A CURA GAY – LGBTQIA+
Ultimamente, por conta do tema da “cura gay“, vários clientes e alunos me interpelam em busca de compreensão e ampliação tanto do famigerado projeto de lei de 2016, que tem esse nome, e da atual visibilidade e influência que indivíduos com vários tipos de ativismos literais, unilaterais e preconceituosos, incluindo a homofobia, estão tendo na política e na mídia. Infelizmente, isso reflete a falta de sensibilidade dos nossos políticos diante da natureza humana e a permissividade do judiciário que deveria estar agindo para punir e interditar todos eles. É incrível, e triste, como que a maioria desses “políticos” só age em causa própria, defendendo seus interesses pessoais e fazendo tudo para poder aparecer e se perpetuarem no poder, retroalimentando a Homofobia e a Heteronormatividade como instrumentos do poder patriarcal.
Antes de tudo, precisamos compreender o significado da palavra “cura”. O conceito de cura, nas visões da psicologia junguiana, arteterapia e psicossomática, vai muito além da supressão dos sintomas, porque a cura implica na cicatrização das férias com integralidade, plenitude e consistência do ser, tornando-o comprometido, de forma consciente e consequente, com o seu caminho da realização existencial, para que sua vida tenha sentido, amorosidade, significado e propósito de servir, com liberdade e autonomia, prerrequisitos necessários para a conquista da felicidade.
Cura deveria ser sinônimo de cuidado e inteireza, que depende da contínua relação do eu com o inconsciente, proporcionando autoconhecimento, por meio da compreensão dos aspectos sombrios e do reconhecimento da presença dos vários tipos de complexos que habitam nosso íntimo. Essa condição é que vai possibilitar a capacidade de resiliência diante das possíveis adversidades e traumas, fazendo com que o indivíduo possa identificar, diferenciar, compreender e aceitar suas potencialidades, fraquezas, incongruências e distonias. A palavra cura também é usada no processo de consistência e resistência de materiais como concreto, cimento, polímeros e até do queijo, que também passa por um procedimento de cura para atingir sua melhor consistência e sabor.
Desta forma, quando me perguntam se meu trabalho como analista junguiano cura gays, e toda gama das expressões LGBTQIA+, prontamente respondo que o propósito maior da minha atividade profissional, que deveria ser a de todo profissional de ajuda e da saúde, é o de promover a cura por meio do autoconhecimento, ativando o curador interno que existe em cada um de nós, para que o maior número possível de pessoas, incluindo a comunidade LGBTQIA+, a partir do autoconhecimento aprendam a se respeitarem, aceitando suas peculiaridades e idiossincrasias, com qualidades, potencialidades e defeitos, para adquirirem amor próprio e autonomia no sentido da realização do si-mesmo, assumindo a integralidade da sua essência.
O autoconhecimento possibilita o surgimento da autoconsciência e a capacidade de lidar com as tensões naturais entre o eu e o inconsciente, a persona e a sombra, o individual e o social, entre outras. Por isso, tenho orgulho em afirmar que meu objetivo como analista junguiano e atuar como um espelho, o menos deformado possível, criando condições para que o compromisso com a cura seja atingido tanto para heterossexuais quanto para os LGBTQIA+. Neste sentido, posso afirmar que, ao longo de mais de 40 anos atendendo almas humanas, tive o prazer de ajudar muitas pessoas se aproximarem da sua integralidade, assumindo suas essências e respeitando sua natureza, com orgulho e respeito, independentemente de estarem alinhados com a heteronormatividade, vivendo e vivenciando, harmoniosamente, seu desejo e sua orientação sexual, sua identidade e aparência de gênero, não permitindo que ninguém transforme sua condição, que pode ser diferente da maioria, em desigualdade.
Gênero tem a ver com gene. Biológica e geneticamente falando, não existe possibilidade de gênese de vida sem os pares de opostos complementares advindos do androcentrismo e do ginocentrismo. Carl Gustav Jung, na sua teoria, nos apresentou os arquétipos da Anima e do Animus, que representam a polaridade opositiva com a identificação de gênero do Ego, que pode tender mais para o espectro masculino ou feminino, independentemente de estar alinhada com a orientação sexual e a herança genética ser XX ou XY. Porém, precisamos lembrar que não atendemos categorias, classificações, rótulos ou estereótipos, porque cada ser humano é, apesar da universidade e do determinismo do inconsciente, único, complexo e criativo, apesar de que muitas pessoas padecem com suas condições egodistônicas.
Qual objetivo da análise junguiana atendendo homossexuais, homofóbicos e heteronormativos?
