Vivemos em uma sociedade que passa por constantes mudanças. Pessoas e coisas são cada vez mais descartáveis, aspectos que refletem nas vivências, provocando mudanças de comportamentos. Pais, psicoterapeutas, educadores e todos os envolvidos nas áreas voltadas ao ser humano, ficam perplexos diante do aumento dos índices de suicídio, do uso de entorpecentes, das doenças psicossomáticas e da ingestão de remédios pelos adolescentes. Surgem questões importantes: O que leva um indivíduo a se drogar para viver? Para que tirar a vida? Será um vazio existencial que precisa ser preenchido? Ou quem sabe a ilusão de acabar com o sofrimento? Não basta justificarmos com os porquês, precisamos ir além e compreendermos o sentido dessa triste realidade. Com esse olhar, convido-os para ampliarmos algumas questões, que envolvem o período cíclico da vida, denominado adolescência.
A palavra adolescência vem do latim adolescere, que significa crescer. A sua definição varia conforme a cultura em que se vive. Historicamente, o termo adolescência é recente. Ariès nos trouxe essa constatação: “Só se saía da infância ao se sair da dependência” (1981, p.42). Assim, era considerado adulto quem não dependia mais dos seus pais. Da mesma forma, Papalia, Olds & Feldman, 2006 descrevem essa dinâmica e afirmam que no Séc. XX as crianças ocidentais entravam no mundo adulto quando amadureciam fisicamente ou quando definiam a sua vocação. Geralmente saíam de casa cedo, optando pelo casamento e gerando filhos. Hoje a puberdade começa mais cedo e a escolha da profissão tende a ocorrer mais tarde.
Em termos gerais, existe uma concordância que a adolescência é a fase que marca a transição entre a infância e a vida adulta, que envolve grandes mudanças físicas, cognitivas e psicossociais e dura em torno de 10 anos, iniciando depois dos 10 anos e terminando em torno dos 20 anos. Na sua fase inicial ocorrem várias alterações físicas. Durante o período, continuam ocorrendo as mudanças físicas, acompanhadas de mudanças interiores, que envolvem a aversão ao controle dos pais e a entrada com maior importância dos amigos, resultando em muitos conflitos familiares. Para alguns, são considerados os anos mais difíceis. Na fase final, ocorre a crise da identidade, com o planejamento da vida e a inclusão de maior responsabilidade, culpabilidade definida por lei. Ou seja, a partir deste momento o indivíduo responde legalmente por seus atos.
Vindo ao encontro, para Jung a personalidade do ser humano é desenvolvida aos poucos: “A personalidade já existe em germe na criança, mas só se desenvolverá aos poucos por meio da vida e no decurso da vida. Sem determinação, inteireza e maturidade não há personalidade” (2013, p. 182). Legião Urbana, com a música “Tempo Perdido”, amplia a realidade que permeia os adolescentes. Por um lado, tudo muito intenso e rápido, em contrapartida uma sensação que eles têm todo o tempo do mundo: “Mas tenho muito tempo, temos todo o tempo do mundo (…) Somos tão jovens”.
Entre tantas características que marcam a adolescência, podemos citar as mudanças hormonais e glandulares, que influenciam no crescimento do corpo, e as alterações emocionais, que aparecem em forma de raiva, mágoa, tristeza, perda e medo. Nesta fase eles se preocupam com a aparência, pensam de forma abstrata, fazem generalizações, descobrem novas realidades, tornando-se imediatistas e imprevisíveis. É um período em que os amigos tomam grande espaço, participando de grupos e tribos. Questionamentos sobre a vida aparecem e as principais inquietações giram em torno da identidade, testando o mundo e expondo-se a riscos. Para Jung, a adolescência é marcada por transformações: “O nascimento psíquico e, com ele, a diferenciação consciente em relação aos pais só ocorrem na puberdade, com a irrupção da sexualidade. A mudança fisiológica é acompanhada também de uma revolução espiritual” (2013, p. 347).
Neste sentido, cito mais uma vez a Legião Urbana, que retrata muito bem questões voltadas ao período, com a música “Pais e Filhos”, ouvida e cantada por muitos de nós: “Sou uma gota d’água. Sou um grão de areia. Você me diz que seus pais não lhe entendem. Mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo. E isso é absurdo. São crianças como você. O que você vai ser quando você crescer?”
A Constituição Brasileira, no artigo 227, assegura a proteção integral à criança e ao adolescente. Igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), é um importante instrumento de defesa dos direitos e deveres de crianças e adolescentes, que estão vivendo um período de intenso desenvolvimento físico, psicológico, moral e social. Sabemos que muitos órgãos se envolvem com seriedade para garantir esses direitos e deveres, porém em termos gerais ainda existe muito para fazer.
