Nossa história diante dos “ismos”, e as agressões advindas do territorialismo e sectarismo dos pseudojunguianos incomodados, invejosos ou ressentidos.
O Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa – IJEP, desde a sua origem há mais de trinta anos, sempre assumiu posição questionadora e protagonista no campo junguiano, devido às nossas atitudes inovadoras e ousadas, como, por exemplo, a de oferecer a primeira pós-graduação em psicologia junguiana no Brasil e para qualquer interessado com curso superior. Com isso, fomos adquirindo experiência para lidar com os incomodados – aqueles que tiveram que sair das suas posições territorialistas, “seguras” e cômodas, aprisionados confortavelmente nas suas crenças limitantes e funcionais, confrontando o Ismocracismo Patriarcal. Atualmente, essa experiência se intensificou com o advento das mídias sociais, tornando-se muito intensa, interessante, paradoxal e reveladora, quando, de novo como exemplo, detectamos “hatters” – postagens de ódio – com objetivo claro de tentar depreciar o IJEP.
Apesar desse pioneirismo progressista e vanguardista, sempre mantivemos nossa absoluta fidelidade com a teoria e a prática da psicologia analítica clássica. Por esse motivo, continuamente criamos possibilidades para que as pessoas saiam da neurose, do automatismo e da falta de consciência de si-mesmas, fazendo-as confrontarem seus complexos, crenças e condicionamentos. Isso naturalmente nos deixa mais expostos, porque gera incômodos, principalmente quando trazemos temas contraditórios, questionamos conceitos “politicamente corretos” e, também, muitos “ismos” – que se tornaram instituições concretas ou abstratas deste Ismocracismo Patriarcal.
Estamos conscientes de que, inevitavelmente, ao expormos a sombra, individual ou coletiva, assim como a hipocrisia, o fanatismo, o literalismo e o unilateralismo das pessoas, provocamos afetos e emoções. Consequentemente, ativamos os mecanismos de defesa em indivíduos que se sentiram ou ficaram desconfortáveis e incomodados, motivando-os a produzirem as mais variadas reações, desde a profunda gratidão por se sentirem libertos da “escravidão” de algum “ismo” até a revolta agressiva e violenta devido ao desejo incontido de nele se manter.
Para aquele que não tem conhecimento teórico e vivência psicoterapêutica com a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, é importante esclarecer que essa proposta não é advinda de ideias que brotaram da nossa livre fantasia e intenção de obter seguidores, lacrando e lucrando nas mídias sociais – que até o momento nunca foram monetizadas. Nossa intenção é a de promover a consciência da consciência, para que um maior número possível de pessoas possa deixar de ser meros autômatos, reprodutores do padrão capitalista do escravagismo monetário desse dinamismo patriarcal que estimula competição, exclusão, sectarismo, desigualdade, massificação e muitas doenças psíquicas, físicas e ambientais, sem nenhuma capacidade de empatia ou alteridade.
“Mesmo que seja um sonho impossível querer esgotar os mistérios da psique” – escreve Jung –, “parece-me uma das tarefas mais importantes da mente humana trabalhar incansavelmente por um conhecimento sempre mais profundo da natureza psíquica. Pois o maior enigma, e também o mais próximo de nós, é o próprio ser humano” (OC 18/2 – §1.729).
Nessa direção, é, sim, possível afirmar a importância, necessidade e validade histórica de muitos “ismos“, quando compreendidos como movimentos transitórios para produzir mudanças necessárias. Quando esses movimentos, porém, se enrijecem na forma de instituições concretas ou abstratas, começam a produzir, compensatória e enantiodromicamente, “ismos” opositores, porque esta é justamente a dinâmica patriarcal que está presente estruturalmente na psique de todos nós. Aqueles que não conseguem compreender isso não estão fundamentados na obra junguiana e, como é possível supor, também não vivenciaram o processo de análise, mesmo que tenham títulos e saibam repetir, como papagaios, trechos da obra junguiana.
“O que significam as terríveis regressões do nosso tempo?”, pergunta-se Jung (OC 9/1 – §617). Jung entende que “o ritmo de desenvolvimento da consciência na ciência e na técnica foi rápido demais, deixando para trás o inconsciente que não acompanhou seu passo, impelindo-o assim a uma posição de defesa, a qual se manifesta em uma vontade generalizada de destruição”.
