É através dos pais que as crianças e/ou adolescentes chegam ao consultório, afinal a família busca ajuda e orientação por acreditarem que esse profissional poderá orientá-los e assim, melhorar a adequação da criança ao meio onde vive. Algumas vezes, os próprios pais não percebem as dificuldades do filho, transferindo esse papel para a escola.
A participação da família no processo terapêutico da criança é primordial, afinal é um processo que não envolve apenas aspectos individuais da criança, mas também toda a história pregressa da família. Nesse momento saliento a importância de uma anamnese bem detalhada e escuta aguçada do terapeuta, afinal a anamnese ajuda a enxergar além do que está na superfície, explorando pensamentos, sentimentos, e padrões que podem estar submersos ou velados, aquelas informações que realmente nos ajudem a identificar a dinâmica psíquica.
Jung não aprofundou os seus estudos na infância, mas suas observações foram de grande valia para os pós junguianos. Ele observou que o ego surge do inconsciente, aliás do inconsciente materno, sendo a relação mãe-bebê imprescindível para permear todas as outras relações no decorrer de sua vida.
Ele nos traz o termo criado por Lévi Bruhl, “participation mystique” (participação mística) e relaciona este termo de identidade que acontece com pais e filhos, com a psicologia dos povos primitivos onde o rebaixamento da consciência permite que o indivíduo seja contagiado pelas emoções do ambiente onde se encontra, não há diferenciação clara entre sujeito e objeto (JUNG, 2013, p.50). No início do processo de desenvolvimento, a criança se confunde com a mãe, não conseguindo se perceber com um ser único e diferente desta.
A criança nasce inconsciente, ou seja, mergulhada no inconsciente da mãe e, com o passar do tempo é que desenvolve o consciente (Neumann, 1995, p.17).
Podemos dizer que a consciência da criança e suas reações egóicas, estão diretamente conectadas com sua experiência corporal. A criança aprende a ter uma relação de Eros com o seu próprio corpo através das experiências vividas com sua mãe (Ibid., 1995, p.18).
A vivência dessa relação de forma positiva, permite uma diferenciação progressiva entre a criança e o mundo, formando-se assim, sua própria identidade. Estas observações são imprescindíveis para a nossa discussão, já que a identidade da criança é constituída a partir das vivências e dos olhos da mãe. É de suma importância a presença da família durante o processo terapêutico para a evolução da própria criança.
Da mesma forma que a criança sente prazer nas coisas que sua mãe lhe proporciona, o oposto também é verdadeiro: uma sensação de incômodo e desprazer podem provocar sérios problemas ao longo de sua vida. A criança pequena é como um homem primitivo, uma pedra bruta que precisa ser lapidada. Não existe diferenciação entre sujeito e objeto, ego e self, indivíduo e mundo, essa diferenciação inicia-se por volta, mais ou menos, dos 3 anos de idade.
Durante o processo de desenvolvimento da criança ocorre um redirecionamento da energia psíquica através da diferenciação das partes e o todo, proporcionando à criança um distanciamento da mãe, uma percepção do seu próprio eu.
Nesta fase, as crianças começam a perceber a necessidade de experenciar e aprender a lidar com os conflitos, planejar e realizar as suas próprias atividades diárias, ir à busca de atingir metas e objetivos. Adquirem habilidades sociais e que são ou não, valorizadas pela família ou pelos seus pares. A importância da validação e voz de incentivo dos pais é de grande valia, ao mesmo tempo que eles estabelecem limites, transmitem afeto e segurança.
Para Jung:
Na clínica de crianças e adolescentes sob a perspectiva da psicologia analítica, a interação entre terapeuta, escola e família desempenha um papel muito importante no processo de individuação e no enfrentamento dos desafios emocionais.
No setting terapêutico, o terapeuta atua como um detetive, um investigador. Seguindo pistas e buscando compreender os complexos simbólicos manifestados pelas crianças e adolescentes, no contexto familiar e no âmbito escolar. Estas pistas o levarão às possibilidades de desvelar mistérios que envolvem a criança dentro daquela família.
A família, como primeira instituição da criança, representa o núcleo primordial de influência, onde são transmitidos valores, crenças e traumas que impactam diretamente no desenvolvimento psicológico dos jovens, o chamado inconsciente familiar.
A escola é um ambiente onde muitos desses conflitos se manifestam. Por isso, é fundamental para identificar padrões comportamentais e emocionais que podem estar relacionados a questões mais profundas da psique individual e coletiva.
Lembrando que a criança e/ou adolescente passa a maior parte do tempo na escola, as observações feitas pelos educadores são muito importantes para o processo terapêutico dessa criança. Os educadores são capazes de observar padrões de comportamento da criança em diferentes contextos e momentos do dia, fornecendo informações valiosas para complementar as informações dadas pela família. Dentro de uma instituição de ensino, o educador, estaria complementando a educação dos pais e conduzindo a criança para um mundo muito mais amplo.