Nos consultórios de psicoterapia aparecem diferentes sintomas para serem ressignificados. Um deles é a ausência e/ou a omissão dos pais, muitas vezes compensadas com presentes e outras facilidades. De forma similar, algumas escolas particulares, com alto nível de exigência teórica e pouco olhar para outras dimensões, contribuem para a formação de sintomas. Os adolescentes se sentem desestimulados e incapazes, afetando a sua autoestima e abrindo espaço para doenças psicossomáticas. Para alguns, escolher uma profissão no final do Ensino Médio é angustiante. Igualmente, passarem no vestibular, perceberem que fizeram uma escolha errada e abandonarem o curso em seguida.
Deparamo-nos com realidades preocupantes e cada vez mais presentes: adolescentes que tiram suas vidas diante de frustrações. Como não vivenciaram as pequenas frustrações, sentem-se incapazes de lidar com as dores da alma e escolhem morrer. Hillman, em seu livro Suicídio e Alma, auxilia-nos na compreensão da vida e da morte. De fato, diante da possibilidade de suicídio, precisam morrer muitas coisas para o ser humano não se matar. Renato Russo expressou essa realidade com sua voz encantadora: “Estátuas e cofres. E paredes pintadas. Ninguém sabe o que aconteceu. Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de entender”.
As relações tornaram-se virtuais e a liquidez dos relacionamentos modernos tornaram as pessoas e os objetos descartáveis, realidade que pode ser comparada com a crise de identidade dos adolescentes na busca de um caminho para trilharem com segurança. Lipovetsky (2005), afirma que a sociedade de consumo foi construída sobre as aparências, com o uso desenfreado de bens não duráveis. De forma idêntica, Bauman (2004), nos mostra que a liquidez dos relacionamentos modernos envolve as relações virtuais, que aparentam facilidade e transparência, em detrimento da autenticidade que parece pesada e lenta demais. Para buscar respostas diante das incertezas da vida, podemos digitar uma palavra no Google e aparecem várias possibilidades. As informações disponíveis na internet nem sempre são aplicáveis na vida prática e geralmente causam mais inquietações diante da padronização estabelecida. A angústia continua porque o mundo virtual não conhece nosso campo relacional, não percebe as expressões do nosso corpo que retratam um mal estar na alma e não consegue promover o que mais precisamos: alguém que, de uma forma diferenciada, estabeleça conosco um vínculo de confiança, que nos ouça e que nos dê uma oportunidade de dar voz ao que sentimos. Escutar e dar voz, papel que o psicoterapeuta promove com sabedoria!
Questões que envolvem a sexualidade também fazem parte das demandas nos consultórios. A iniciação da vida sexual, movida por ansiedade e preocupações, exige esclarecimentos e orientações sobre a existência ou não de disfunções. Troca constante de parceiros, experimentação do prazer com meninos e meninas, em busca da resposta para sua identificação sexual também aparecem como demandas. Depressão, suicídio, ansiedade, distúrbios alimentares e drogas. Símbolos de beleza, insatisfação com o físico, anorexia nervosa e a bulimia nervosa. Uso de objetos cortantes e bebidas alcóolicas. Mundo virtual substituindo relações reais. É o adolescente gritando por ajuda, tão bem interpretado pela Legião Urbana: “Quero colo, vou fugir de casa (…). Só vou voltar depois das três”.
No decorrer dos anos, diferentes autores de diferentes áreas se empenharam nos estudos sobre a adolescência. Edinger (1972), contribui com os conceitos psicológicos de Jung, que nos permite entender o adolescente, principalmente na sua diferenciação em relação aos pais, momento em que os arquétipos do pai e da mãe perdem a predominância. Assim, ocorre a entrada do herói, na interação com o grupo do mesmo sexo, buscando uma identidade própria. Da mesma forma, os arquétipos da anima na psique do menino e do animus na menina, possibilitando o relacionamento e atração pelo sexo, oposto ou até igual à identificação sexual do ego.
Para maior compreensão, Erik Erikson propõe a Teoria Psicossocial, envolvendo 8 estágios do desenvolvimento humano, descrevendo a fase dos 12 aos 18 anos como de identidade x confusão. De acordo com Aberastury e Knobel (1983) algumas características são comuns nos adolescentes. Entre elas podemos identificar a busca de si mesmo e da identidade, a tendência grupal, a necessidade de intelectualizar e fantasiar, as crises religiosas, a vivência do tempo, a sexualidade, a atitude social reivindicatória, as condutas contraditórias, a separação progressiva dos pais e as constantes flutuações do humor. Tânia Zagury, educadora e filósofa, contribui com algumas reflexões (2004, p. 45). Para ela, o maior perigo para um jovem não são as drogas: é não crer no futuro e na sociedade em que vive. A falta de esperança pode levar à depressão, ao individualismo, ao consumismo, ao suicídio, à marginalidade e às drogas. Neste processo, é fundamental a integridade dos adultos e atitudes coerentes com seus discursos, que servem de exemplos para eles, que poderão fazer algumas bobagens, mas nada que fira a ética e os valores que aprenderam. Mais importante que satisfazer desejos é ensinar princípios éticos. Adolescentes querem amor, aceitação e respeito. Querem ser ouvidos, protegidos e valorizados!
