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Aspectos da Sexualidade (Parte 2)

Aspectos da sexualidade masculina na perspectiva da psicologia analítica – Parte 2

Aspectos da sexualidade masculina na perspectiva da psicologia analítica – Parte 2

No presente artigo vamos dar continuidade ao assunto da disfunção erétil sob a perspectiva da psicologia analítica junguiana, relacionando a interação com as forças da cultura, do desenvolvimento individual, dos relacionamentos interpessoais e da biologia. O sexo se faz a dois e essas questões estão presentes o tempo todo. Para tratar do problema é necessário saber o contexto e os aspectos que contribuem para manutenção dessa disfunção.

O desempenho sexual é um dos aspectos com importante contribuição para o bem-estar psicológico do ser humano.

A sexualidade faz parte fundamental do polo estruturante da identidade e da personalidade. Ela pode ser tanto uma fonte de prazer, quanto de frustação, afetando diferentes pontos da vida dos indivíduos.

Segundo Abdo (2000), 48,1% dos homens refeririam ter algum tipo de disfunção sexual, como disfunção erétil e ejaculação precoce. Em um número significativo de indivíduos observa-se que não há problemas orgânicos, ou seja, a disfunção sexual é de origem emocional ou psicológica (GRASSI, 2004).

Recordando que estamos chamando de disfunção erétil, ou impotência sexual (uma das múltiplas disfunções sexuais), a incapacidade de o indivíduo alcançar ou manter ereções firmes. O pênis não fica suficientemente rígido (ereto) para permitir a penetração e o desempenho sexual satisfatório, isto é, o sangue não se mantem nele durante o tempo necessário para a ereção. 

Inconsciente pessoal e coletivo

Segundo Jung (2014a, p.77), o inconsciente pessoal e o coletivo estão envolvidos nas relações humanas, quer sejam nos aspectos sociais, trabalho, laser, educação e na sexualidade. Como sabemos a atividade sexual é vivida em relação com o outro, e nessas relações trazemos para dentro do relacionamento à história de vida, lembranças perdidas no tempo, e demais aspectos que por falta de energia não atingiram a consciência.

É o que Jung chamou de sombra, aspectos presentes no inconsciente pessoal de cada um de nós. Mas há uma outra camada, mais profunda, que ele chamou de inconsciente coletivo, onde não há o caráter pessoal, porque essas lembranças são universais e originais, são imagens ou motivos denominados arquétipos. 

O inconsciente coletivo compreende toda a vida psíquica dos antepassados desde os primórdios. É o pressuposto e a matriz de todos os fatos psíquicos e por isto exerce também uma influência que compromete altamente a liberdade da consciência, visto que tende constantemente a recolocar todos os processos conscientes em seus antigos trilhos. (JUNG, 2013a, p. 58)

A consciência individual está condicionada a fatores hereditários e as influências do meio.

Em certas civilizações antigas, principalmente os povos que viviam da agricultura, a identificação do sexo com a reprodução era um fator de sobrevivência do grupo; a atividade sexual representava a possibilidade de novos membros no grupo, o que significa ajuda na lavoura e defesa das terras contra a agressão de tribos vizinhas. O sêmen era um bem precioso e não podia ser desperdiçado com a masturbação por exemplo. Havia condenações aos praticantes da masturbação e parece que tal crença sobrevive até os nossos dias. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 183)

Príapo, deus mitológico da fruticultura, com seu falo ereto e disforme, é um exemplo típico da importância simbólica do pênis. Quanto maior o falo, mais resplandecente de força e fecundidade a representação priápica. A crendice do pênis como símbolo de força e poder ainda acontecer no pensamento moderno (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 183).

Em uma interpretação reduzida, esse mito ainda consiste em uma fonte de alimento para a crença pretensiosa da superioridade masculina. No homem ainda hoje em dia observa-se essa relação do pênis grande, com o tamanho dos pés e nariz, correlacionando esses segmentos com a máxima de que “quanto maior o pênis mais macho” é esse homem (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 183).