A criança projeta sobre ele a imagem dos pais, o que possibilita um espaço onde ela possa depositar suas dúvidas, angústias, euforia, medos, inseguranças, etc.
Esse suporte que o educador oferece, promove a transição do estágio de dependência dos pais para a autonomia perante o mundo externo.
A integração entre terapeuta e escola exerce um papel fundamental na psicoterapia de crianças, pois permite uma abordagem mais abrangente e eficaz para lidar com os desafios emocionais e comportamentais dos pequenos. Ou seja, essa interação considera a criança de forma integral, na sua completude, atendendo inclusive ao preconizado pela teoria analítica de Jung.
Por sua vez, o terapeuta pode compartilhar estratégias, adaptações e orientações com a equipe escolar, contribuindo para um ambiente mais acolhedor e favorável ao desenvolvimento emocional das crianças. Além de promover a mediação entre escola e família, favorecer a compreensão da dinâmica familiar e desvelar os sintomas apresentados pela criança.
Ao compreender melhor o ambiente escolar em que a criança está inserida, o terapeuta também pode adaptar suas estratégias terapêuticas de maneira mais adequada, considerando os desafios específicos que a criança enfrenta em seu dia a dia. Possibilitando assim, intervenções mais rápidas e assertivas junto à criança e sua família.
Além disso, a integração entre terapeuta e escola promovem uma abordagem colaborativa e multidisciplinar no suporte às crianças.
Profissionais de diferentes áreas e a família podem unir esforços para criar um plano de intervenção integrado, que levem em consideração as necessidades específicas de cada criança. Essa colaboração pode envolver não apenas o terapeuta e os educadores, mas também outros profissionais, como psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos escolares e orientadores educacionais, formando uma equipe multidisciplinar dedicada em prol do bem-estar da criança.
Ao reconhecer a importância da saúde emocional das crianças e investir em parcerias com profissionais afins, as escolas podem criar um ambiente mais inclusivo e acolhedor, onde as crianças se sintam seguras para expressar suas emoções e buscar ajuda quando necessário.
Dessa forma, a integração entre terapeuta e escola se torna uma peça-chave na promoção do desenvolvimento saudável e da resiliência emocional das crianças.
Por fim, a integração entre terapeuta e escola não apenas beneficia a criança em terapia, mas também contribui para promover uma cultura de saúde mental e bem-estar dentro do ambiente escolar como um todo. Podemos pensar também que esta integração favorece o desenvolvimento da personalidade, bem como o processo de construção do ego que ocorre nesta fase, que como diz Jung, vai até em torno de 21 anos.
Ao integrar esses três pilares, ou seja, ao formarmos esse tripé – terapeuta, família, escola – na Clínica Junguiana de crianças e adolescentes podemos promover um ambiente terapêutico saudável, onde todos os aspectos são considerados e olhados: físico, mental, emocional e espiritual, facilitando assim, o processo de autoconhecimento e crescimento pessoal.
Esse processo faz parte de um jogo e é neste jogo que o terapeuta deve entrar, entre o consciente e inconsciente, entre o real e o imaginário, entre o típico e o atípico, entre o conhecer e reconhecer as emoções, para flexibilizar e tornar possível o diálogo com si mesmo.
Não há concepções totalmente fechadas, inflexíveis e inquestionáveis, devemos jogar o jogo do eu, do saber e não saber, do construir e desconstruir, para que possamos promover o diálogo entre a escola e a família, tecer uma rede de interrelações e apoio para as famílias se expressarem e participarem do processo evolutivo das crianças e adolescentes que se deslocam da dependência para a independência.
Elaine Bedin – Membro Analista em formação pelo IJEP
Dra. E. Simone Magaldi – Membro Didata do IJEP
Referências:
JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 10. ed. Petrópolis:Vozes, 1984.
JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente.10. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
JUNG, C.G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2007b.
JUNG, Carl. Estudos Experimentais. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
JUNG, Carl Gustav. Tipos Psicológicos. 7. ed. Petrópolis: Vozes,2013.
JUNG, C. G. O desenvolvimento da Personalidade.14 ed. Petrópolis: Vozes,2013.
JUNG, C.G. A energia psíquica. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
JUNG, C.G.O homem e seus símbolos.Harper Collins: Brasil, 2016.
JUNG, C.G. Memórias, sonhos, reflexões. Tradução Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2012.
NEUMANN, Erich. A Criança – Estrutura e Dinâmica da Personalidade em Desenvolvimento desde o Início da sua formação.10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
WINNICCOTT, D. W. O Brincar e a Realidade, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.