Segundo as ideias de Calligares, a nossa sociedade incentiva a cultura da autonomia e da independência. É transmitido a ambição de não repetir a vida dos que o geravam, mas de se destacar, porém precisa seguir as regras sociais e não provocar a violência e a desordem. Sair da adolescência significa ser um adulto desejável e invejável, reconhecido pelas relações amorosas/sexuais e o poder, no campo produtivo, financeiro e social. Por outro lado, ele nos deixa indagações: “Por que se tornar adulto se os adultos querem virar adolescentes? (…) O dever dos jovens é envelhecer. Suma sabedoria. Mas o que acontece quando a aspiração dos adultos é manifestamente a de rejuvenescer?” (2.000, p.74).
Jung, por sua vez, contribui significativamente e nos alerta sobre aspectos importantes na formação da personalidade: “Os filhos são estimulados para aquelas realizações que os pais jamais conseguiram; a eles são impostas as ambições que os pais nunca realizaram. Tais métodos e ideais produzem monstruosidades na educação (…) Ninguém pode educar para personalidade se não tiver personalidade” (2013, p. 182).
Alguns estudiosos se arriscam, sugerindo alternativas em relação ao que pode auxiliar na educação dos adolescentes. Entre as sugestões apontadas aparece o pertencimento aos grupos de esporte, de música ou religiosos, mas o essencial é que eles se sintam importantes e que saibam que são bons em alguma coisa. A família, independente de como é constituída, tem um papel fundamental, envolvendo-os para realizarem juntos algumas coisas, como passeios, viagens, refeições, entre outros. Vale lembrar que o diálogo, envolvendo uma comunicação assertiva, é uma das melhores opções para resolução de conflitos.
Diante de tantos problemas, a saída criativa é olhar para a angústia, simbolicamente conversar com ela, perceber qual aspecto da vida está gritando por mudanças e permitir que elas ocorram. Olhar para as dores e não encará-las como fim, mas percebê-las como oportunidades, como portas que se abrem para novos sentidos e significados. Entorpecentes e remédios muitas vezes têm a função de “bengalas”, que auxiliam a caminhada, suavizando as dores psíquicas, porém não promovendo a cura da alma. E mais uma vez trago a contribuição de Jung que traduz com sabedoria as reflexões sobre a adolescência: “Somente o outono revela o que a primavera produziu, e somente a tarde manifesta o que a manhã iniciou” (2013, p. 183). Ele complementa: “Somente será possível que alguém se decida por seu próprio caminho, se esse caminho for considerado o melhor” (2013, p. 185). E a caminhada não precisa ser dolorida.
Culmino minhas ampliações com mais um trecho da música Pais e Filhos, cantada com a voz marcante de Renato Russo, que permite compreendermos o amor como essência na adolescência e em todas as fases da vida: “É preciso amar as pessoas. Como se não houvesse amanhã. Por que se você parar pra pensar. Na verdade não há”.
Claci Maria Strieder, Pedagoga, Psicóloga, Especialista em Psicossomática e Psicologia Junguiana, Analista em formação pelo IJEP.
Brasília/DF – Contato: (61) 99951.0003 – clacims@gmail.com
Leituras de apoio:
ABERASTURY, A. KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. 3ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
ARIÉS, P. História social da criança e da família. 2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
CALLIGARES, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.
EDINGER, E. Ego e arquétipo: Uma síntese fascinante dos conceitos psicológicos fundamentais de Jung. Cultrix, São Paulo: 1972.
ERIKSON, E. H. O ciclo de vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
HILLMAN J. Suicídio e alma. Petrópolis: Vozes; 1993.
JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 10ª edição. Petrópolis. Vozes, 2013.
________________O desenvolvimento da personalidade. 14ª edição. Petrópolis. Vozes, 2013.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia de Letras, 2005.
PAPALIA, D. E., OLDS, S. W., & FELDMAN, R. D. (2006). Desenvolvimento humano (8ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
ZAGURY, Tania. Os direitos dos pais: construindo cidadãos em tempos de crise. 6ª edição. Record, Rio de Janeiro, 2004.