O desenvolvimento da personalidade, de acordo com minha leitura da obra junguiana, recebe inúmeras influencias desde a concepção do feto. Apesar de haver um contexto apriorístico, equivalente ao conceito de daimon, que é a base fundante do Self, portador de toda potencialidade do vir a ser de cada um e advindo do inconsciente coletivo.
Mesmo com esse núcleo, quase que inviolável, logo na primeira expressão de vida intrauterina o bebe está completamente contido pelo Self materno, numa espécie de participação mística, que perdura até os dois anos de idade, responsável pelo início da formação do inconsciente pessoal. Com isso, a criança sofre forte carga afetiva e emocional da mãe, permitindo-nos afirmar que as experiências existenciais podem preceder a essência. Isso justifica os conflitos neuróticos à medida que as determinantes existências adaptativas, os traumas, os condicionamentos, o aprendizado e as crenças conflitam com a potencialidade a priori do Self.
A estruturação da consciência se dá em função da expressão do complexo de ego, por meio da diferenciação da condição pré-egóica (pleroma, uroboru ou narcisismo primário) e pré-verbal, possibilitando tanto a consolidação do arquétipo da sombra, quanto da persona, que será a responsável pelas máscaras relacionais, capacitando o indivíduo adaptar-se diante da pluralidade e diferenças de possibilidades de vida.
Neste sentido que o processo analítico pode contribuir, aliviando a neurose resultante desse conflito, possibilitando o reconhecimento deste “chamado” por meio do autoconhecimento e da separação simbólica da imago parental, permitindo a identificação das várias forças muitas vezes manifestadas como necessidades, que são mais instintivas, ou como os desejos, mais arquetípicos. O confronto analítico contribui para a diferenciação do indivíduo, capacitando-o ao reconhecimento de que sua vida não pode estar a serviço da reparação ou realização da vida não vivida ou mal vivida dos seus ancestrais. Porém, separar desse dinamismo e encontrar sentido e significado existencial exige muito investimento e superação dos mecanismos de defesa do ego, que para manter-se na zona de conforto do conhecido fica contrário a qualquer mudança.
Não basta reconhecer e saber da existência dessas determinantes e nem querer realizar a separação, porque a mudança de atitude não acontece de imediato. O padrão de condicionamento instintivo e habitual, acompanhado da rede associativa neural, da dependência bioquímica gerada pelo ambiente emocional aprendido e condicionado e o entorno relacional do meio intersubjetivo, exercem forte influência contra mudanças. Essa é a razão da necessidade de um bom vínculo psicoterapêutico e de muita persistência para que a transformação aconteça.