“Os ismos políticos e sociais de nossa época pregam todo tipo de ideais imagináveis” – continua Jung, no mesmo parágrafo –, “mas por detrás dessa máscara perseguem o objetivo de rebaixar o nível da nossa cultura, na medida em que limitam as possibilidades individuais de desenvolvimento e até as impedem de modo total”.
Expressando-se de forma enfática na crítica que tece aos ismos mais salientes do seu tempo – nazismo, comunismo, capitalismo, materialismo, cientificismo e outros –, Jung foca a sua atenção no indivíduo e em suas possibilidades de ação no mundo:
“Este problema não pode ser resolvido coletivamente, pois a massa não se modifica se o indivíduo não se modificar. Nem mesmo a melhor das soluções pode ser imposta ao indivíduo, uma vez que ela só será boa se estiver conectada a ele mediante um processo natural de desenvolvimento. Trata-se, pois, de um empreendimento sem esperança depositar essa expectativa em receitas e medidas coletivas. A melhoria de um mal generalizado começa pelo indivíduo, e isto só quando este se responsabiliza por si mesmo, sem culpar o outro. Naturalmente isto só é possível na liberdade, e não na tirania, seja esta exercida por um homem que se autopromoveu ou criada pela plebe” (OC 9/1 – §618).
São os afetos que tiram do homem civilizado a máscara da adaptabilidade, como se sabe. Por isso, compreendemos muitos ataques agressivos que algumas pessoas vêm proferindo contra nós. Muitos desses ataques são desfechados por pessoas ou grupos que querem utilizar o IJEP como escada, enquanto outros podem ter se sentido afetados de fato. Ambos os casos, porém, demonstram o mais amplo desconhecimento da obra junguiana e, principalmente, da profundidade que conseguimos alcançar e da nossa trajetória.]
Polemizar para Polinizar
Quem conhece nossa história, lê nossos artigos, segue nossas postagens e vídeos sabe que somos sérios, profundos e comprometidos com as causas humanistas, democráticas e ambientais, estimulando o amor, que liberta, ao invés do poder, que aprisiona. Estamos firmemente empenhados em promover desconstrução e incômodos diante dos atuais códigos de conduta morais desse patriarcado que propaga destruição, hierarquias estáticas, exclusão, sectarismo, competição, vícios, abusos, compulsões, fanatismos, unilateralismos, literalismos, exagero de consumo de coisas e de substâncias lícitas ou ilícitas que servem para entorpecer e anestesiar, tanto quanto muitas atividades espetaculares e excesso de ocupação – tudo isso para produzir a distração de si-mesmo. Essa triste realidade acaba desembocando no atual mal-estar e infelicidade geral, associados aos sentimentos de vazio, falta de sentido e significado existencial.
Nosso objetivo, alinhado com o campo junguiano, é despertar a ética que vem do confronto com a sombra, para que aconteça o reconhecimento e a servidão ao si-mesmo e ao nosso entorno relacional e ambiental, libertando as pessoas da escravidão dos “ismos” institucionais ou abstratos, contribuindo para que a condição de miserabilidade egoísta do patriarcado possa ser transformada em servidão amorosa e altruísta. Não custa lembrar que “bem-estar” significa estar bem no aqui e no agora, e que o termo “contente” tem a ver com a capacidade de preencher o vazio da falta de sentido e significado com conteúdo que alimenta a alma para servir com amor.
Por isso, continuamos “causando”, apesar de estarmos conscientes do alerta de Jung, quado ele afirma que as novas ideias podem ter um vindouro nascer por meio da compreensão, ou serem oprimidas com preconceitos, estreiteza mental e ignorância, transformando o benefício do novo em veneno e degradação. Com isso, podemos diferenciar os proativos – aqueles indivíduos conectados com o si-mesmo, agindo autônoma e revolucionariamente com amor, visando nossa evolução, dos reativos – aqueles indivíduos autômatos, escravos muitas vezes de diferentes formas de “ismos” institucionais, concretos ou abstratos, ressentidos, raivosos e revoltados contra as criações evolutivas. Jung nos sugere “desconfiar em princípio de todos os ismos que prometem um novo mundo ‘melhor’” e, tendo em conta o fato inarredável da existência dos “males básicos, sejam externos ou internos” na vida de todos nós, considera que a pessoa “faria melhor conscientizando-se de que o mundo é um campo de batalha e apenas uma curta tensão entre nascimento e morte (OC 18/2 – §1.366 – Nota 2).
