Há algum tempo chegou em minhas mãos uma “oração” atribuída a Nahualt, na verdade dei pouca importância pois chegou exatamente como chegam as fakenews. Eu não sei o que me fez voltar ali e reler, eu não sou dessas pessoas que voltam pra ler coisas tipo corrente, ou baixa imagens que parecem ser só reprodução automática. Voltei, voltei e me deparei com algo que me atravessou, e me possibilitou orar, falar e agir. Refletir nas minhas ações e em todas as não atitudes que eu estava tomando. Estudar Jung faz esse tipo de arrebatamento, somos pegos desprevenidos por eventos sincronísticos que se tivermos olhos de ver, conseguiremos apreender alguma coisa com isso.
Nahualt provem da língua madre dos Astecas, é uma língua indígena e milenar onde são falados até hoje em zonas mais rurais com dialetos diferenciados. Procurei saber se a oração era de um deus ou deusa, ou alguma entidade especifica da religião Asteca. O pouco que posso falar sobre a religião deles é que eram politeístas e cultuavam a natureza e os animais como deuses. Então, posso ser sugestionada a acreditar que essa prece seja ao Criador, se por algum acaso, tenha sido feita pelos astecas. Não posso garantir isso pois em toda pesquisa que fiz não tinha fontes fidedignas desta origem para o que me foi apresentado, mas eu queria saber de onde foi que se originou tal poema, pois eu vi como uma prece de libertação. E eu queria falar sobre ela, mesmo que não seja dos astecas, mesmo que tenha sido feita por um gênio contemporâneo, ela me trouxe um caráter numinoso. Quando entramos em contato com algo que muda qualquer percepção, da forma que me foi colocada esses versos, podemos trabalhar de forma terapêutica. A Arteterapia trabalha todas as formas de arte e possibilita esse encontro com um eu interior a partir de imagens, textos e produções que nos fazem refletir essa interioridade fina e particular a partir de um outro. Esse outro pode ser um material, um desenho, uma foto, uma escultura, um livro, uma poesia; sai de mim o que entrou em contato com meu maior EU que é esse pedaço que se faz presente constantemente, mas é inconsciente. Segue a “oração” abaixo:
Bênção Nahualt
Eu liberto meus pais do sentimento de que já falharam comigo.
Eu liberto meus filhos da necessidade de trazerem orgulho para mim. Que possam escrever seus próprios caminhos de acordo com seus corações, que sussurram o tempo todo em seus ouvidos.
Eu liberto meu parceiro da obrigação de me completar. Não me falta nada, aprendo com todos os seres o tempo todo.
Agradeço aos meus avós e antepassados, que se reuniram para que hoje eu respire a vida. Libero-os das falhas do passado e dos desejos que não cumpriram, consciente de que fizeram o melhor que puderam para resolver suas situações dentro da consciência que tinham naquele momento. Eu os honro, os amo e os reconheço inocentes.
Eu me desnudo diante de seus olhos. Por isso, eles sabem que eu não escondo nem devo nada além de ser fiel a mim mesmo e à minha própria existência, que caminhando com a sabedoria do coração, estou ciente de que cumpro o meu projeto de vida, livre de lealdades familiares invisíveis e visíveis que possam perturbar minha Paz e Felicidade, que são minhas únicas responsabilidades.
Eu renuncio ao papel de salvador, de ser aquele que une ou cumpre as expectativas dos outros.
Aprendendo por meio e somente por meio do AMOR, eu abençoo minha essência, minha maneira de expressar, mesmo que alguém possa não me entender.
Eu entendo a mim mesmo, porque só eu vivi e experimentei minha história. Porque me conheço, sei quem sou, o que sinto, o que faço e porque faço.
Eu me respeito e me aprovo.
Eu honro a Divindade em mim e em você.
Somos livres!