É obvio que, se o indivíduo está em conflito entre seu sexo biológico, sua orientação ou desejo sexual, sua identidade de gênero ou a forma da sua expressão ou aparência de gênero, isso irá produzir muita dor e sofrimento, que é significativamente amplificada por conta deste patriarcado falocêntrico, com toda sua discriminação e preconceito estrutural desta contemporaneidade hipócrita com sua heteronormatividade, por se julgar conservadora mas que, na realidade, é absolutista, retrograda e exageradamente patriarcal, interditando o surgimento do dinamismo da alteridade, para termos equidade, inclusão, respeito, igualdade, empatia e amorosidade com todas as formas, expressões e diversidade de vida, independente de gênero, raça, credos, origem e cultura.
Quando existe o conflito e sofrimento psicológico, temos que contribuir para que essa distonia entre o ego e a alma fique menos exagerada, da mesma forma que também não é interessante a unilateralidade, porque esta é igualmente patológica. Nos primórdios da psicanálise era nomeado de egossintonia os indivíduos que tinham comportamentos, valores e sentimentos harmonizados com as normas, regras e moral dominante, e de egodistonia para aqueles que que estavam em conflito, gerando muito sofrimento psíquico. Lembrando que a alma não é moral e nem sede as regras morais, que são códigos de conduta cultural. Mas quando damos vazão a ela o que surge é a ética e esta é muito mais abrangente do que a moral, apesar de muitas vezes entrar em rota de colisão com ela.
O inconsciente, por conta da sua potencialidade arquetípica, é universalista e, de certo modo, determinista, quando negado e interditado de realizar-se no nosso existir! Neste caso, seus conteúdos, que não foram reconhecidos e realizados pelo ego, tornam-se destino cego e trágico, na forma de projeção da sombra, no nosso entorno relacional, ou nos invadem autonomamente, numa espécie de possessão dos conteúdos sombrios, produzindo os mais variados tipos de sintomas físicos e ou psíquicos! Por isso, o autoconhecimento e a conexão com o si-mesmo, despotencializando a ilusão do poder e o monoteísmo da razão, são tão necessários para que o amor, a saúde e a plenitude da vida, com sentido e significado, aconteçam!
Um outro problema é que muitas pessoas fanáticas, preconceituosas e alienadas de si mesmas, tendem a transformar o diferente em desigual e, no caso da homossexualidade e toda forma de expressão LGBTQIA+, de forma leviana e perversa, também associam à promiscuidade. Porém, é importante deixarmos claro que promiscuidade, corrupção e falta de ética são práticas inerentes de todas as pessoas egoístas e ignorantes, que na realidade são inseguras e, na maioria das vezes, fogem desesperadamente daquilo que discriminam e atacam, por não conseguirem reconhecer ou lidar com essas tendencias nelas mesmas refugiando-se, iludidamente, na busca de poder.
A homofobia estrutural e a heteronormatividade transformam a homossexualidade em doença ou em crime.
Psicologicamente, quanto mais elas conquistam poder, mais tentam projetar suas sombras nos diferentes e nas minorias, mais se afastam do amor. Por isso, o processo do autoconhecimento promove a cura e a ética, como resultante, eliminando os impulsos promíscuos, corruptos, fanáticos e de poder, tanto de heteros quanto de gays. Acho que seria muito mais interessante pensarmos num projeto de lei para promover a reversão corrupta dos políticos, curando-os! Isso seria muito mais interessante e teria muito mais efeito social. Porque, se os políticos forem curados, certamente, eles investirão pesadamente na educação e, com isso, toda a diversidade será compreendida como uma enorme diversão existencial, com amor, igualdade, fraternidade e liberdade para todos!
Na obra de Jung até tem alguns relatos em que ele dá a entender que aconteceu uma espécie de “reversão” da homossexualidade masculina em alguns casos que ele expõe. Porém, isso não tem nada a ver com a psicopatologização da homossexualidade, porque ele trabalhou o sofrimento psíquico do cliente. Os casos em que Jung relata essa mudança de atitude da orientação sexual aconteceram quando a homossexualidade era reativa, e não essencial, e isso estava deixando o indivíduo em contínua crise, dor psicoafetiva e incapacidade de acontecer a adaptação para a vida e sua consequente evolução. Como já citei anteriormente, a cura tem a ver com a aceitação da natureza peculiar de cada um e a realização do si-mesmo, independentemente do não alinhamento entre o gênero biológico e os padrões heteronormativos. Nosso trabalho é o de contribuir para que todos os indivíduos possam conseguir se entregar para o mistério da conjunção (Mysterium Coniunctionis) da integração dos princípios masculinos e femininos, as bodas místicas da união do sol com a lua ou o ouro e a prata, para que possa ser alcançada dimensão do Rebis, o hermafrodita ou andrógeno espiritual! O resultado desta integração eliminará a segregação e a desigualdade entre os gêneros no mundo exterior, porque o andrógeno espiritual nos possibilita acolher todas as expressões de gênero que é a verdadeira cura gay!
WALDEMAR MAGALDI FILHO, Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática, Arteterapia e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado” – Ed. Eleva Cultural. Coordenador e professor dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Arteterapia e Psicossomática do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa (www.ijep.com.br)