Essas crenças podem aprisionar diferentes homens, independentemente de sua intelectualidade e, por conta disso, sentem-se frustrados e derrotados sexualmente.

Muitos homens têm dificuldade em compreender que o “importante não é aquilo que ele tem, mas o que ele faz com aquilo que ele tem”. (CAVALCANTI & CAVALCANTI, 2006, p. 183)

Muitas crenças aparecem ainda nos dias de hoje reforçando a ideia de que mulheres gravidas tem menos desejo sexual, que idosos não tem atividades sexuais ou desejo, que as mulheres têm menos desejo sexual do que os homens ou menos necessidades sexuais. O estudo de Masters e Johnson (1984) demonstrou que homens e mulheres possuem as mesmas potencialidades na resposta sexual humana e que as mulheres ainda têm a possibilidade de obter múltiplos orgasmos numa mesma relação. Aquele período refratário observado no homem, não existe na mulher e sua resposta é diferente, conferindo uma vantagem feminina.

As respostas sexuais são diversas.

Cada um de nós carrega uma bagagem de vivencias, desde seu nascimento até os dias atuais. Todas as experiências vividas, sua interação familiar, sua cultura, seu habitat, terão influência em seu comportamento. E, desse modo, a resposta sexual será sempre única e própria: uma situação que aparentemente seria estimulante pode inibir o comportamento e a resposta sexual. A ignorância sexual é ainda uma das causas mais frequentes das disfunções sexuais.

A falta de informação e as distorções dos ensinamentos, seja devido a crenças religiosas ou sociais, podem determinar os mais variados distúrbios na atividade sexual. 

Na relação a dois, o ideal seria que não houvesse controle de ambas as partes, mas sim um ambiente de liberdade e aceitação. Nem sempre isso acontece porque o medo de ser dominado pelo parceiro é maior e inconsciente.  Nestes casos poderíamos pressupor que na verdade ocorre um medo de perder o controle. Na realidade, a liberdade da consciência é relativa, temos sempre a possibilidade de sucumbir ao automatismo da psique inconsciente (JUNG, 2013a, p. 58).

Essas crenças e mitos podem afetar o desejo

Essas crenças e mitos podem afetar o desejo. E, muitas vezes, observamos que a própria pessoa tem dificuldade em compreender sua diminuição de desejo sexual. Há um conceito mundial de que os homens têm naturalmente mais desejo por sexo e que este sempre está presente. Mas alguns têm dificuldade em expressar os desejos e motivações para o sexo.

Eles acreditam que tem desejo, mas quando o terapeuta começa à investigação sobre o comportamento sexual, é possível perceber a dificuldade deste homem em verbalizar todos os comportamentos relacionados ao desejo sexual: existência e frequência do coito, das masturbações, fantasias sexuais, sonhos etc.

Se os homens compreenderem que a ereção não se relaciona com a diminuição ou falta de desejo sexual, as queixas eréteis serão mais visíveis e a tomada da consciência sobre essa questão facilitará a compreensão desse fenômeno. A disfunção erétil pode causar danos psicológicos como comprometimento da autoestima, dos relacionamentos interpessoais, menos relações sexuais por semana, mais relações extraconjugais, queixa de falta de desejo sexual e ejaculação rápida. 

Muitos são os aspectos que escapam do controle da consciência

Muitos são os aspectos que escapam do controle da consciência. Nesse contexto, uma escuta mais ampliada sobre a queixa sexual é de fundamental importância. Muitos sonhos podem ser representativos de situações relacionadas a dificuldade de se obter a ereção adequada numa relação sexual. 

As parafilias, por exemplo, onde observa-se interesse por práticas eróticas em situações diferentes da média, desejos e excitação por objetos diferenciados e menos comum (sapatos, cheiros, dores), podem estar relacionados com alguns aspectos inconscientes. Essas não são queixas comuns nos consultórios, porque esses indivíduos sentem-se satisfeitos com o que tem, mas quando aparecem, surgem por uma inadequação sexual do casal.