Podemos perceber pelo aspecto da Psicologia Analítica o simbólico de libertação desta oração, prece, poesia, carta ou mesmo escrita sagrada, caso tenha sido originada mesmo pelos Astecas. Quando libertamos, pedimos liberdade… ao que viemos presos? Aceitar que temos limitações e que relações de poder não nos trazem a possibilidade de vivenciar o amor. “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina há falta de amor. Um é a sombra do outro.” (Jung, 2012)
A obra é maior que o autor quando ela cria redes de afeto além daquilo que ele, o autor, pode alcançar. A etimologia de benção vem do “[…]hebraico, a palavra “bênção” (“berekhah”) vem de uma raiz (“barakeh”, “beirakheh”) que significa “ajoelhar, abençoar, exaltar, agradecer, felicitar, saudar”. Tanto no hebraico quanto no grego (“eulogia”) apresenta um sentido de concessão de alguma coisa material. Todavia, a forma grega acrescenta ainda os bens espirituais que vem de Cristo. Nos dicionários, consta como “ação de benzer, favor divino, graça”.” (http://www.etimologista.com/2011/06/origem-da-bencao.html). Podemos ver que só a chamada tem uma incitação a invocação de algo sagrado e ao fazer uma análise das partes podemos ver os aspectos que fazem o todo mas pedem uma percepção muito individual e privada daquilo que possuímos como experiência de vida, retificando a fala de Jung que somos seres, únicos e exclusivos, e devemos entender processos universais vividos no indivíduo.
“Não é somente qualquer leigo que presume emitir um juízo, quando se apresenta a ocasião, mas até mesmo qualquer psicólogo, e isto não somente com referência ao sujeito, mas também, o que é mais grave, com referência ao objeto. Sabemos ou acreditamos saber o que se passa com outro indivíduo, e o que seja bom para ele. Isto se deve menos a um soberano desconhecimento das diferenças, do que propriamente à tácita suposição de que todos os indivíduos são iguais entre si. A consequência disto é que as pessoas se sentem inclinadas, a acreditar na validez universal de opiniões subjetivas.” (JUNG, 2012, §343)
Poderíamos dissecar o texto, eu poderia criar suposições do que o autor quis me falar, mas dentro do processo terapêutico o lugar mais seguro e fiel é falar sobre quais emoções me tocaram ao entrar em contato com o objeto. Através dos trechos posso especificar a teoria viva de Jung quando se fala de libertamos nossos pais, avós, bisavós e tataravós, as quatro gerações de influência psíquica e isso poderia se adequar e ressignificar conteúdo dos complexos materno e paterno; ou da necessidade de “orgulho” como forma de vida não vivida por nós que acarreta em sofrimento aos nossos descendentes, no caso os filhos; ou ainda, ao entendermos que somos seres completos e que vivenciamos nas relações formas nossas projetivas, principalmente nos parceiros. Podemos interpretar verso a verso, mas entendendo que foi o que ME passou ao olhar essa escrita. Poderia não me dizer nada também, ou apenas soar auto ajuda piegas. O além é que incorpora de maneira subjetiva e dá sentido a essa relação individuo/objeto. Libertando-nos de ter que viver a vida não vivida dos nossos antepassados.
Perceber nossas demandas internas é o papel do processo terapêutico, utilizar formas lúdicas e oníricas são maneiras preciosas de desenvolvermos métodos únicos com aqueles que passam a dividir suas demandas interiores no setting terapêutico. Jung nos permite vivenciar isso com o cliente quando apostamos, não em métodos ou técnicas, mas em evolutivas pessoais intransferíveis que com o nosso auxílio podemos ajudar nos baseando na Psicologia Analítica. A Arteterapia parece mágica, quando falamos assim… talvez soe piegas, ou muito fantasioso, mas se relacionar consigo mesmo é assim mesmo. Pontuando que isso só pode acontecer com entrega ao crescimento interno e para haver “cura”, temos que dar atenção, que é isso que cura quer dizer. Se dar atenção, produzir sua arte, ser atravessado por outras obras… se escutar a partir de objetos. Nossa relação com os materiais e nossas múltiplas possibilidades de nos comunicarmos com o nosso inconsciente é uma relação de encanto. Não tem lugar comum nessa variedade, o caminho é lindo e muito particular.
Bárbara Pessanha
Membro Analista em Formação RJ
Referencias:
JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2012c. (Obras
Completas de C. G. Jung, v. 8/2).
JUNG, Carl Gustav. O espírito na arte e na ciência. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2012i.
(Obras Completas de C. G. Jung, v. 15).
MENDES, Iba. A origem da “Bênção”
Disponível em: http://www.etimologista.com/2011/06/origem-da-bencao.html Acesso em: 19 ago. 2020.
SANT’ANA, Maraci. Disponível em: https://blogs.correiobraziliense.com.br/consultoriosentimental/bencao-nahuatl/ , Acesso em: 19 ago. 2020.