada dimensão espiritual” seria então alimentada no inconsciente.
“A tensão seria um apelo ao equilíbrio ou integração entre os dois pares de opostos conflitantes: Estados Unidos/União Soviética e consciente/inconsciente.”
Breno Martins, p. 452-453
Essa situação alimenta a tensão psíquica e cria, então, condições para o surgimento de um símbolo integrador novo e estranho à consciência.
Este símbolo não é reconhecido pela consciência como um conteúdo psíquico, pelo que é projetado como algo externo: um OVNI.
Para Jung, a testemunha típica de visões de símbolos inconscientes projetados como Ovnis é aquela de tendências racionais e lógicas (MARTINS, 2011, p. 453). Ele continua dizendo que “o boato visionário assumiria dimensões distintas do boato comum em função da tensão psíquica, que se propaga com a curiosidade coletiva e o sensacionalismo da mídia” (idem, idem).
E quais as semelhanças, passados mais de 60 anos da publicação de Mitos Modernos, na psique coletiva dos ocidentais?
A Guerra Fria acabou, em 1991, com a dissolução da União Soviética. Contudo, outras Guerras vieram, mantendo ainda a polaridade entre as duas potencias mundiais e o medo constante do uso de armas nucleares.
O terrorismo emergiu como uma guerra invisível, onde o inimigo não é conhecido. Ainda, outras ameaças surgiram. Cito como exemplo as questões de meio ambiente, que podem colocar fim na nossa vida no planeta Terra caso não sejam tratadas com a urgência e respeito necessários. Ou ainda a pandemia do COVID-19, que levou à morte quase 15 milhões de pessoas no mundo, e cujos efeitos na psique coletiva ainda não são conhecidos.
Os avistamentos, em todos estes anos pós publicação da obra de Jung, nunca cessaram, mas ultimamente os relatos se tornaram mais frequentes, com reportagens na mídia nacional e mundial.
No Brasil, na época dos avistamentos, em novembro de 2022, o país estava em um momento de divisão nacional devido as eleições e o medo de uma guerra civil pairava sobre todos nós.
No mundo, quando os avistamentos começaram, em fevereiro de 2023, a Guerra entre Rússia e Ucrania iria completar um ano, trazendo uma maior polarização entre Ocidente e Oriente, com a possibilidade de entrada da China, mesmo que indiretamente, ao lado da Rússia.
Para Breno Martins, a postura racionalista dominante na época de Jung parece ter declinado. Segundo ele,” posturas holísticas e de integração começaram a edificar um novo Zeitgeist, em detrimento de medidas fragmentárias anteriormente privilegiadas. O ecumenismo e a ecologia são temas corriqueiros. Revalorizam-se culturalmente os sentimentos e a intuição” (2011, p. 454).
O que explicaria, então, o fato destes avistamentos continuarem acontecendo? Será que a postura racionalista realmente se tornou menos dominante?
Breno Martins coloca que:
A despeito dos pontos que demandam novas reflexões, a carga simbólica das experiências relacionadas a ovnis parece semelhante à verificada por Jung (1958/1988) na década de 1950. Ainda que representem um acréscimo significativo quanto à incidência e complexidade das experiências, os padrões atuais remeteriam a símbolos arquetípicos da totalidade psíquica e do inconsciente em si, sugerindo seu papel enquanto veículo do processo de individuação, através do resgate do equilíbrio psíquico.
idem, p. 456
Como dito por Breno Marins: “as condições psicossociologicas da humanidade elencadas por Jung ainda não podem ser definitivamente descartadas enquanto ocasionadoras de projeções desta natureza”. Ou seja, como humanidade, não mudamos tanto a ponto de os boatos visionários cessarem.
Símbolos de integração psíquica
Jung entendia que os formatos esféricos e lenticulares dos OVNIs nos remetia simbolicamente as mandalas, que são os símbolos da integração psíquica, da individuação e do próprio Self (2013, p.98).
Talvez, então, ainda sejam visões necessárias para possibilitar a integração e saímos, como humanidade, da unilateralidade que continua imperando em nós.
Leila Cristina Montanha – Analista em Formação IJEP
Cristina Guarnieri – Analista Didata IJEP
Bibliografia:
BERGEN, Peter, Opinião: OVNIs no espaço aéreo americano podem indicar um problema maior do que imaginado, disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/opiniao-ovnis-no-espaco-aereo-americano-podem-indicar-um-problema-maior-do-que-imaginado/ em 13/02/2023 às 09h33, acesso em 19/02/23 às 11h00.
BRENO Martins, Leonardo. Ainda um mito moderno? A compreensão junguiana de experiências anômalas contemporâneas e revisitada. Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. 31, núm. 81, julho-dezembro, 2011, pp.447-464. Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil.
CAMBRAY, Joseph, CARTER, Linda (org.) Psicologia analítica – Perspectivas contemporâneas em análise junguiana. 2020. Rio de Janeiro, Editora Vozes.
EXAME, O que se sabe sobre as luzes não identificadas vistas em Porto Alegre, disponível https://exame.com/brasil/o-que-se-sabe-sobre-as-luzes-nao-identificadas-vistas-em-porto-alegre/ em 07 de novembro de 2022 às 20h26, acesso em 13/02/23 às 16:49.
JUNG, Carl Gustav. Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu. 6a. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013
LAMAS, João Pedro. Piloto de avião avista ‘luzes não identificadas’ durante voo em Porto Alegre e relata por rádio ; disponível em https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/11/06/piloto-de-aviao-avista-luzes-nao-identificadas-durante-voo-em-porto-alegre-e-relata-por-radio-video.ghtml, em 06/11/2022 12h35, acesso em 19/02/23 às 10h08.
NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, O que foi a Guerra Fria, disponível em https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2022/11/o-que-foi-a-guerra-fria, em 7 de nov. de 2022, 15h30, acesso em 22/02/23, às 11:34
BERGEN, Peter, Opinião: OVNIs no espaço aéreo americano podem indicar um problema maior do que imaginado disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/opiniao-ovnis-no-espaco-aereo-americano-podem-indicar-um-problema-maior-do-que-imaginado/ em 13/02/2023 às 09h33, acesso em 19/02/23 às 11h00.
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