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Vivemos há algum tempo em uma situação de ausência de corporeidade nas relações que, apesar de agravada pela pandemia, já era um reflexo de um estilo de vida bastante difundido na sociedade pós-moderna e contemporânea. Somamos aos paradigmas sociais, políticos e econômicos da sociedade contemporânea neoliberal, as inovações tecnológicas, e o que acabamos por testemunhar é uma dificuldade nas relações objetais e no estabelecimento de laços. Já há tempos, nosso imaginário se deixa levar por enredos ficcionais onde uma “era digital ou robótica”, enaltecida e temida, destila todo seu poder onipotente de desmaterialização e desumanização. Mas, aparentemente, alguns desses enredos se tornaram uma realidade.

Não é de hoje que ao abrir os sites de notícias, ao assistir os telejornais somos inundados por notícias mórbidas: assassinatos, mortes, violências, roubos, assaltos, agressões de toda espécie são tão constantes que quase banalizamos esses fatos. A fome, o desemprego, a miséria, as doenças, o ódio, a descriminação estão tão concretos que quase os “pegamos no ar”. As mídias sociais evidenciam a quantidade de ofensas, xingamentos e cancelamentos, numa espécie de apedrejamento virtual. O ódio, o preconceito, a falta de empatia parecem ter deixado de fazer parte dos aspectos sombrios e passaram a ser o “novo normal” da convivência, principalmente nas plataformas virtuais. A distância e o semianonimato facilitam com que a educação, o diálogo e a civilidade passem longe das conversas. Muito se discute sobre a ontologia da maldade. Seria ela a falta da bondade ou a “privatio boni”, ou teria ela sua própria substância?

A arte nos revela. Muito além das questões estéticas, ela evidencia aspectos da consciência e o inconsciente do artista, além do inconsciente coletivo do Espírito da Época. Ao observarmos com atenção, percebemos que existem inúmeras projeções de animus em diferentes formas de arte. Para conseguirmos apreender as imagens arquetípicas projetadas na arte pelo animus, é importante alinharmos este conceito conforme a Psicologia Analítica.

Uma das belezas que a Psicologia Analítica nos proporciona é mudança na forma de olhar, sentir e perceber a vida. Por trás de cada processo, dor e história existe uma infinidade de símbolos que permitem profundos aprendizados e que, quando ampliados, geram saltos de consciência.
Símbolos estes que conversam conosco a todo tempo, sejam na forma de sonhos, imagens, arte…
Este artigo é um convite para olhar a arte sob lentes junguianas, ou seja, como símbolos prenhes de imagens arquetípicas que nos afetam: como a arte nos revela, o que podemos descobrir sobre nós, as projeções inconscientes, sua universalidade e o que acontece com o artista ao produzir uma obra. Pois, como lindamente disse Ferreira Goullart, “a arte existe porque a vida não basta”.

Imoral é desistir de si mesmo – (Clarice Lispector) Sob a ótica junguiana a relação entre o indivíduo e a massa – o coletivo de humanos ainda indiferenciados – nem sempre é harmônica. Muito pelo contrário, o mais comum é os interesses, metas e objetivos de individuação incomodarem à massa que pode se caracterizar até mesmo como uma força de oposição ao processo de individuação. Carotenuto (1994) discute essa situação sob a ótica junguiana nos capítulos finais daquele seu texto e propõe caber ao indivíduo os passos necessários para sua diferenciação. De acordo com Jung, a atitude ética é essencial para um posicionamento adequado e responsável em face de si mesmo, da coletividade e da Vida, de modo tal que o viver leve à individuação.

Prateleiras de super-mercados abarrotadas. Vastas áreas em reluzentes shopping centers lançando apelos ao consumo… Consumo e mais consumo, sempre acenado como viabilizado por sorridentes anunciantes de cartões de crédito. Autonomia. O mundo da fartura sem compromisso com a origem dos produtos, com a remuneração de quem os fabricou, transportou, de quem os está vendendo. Nem com os resíduos produzidos no processo. Engajamento total na compra de uma imagem. A construção de uma persona de aparência feliz e integrada ao mundo hiperdigital em que vivemos. E tudo tão fácil, tão aparentemente ao alcance das mãos, de um gesto. De um clique. As dívidas e dúvidas… Ficam para amanhã. Vamos a qualquer lugar com um piscar de olhos, com um telefonema, com a consulta a um site na internet.