A sexualidade faz parte da natureza humana e suas diversas manifestações atendem a busca arquetípica presente em todos nós pela totalidade. Todas as ideias e representações mais poderosas da humanidade remontam aos arquétipos. (JUNG, 2013a, p.103)

O arquétipo é natureza pura, não deturpada e é de natureza que faz com que o homem pronuncie palavras e execute ações de cujo sentido ele não tem consciência, e tanto não tem, que ele já nem pensa mais nelas (JUNG, 2013a, p.412).

Eros, Anima e Animus na Sexualidade

Tudo o que está no inconsciente pessoal corresponde as vivências individuais desde o nascimento, mas os conteúdos do inconsciente coletivo são arquétipos que existem sempre desde o início da vida. Os arquétipos que mais frequentemente perturbam o eu, são: a sombra, a anima e o animus.

Segundo Jung (2013b, p.26) a Anima é o próprio feminino que se apresenta nos sonhos, visões, fantasias (corresponde as características do feminino) e o Animus corresponde aos caracteres masculinos (o lógico, o que tem poder, carrega a espada).  Na relação a dois, vamos observar através das projeções, esse princípio feminino aparecendo nos homens e o princípio masculino aparecendo nas mulheres. Conscientemente a tendencia nas mulheres seria uma preocupação maior com os relacionamentos, com a criação de vínculos (Eros) e os homens com aquisição de conhecimentos (Logos).

Nos homens, o Eros, que seria a função de relacionamento, estaria menos desenvolvido do que o Logos. Espera-se do homem a função de organizar, ir para fora, se desenvolver enquanto homem, se atirar na vida.  Para que isso ocorra  o filho  precisa se desvincular da mãe, precisa ter um Eros desleal a ponto de esquecer a mãe e abandonar sua primeira amada.

A imagem poderosa da mãe na psique masculina só acontece porque tem sua origem do arquétipo da Anima que se encarna de novo em cada criança do sexo masculino (JUNG, 2013b, p.26). Sempre que uma emoção nos domina é sinal de que algum complexo foi ativado. As figuras parentais são fundamentais para a criança. Apesar disso, há uma tensão entre o que parece ser figuras dos pais “reais”, por um lado, e as imagens construídas a partir da interação do arquétipo e da experiência, pelo outro.

Complexos

Jung define “complexo afetivo” como a imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude da consciência (2013a, p. 43). Somos tomados pelo complexo quando constelado e estranhamos as atitudes tomadas, sem podermos controlar, apesar de estarmos acordados e vivenciando esse momento.

São atitudes incompatíveis com as nossas crenças ou valores. Aqueles momentos que esquecemos o nome das pessoas que estamos apresentando, falamos palavras erradas, derrubamos cadeiras quando se quer passar despercebido, enfim, situações totalmente fora do contexto. São os complexos que nos toma.

Na vida sexual esses complexos também podem atuar em diferentes situações, diante de forte emoção pode aparecer uma dificuldade de manter a ereção, por uma autoestima baixa, um sentimento de inferioridade diante de uma mulher atraente, uma sensação de sentir-se incapaz de corresponder as necessidades daquela parceira etc. A ansiedade gerada por essas situações consiste em um dos principais componentes da disfunção erétil (RODRIGUES JR.  et at, 2001).

Devemos lembrar da relação parental e sua importância no desenvolvimento da criança.

A relação mãe filho é a mais profunda que se conhece. A criança e a mãe são uma única coisa no início da vida, a criança faz parte do corpo da mãe, conforme vai crescendo ainda faz parte da atmosfera psíquica da mãe, por muitos anos, isto quer dizer, tudo o que há de original na criança faz parte da mãe.

Quando essa criança cresce naturalmente se desligara da mãe, conforme for adquirindo consciência de si e da cultura que o cerca, mas não do arquétipo materno. Esse arquétipo coletivo da grande mãe vai estar presente no seu inconsciente e se manifestara por toda sua vida.  (JUNG, 2013a, p. 331)

Essa relação entre mãe e filho pode atrapalhar o desempenho sexual desse indivíduo. Dependendo do modo como se desenvolveu a relação entre mãe e filho, podemos ter um homem que permanece preso nessa condição de filho e, dessa forma, não amadurece para viver sua potencialidade sexual e nem mesmo sua autonomia psíquica no mundo. Na verdade, é bem possível que ele não consiga se libertar dessa figura, porque ela representa a mater natura, aquela que o criou, lhe deu a vida, se sacrificou por ele; e ele poderia desrespeitar essa mãe?

