A idéia de totalidade, de unidade, permeia todo o Cosmos. Como diziam os pitagóricos o Um é o princípio criador e a multiplicidade numérica é a manifestação expressa na criação. É a “hipótese de Deus” que Teilhard relata em relação aos cosmologistas modernos, dentre eles posso citar DAVIES, que encerra seu livro da seguinte maneira: “Não posso acreditar que nossa existência neste universo seja uma mera peculiaridade do destino, um acidente da história, um grito incidental no grande teatro cósmico. Nosso envolvimento é íntimo demais. A espécie Homo pode não importar nada, mas a existência da mente em algum organismo em algum planeta do universo é certamente um fato fundamentalmente significativo. Através dos seres conscientes o universo gerou autoconsciência. Isto não pode ser um detalhe banal, um subproduto menor de forças indiferentes e sem objetivo. Nossa existência é intencional”. A autoconsciência permite ao homem um novo-olhar como propõe Teilhard.
Todos nós vivemos entre a fé e o ceticismo. É a característica dos cientistas ocidentais; a dicotomia entre Ciência e Religião. É nossa herança esquizofrênica.
Teilhard crê que o Homem é a chave de compreensão do universo, é a fecha ascendente da grande síntese biológica. Chegada ao Homem a evolução não pára, mas sofre uma mudança profunda, não caminha mais para o Homem, encarna-se nele, o próprio Homem torna-se evolução. No Cosmos, em tudo, há uma interioridade e uma exterioridade, uma dupla dimensão, uma espécie de psiquismo, uma ordem lógica e matemática, uma espécie de consciência que está presente desde as formas mais simples, diluídas e elementares até o fenômeno humano, o mais concentrado e complexo. A célula torna-se Pessoa.
Esse Homem, ápice da evolução, precisa aprender a ver com qualidade, como nos propõe Teilhard:
Sentido da imensidade espacial na grandeza e na pequenez = micro e macro Cosmos.
Sentido de profundidade ao longo das séries ilimitadas do tempo = perceber que todo o Passado e todo o Futuro convergem para a experiência do Presente.
Sentido do Número, apreciando a multidão alucinante de materiais ou seres vivos envolvidos na menor transformação do Universo. É a solidariedade universal.
Sentido de proporção. Átomos e Nebulosas.
Sentido da qualidade ou novidade. Constante renovação e complexização.
Sentido do movimento que se oculta sob as maiores lentidões. Ver a extrema agitação dissimulada pelo véu do repouso. Quântica e Cosmologia.
Sentido do orgânico, perceber as ligações físicas e a unidade estrutural por sob a justa posição superficial das sucessões e coletividades.
Esse é um exercício complexo de um novo olhar, via de regra o ser humano, ao olhar para o fenômeno da matéria e do próprio homem, desenvolve o medo existencial, ou angústia. É a nossa consciência frente ao ínfimo e ao imenso, ao finito e ao eterno, ao eu e ao universo, ao simples e ao complexo. Quanto a isso “Teilhard quer, pois, evidenciar a angústia ligada à condição humana e provocada por tudo quanto nos ultrapassa quantitativamente em nós e fora de nós: os abismos psíquicos (Universo humano) e cósmicos (Universo material). No fundo, essa angústia a que chega necessariamente o sábio hiperfísico – que ousa ´ver`…- é aquela que, uma vez superada, lhe confere um otimismo realista (não ingênuo) pois aquelas forças desproporcionais à pessoa humana (um Universo em evolução acelerada e a pressão de uma totalização coletiva) e que ameaçavam aniquilá-lo, revelam-se – no conjunto e à medida que avançam no Espaço-Tempo – forças que o consolidam (imortalizando porque irreversíveis, personalizando porque unitivas e espirituais).”
Nada há de mais complexo do que a consciência, como vimos em relação ao arquétipo em Jung, ela também apresenta a mesma característica paradoxal, é psicóide; matéria e espírito.
Descartes, partindo do cogito, ergo sun acrescenta: “examinando com muita atenção o que eu era e concluindo que podia fingir não ter corpo e não havia mundo ou lugar em que me encontrasse, mas, ao mesmo tempo, não podendo fingir não existir, sendo bastante o fato de duvidar da verdade de outras coisas para ficar demonstrado, de modo muito certo e evidente, que eu exista, enquanto que bastaria deixar de pensar, ainda que admitindo como verdadeiro tudo que imaginasse, para não haver razão alguma que me induzisse a acreditar na minha existência, concluí de tudo isto que eu era uma substância cuja essência ou natureza reside unicamente em pensar e que, para que exista, não necessita de lugar algum nem depende de nada material, de modo que eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é totalmente diversa do corpo e mesmo mais fácil de ser reconhecida do que este e, ainda que o corpo não existisse, ela não deixaria de ser tudo o que é.”. Pois bem, nossa herança cartesiana, que tanto influenciou a filosofia e ciências ocidentais, dividiu a realidade em dois reinos – mente e matéria – “numerosas pessoas têm-se esforçado para racionalizar a potência causal da mente consciente dentro do dualismo cartesiano.
A ciência oferece razões irresistíveis para que se ponha em dúvida que seja sustentável uma filosofia dualista: para que haja interação entre os mundos da mente e da matéria, terá que haver intercâmbio de energia.”. Num mundo materialista como este que vivemos, decorrência das ciências dos últimos séculos, onde a realidade é material, como poderá a consciência existir? A resposta de muitos é: a consciência é um epifenômeno anômalo, ou seja, é decorrência de um processo cerebral, portanto bioquímico. A esse modo de pensar damos o nome de realismo materialista, que perdurou por séculos e ainda hoje permeia várias concepções científicas. No entanto, a nova física, as psicologias junguiana, arquetípica e transpessoal pensam de modo diverso, cada uma com certas particularidades, mas, todas convergindo para um idealismo monístico.
Goswami não é o único que contesta a posição de Descartes, DAVIES também, a partir do cogito, ergo sun ele acrescenta: “Nossa própria existência é nossa experiência primeira. No entanto, mesmo essa afirmação inatacável contém em si a essência de um paradoxo que permeia obstinadamente a história do pensamento humano. Pensar é um processo. Ser é um estado. Quando penso, meu estado mental muda com o tempo. Mas o eu ao qual o estado mental se refere permanece o mesmo. Este é provavelmente o mais antigo problema metafísico do livro – e voltou à tona como uma vingança na teoria moderna.”. A existência do meu ser e de todos os outros seres apresenta uma certa permanência e uma identidade, há um fluxo constante de fenômenos que se sobrepõe a uma base semiconstante de seres que liga o passado e o presente e aponta para o futuro como uma possibilidade, um devir. É impossível desconectar o ser do mundo, e vice-versa.
Há uma nova teoria mecânico-quântica da consciência que objetiva uma associação do ser com o universo, mediante um relacionamento entre matéria e consciência. O físico quântico David BOHM acredita que: “O mental e o material são dois lados de um mesmo processo global que, como a forma e o conteúdo, estão separados apenas no pensamento e não na realidade. Há uma energiaque é a base de toda realidade (…) Nunca há divisão real entre os lados mental e material em nenhum estágio do processo global”. Não há dicotomia entre o eu que pensa e o eu que sente, entre mim e o mundo a minha volta há trocas eletromagnéticas constantes que me afetam e afetam o mundo à minha volta. Interagimos consciente e inconscientemente com tudo, estamos interligados ao Todo, somos mônadas no sentido leibniziano mesmo, possuímos uma identidade, temos nossa própria unidade, mas fazemos parte de uma Unidade transcendente. Não podemos imaginar algo fora, separado, isolado desse Todo, o holismo é uma resposta possível.
Mesmo em relação a nós mesmos percebemos uma interação mente-corpo, porém estamos descobrindo que há uma superioridade da consciência sobre a matéria. Um exemplo é o próprio gene que possui uma atitude passiva que precisa de algo exterior a matéria de si – mesmo que dê impulso e comando e o faça funcionar. Do mesmo modo a mitose só ocorre após um comando. O DNA tem uma propriedade de se desmanchar e produzir algo novo sob um impacto. Poderíamos conjecturar que esse impacto, esse comando, é um produto psíquico? Estados psíquicos de tristeza produzem putrecinas e cadaverinas através dos microtúbulos neuronais, o que nos faz adoecer fisicamente. Idéias obsessivas acabam por criar padrões neuronais alterados, ou seja, agregam-se fatores nas proteínas que passam nos microtúbulos neuronais. O depressivo produz uma química alterada em seu cérebro que produz em seu corpo disfunções hepáticas, digestivas, e outras.
Sérgio F. de OLIVEIRA acrescenta ainda que há um código genético universal, portanto existem leis biológicas formando um Sistema Biológico que unido ao Sistema Físico ainda não explica o pensamento e tudo o que ele implica: mente, consciente, inconsciente, espírito, psiquismo, alma…ele sugere um Meta Sistema, transcendente a matéria e ao mesmo tempo imanente. Poderíamos compreender como uma autoconsciência cósmica, como pensa Goswami.
CHOPRA diz: “A bioquímica do corpo é um produto da consciência. Crenças, pensamentos e emoções criam as reações químicas que sustentam a vida de cada célula”. Ele acrescenta em relação a influência da consciência nos estados de saúde e doença: “Seria impossível isolar um simples pensamento ou sentimento, uma simples crença ou suposição, que não tenha algum efeito sobre o envelhecimento, direta ou indiretamente. Nossas células estão constantemente bisbilhotando nossos pensamentos e sendo modificadas por eles. Um surto de depressão pode arrasar com o sistema imunológico; apaixonar-se, ao contrário, pode fortificá-lo tremendamente. O desespero e a desesperança aumentam o risco dos ataques de coração e do câncer, encurtando a vida. A alegria e a realização nos matem saudáveis e prolongam a vida. Isto significa que a linha entre a biologia e a psicologia na verdade não pode ser traçada com qualquer grau de certeza. A recordação de uma situação de estresse, que não passa de um fio de pensamento, libera o mesmo fluxo de hormônios destrutivos que o estresse propriamente dito”. Nosso corpo responde inexoravelmente à consciência.