Por outro lado, essa mãe, de certa forma, mantém convenientemente essa relação por medo ou por não querer perder aquele filho que é tão amoroso. Essa atitude da mãe reforça o comportamento desse homem e ele não percebe que precisa crescer e romper essa relação materna para ter sucesso em seus relacionamentos e na própria vida.

Arquétipo materno

Segundo Jung (2014b, p. 87), o arquétipo materno possui vários aspectos, formas diversas. A própria mãe e a avó, a madrasta e a sogra, qualquer mulher que nos relacionamos, a Virgem, principalmente a mãe de Deus, em sentido mais amplo, a igreja, a universidade, a cidade ou país, o céu, a Terra, a floresta, o mar e as águas inquietas, o jardim, a Lua, a gruta, a árvore, a pia batismal, a flor, a bruxa, dragões etc. Todos esses símbolos podem ter um sentido positivo ou negativo.

Essas figuras representativas do arquétipo materno indicam alguns de seus atributos considerados positivos, tais como a mágica autoridade do feminino, o que cuida, o que sustenta, o secreto, a sabedoria, a elevação espiritual e o que possibilita o crescimento saudável. Mas, também, indicam alguns aspectos considerados negativos, como o devorador, o venenoso o apavorante, entre outros. Essas imagens, correspondem, respectivamente, a mãe amorosa e a mãe terrível (JUNG, 2014b, p. 88).

Os traumas relacionados à mãe podem corresponder as atitudes realmente existentes nas mães biológicas e outras vezes seria as projeções fantasiosas (arquetípicas) da criança (JUNG, 2014b, p. 89). Portanto, quer o ser humano compreenda ou não o mundo dos arquétipos, ele será afetado por ele, pois nele o homem ainda é natureza e está conectado com suas raízes (JUNG, 2014b, p. 99).

Todo indivíduo precisa crescer e estabelecer-se na vida, deixar seu mundo infantil, tomar consciência sobre sua existência, ser independente, tornar-se único, usar de toda sua libido para se desvincular dos laços maternos, isto é, romper com todas as ligações sentimentais com a infância, com pai e mãe e aí sim será  capaz de um relacionamento sexual saudável.

Ivone Ferreira – Analista em Formação IJEP

Cristina Guarnieri – Analista Didata IJEP

Referências:

ABDO, C.H.N. organizadora. Sexualidade humana e seus transtornos. 2.ed.- São Paulo, Lemos, 2000.

CAVALCANTI, R., CAVALCANTI, M.  Tratamento clínico das inadequações sexuais. 3.ed – São Paulo, Roca, 2006.

GRASSI, M.V.F.C., Psicopatologia e disfunção erétil: a clínica psicanalítica do impotente. – São Paulo, Escuta, 2004.

JUNG, C.G. A natureza da psique v. 8/2. [Tradução de Mateus Ramalho Rocha]. 10.ed- Petrópolis, Vozes, 2013a. 

JUNG, C.G. Aion – estudo sobre o simbolismo do si-mesmo v. 9/2. [Tradução de Dom Mateus Ramalho Rocha]. 10.ed- Petrópolis, Vozes, 2013b.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo v. 9/1. [Tradução de Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. 11.ed- Petrópolis, Vozes, 2014b.

JUNG, C.G. Psicologia do inconsciente v. 7/1. [Tradução de Maria Luiza Appy]. 24.ed- Petrópolis, Vozes, 2014a.

MASTERS, W.H., JOHNSONS, V.E. A Resposta Sexual Humana. – São Paulo, Roca,1984

RODRIGUES JR, O.M., et at, Disfunção Erétil- Esclarecimentos Sobre a Impotência Sexual – Expressão Arte, 2001.

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