O etologista John CROOK coloca: “A ordem da consciência – sua aparente estabilidade no tempo – é o que nos dá esta sensação de que vivemos num mundo em vez de dentro de experiências arquitetadas pelos caprichosos sentidos” ao que acrescenta Danah ZOHAR: “No entanto, essa rara qualidade de ordenação de nossa consciência limita consideravelmente a escolha de explicações físicas, como pode ser inferido do fracasso de todas as tentativas de se explicar a consciência em termos clássicos. Nossa consciência tem a característica de unidade contínua. Ela se mantém coesa e permite que nossa experiência também se mantenha coesa. Esse tipo de uniformidade fixa é raro entre os processos dinâmicos da natureza, mas pode ocorrer em materiais que existem em fase condensada”
Condensado de Bose/Einstein e Efeito de Herbert Frohlich
Segundo Henry Stapp, a mecânica clássica não é capaz de integrar a consciência com a ciência, já que representa uma expressão da idéia de Descartes, a qual considera a natureza dividida em duas partes não relacionadas e não interativas: a mente e a matéria. Em contraposição, ele e outros físicos têm sugerido que a consciência talvez depende da capacidade do cérebro assumir, de alguma forma, as características quânticas das fases condensadas, como no caso dos supercondutores ou dos raios laser. Mas o que é uma fase condensada? A palavra fase traduz um “estado” de algum sistema material, em que se leva em conta o “grau de alinhamento” de seus componentes. À medida que esse “grau de alinhamento” vai aumentando, a fase vai se tornando mais e mais condensada. Quando se atinge uma forma de alinhamento, a mais ordenada possível, a fase recebe o nome de condensado de Bose/Einstein. *
* – a palavra bose provém de “bosons”, partículas sub-atômicas, como os fótons, associadas com campos de força e que, por promoverem o máximo alinhamento possível (agregação), entre as partes de um sistema, facilitam a concentração (condensação) de energia. Um exemplo simplista, porém didático :
Diversas bússolas estão dispostas sobre uma mesa em um compartimento blindado. Por causa da blindagem, as agulhas apontam, aleatoriamente, em todas as direções. Mas se, através de uma corrente, aumentarmos a energia eletromagnética das bússolas, as agulhas irão, aos poucos, se alinhando. Quando a intensidade da corrente eletromagnética atingir um determinado grau, as bússolas passarão a se comportar como uma única superbússola, todas as agulhas apontando, agora, numa mesma direção. Elas entraram num estado de fase condensada. Retomemos o exemplo dos supercondutores.
Pois bem, eles só atuam em temperaturas extremamente baixas, enquanto o cérebro trabalha na temperatura corporal. Logo, se a física das fases condensadas é mesmo relevante para a formação da consciência, então deve haver algum mecanismo desse tipo que funcione na temperatura normal do corpo.
E, na verdade, existe um : O chamado efeito de Herbert Frohlich, encontrado em alguns tecidos biológicos, parece atender aos critérios necessários. O efeito de Frohlich consiste num sistema de moléculas eletricamente carregadas (contêm dipolos positivos numa extremidade e negativos na outra) e atuam da seguinte forma: Quando se acrescenta, ao sistema, uma certa quantidade de energia, os dipolos passam a emitir vibrações eletromagnéticas, similares as dos radio transmissores em miniatura. Alem de um certo limite, qualquer energia introduzida a mais no sistema, faz com que as moléculas vibrem em uníssono. Elas o fazem, cada vez mais intensamente, até atingirem a forma mais ordenada possível de fase condensada, ou seja, o já mencionado condensado de Bose-Einstein.
A característica essencial deste condensado reside no fato de que as diversas partes do sistema ordenado, não só se comportam como um todo, mas também se tornam um todo: suas identidades se fundem de tal forma, que cada uma das partes perde a própria individualidade. Uma boa analogia, seria a das muitas vozes de um coral, que se fundem para, em determinados níveis de harmonia, dar lugar à “uma única voz”.
Podemos concluir que os sistemas quânticos complexos, como é o caso da consciência, são auto-ordenadores e caminham em uma direção evolutiva, em direção a um Atrator Cósmico, ao Ponto Ômega, à Individuação humana e cósmica. A esse caminhar, processo maior de coerência ordenada crescente do Universo como um todo, Prigogine chama de “paradigma evolutivo”
Se a evolução de todo o Cosmos é atraída a um propósito, não será a Autoconsciência o propósito da vida humana?
Então Jung estava absolutamente correto ao afirmar que o propósito do ser humano é a Individuação, o tornar-se si-mesmo em sua plenitude, numa relação profunda consigo mesmo, com sua luz e sua sombra, e com os outros na medida que a Individuação não isola o homem do mundo, ao contrário o faz pertencente e co-responsável, desenvolve no homem o sentido de unidade com tudo e com todos.
Ercilia Simone Dalvio Magaldi
Pedagoga – Filósofa – Especialista em Psicologia Junguiana –terapeuta – mestre em CRE – PUCSP e doutora em CRE – UMESP
email: simonemaqgaldi@ijep.com.br