Polemizar, produzir crises, incomodar e tirar as pessoas do senso comum é o objetivo da análise junguiana e, consequentemente, do IJEP. Isso ajuda polinizar e fertilizar a mente. Jung fazia isso o tempo todo, levando as pessoas a se confrontarem com a sombra. Sem crise não existe criatividade e nem a integração dos opostos. O problema é que a maioria das pessoas, para manterem suas convicções e fugirem da angústia, lateralizam e diabolizam nossas falas, ao invés de as simbolizarem metaforicamente.
“Possuímos certas ideias sobre como deveria viver um homem civilizado, culto e moral, e de vez em quando fazemos tudo o que está ao nosso alcance para satisfazer essas expectativas ambiciosas”, diz Jung, para pontuar, linhas adiante, que “a fama de santidade pode ir muito longe, mas conviver com um santo pode desenvolver um complexo de inferioridade ou até mesmo uma violenta explosão de imoralidade entre indivíduos menos dotados de qualidades morais. A moral parece ser um dom equiparável à inteligência. Não é possível incuti-la, sem prejuízo, num sistema ao qual ela não é inata” (OC 11/1 – §130).
Quando indivíduos reagem afetivamente, geralmente com atitudes arbitrárias e unilaterais, a teoria junguiana possibilita compreendermos que complexos foram constelados e que o reativo está projetando seus conteúdos sombrios de forma passional nos “objetos” que provocaram seu incômodo afetivo.
“Trazemos em nós o nosso passado, isto é, o homem primitivo e inferior com seus apetites e emoções, e só com um enorme esforço podemos libertar-nos desse peso”, escreve Jung. “Nos casos de neurose, deparamos sempre com uma sombra consideravelmente densa. E para curar-se tal caso, devemos encontrar um caminho através do qual a personalidade consciente e a sombra possam conviver” (OC 11/1 – §132).
Podemos trazer como exemplo o debate em torno do feminismo, que tem suscitado críticas às vezes bem ferozes contra algumas de nossas posições. Historicamente, o feminismo – como apontamos para o caso de outros ismos – foi necessário e importante tanto para superar o dinamismo matriarcal e contribuir para o estabelecimento do patriarcado quanto para evitar seus excessos, num caso em algum sentido semelhante ao que aconteceu com o surgimento do cristianismo diante do Javismo e do imperialismo romano com seus muitos escravos. Nesse mesmo sentido, podemos considerar que o feminismo surgiu para tentar diminuir a onipotência patriarcal, que continua e continuará estrutural e que, enquanto não for superada pela alteridade, irá produzir sempre de novo hierarquias desiguais, polaridades, sectarismos e antagonismos. Como nos parece, nesse momento, o desafio é deixar todos os “ismos” nos degraus evolutivos da história e seguir adiante, virando a chave na direção da alteridade. A alteridade é o novo dinamismo que irá superar o patriarcado, estabelecendo um novo padrão humano na direção da sinarquia com relações amorosas, integrais, unitivas e de alteridade.
O movimento feminista, muito importante e necessário ontem como hoje, não pode ser reduzido a um “ismo“, concreto ou abstrato, retroalimentando o padrão patriarcal. Todos os humanos éticos, como é possível supor e propor, precisam juntar forças na luta por equidade, justiça e amor, recusando-se a fazer do pertencimento a qualquer grupo, associação ou denominação sociológica, religiosa, filosófica ou partidária o primeiro e mais importante objetivo, para não retroalimentar a mimese opositiva. Essa é a lógica da alteridade, que precisa suceder o patriarcado.
Mais uma vez, não estamos questionando o valor histórico e atual do movimento feminista, tendo principalmente em conta o machismo estrutural que ainda impera. Porém, se quisermos promover uma mudança real desse contexto polarizante, convém superar os “ismos” institucionalizados, concretos ou abstratos, bem como as (hiper-)especializações, por meio dos caminhos da autocrítica e do autoconhecimento.
Os “ismos”, podem ser muitos e diferentes entre si, uns mais e outros menos carregados ideologicamente, ainda que a dinâmica perversa que costuma frequentar o universo da produção dos “ismos” possa em um grau maior ou menor valer para todos eles. Machismo, Feminismo, Budismo, Protestantismo, Espiritismo, Femismo, Masculinismo, Junguianismo, Freudianismo, Bolsonarismo, Petismo, Fascismo, Capitalismo, Comunismo, Neoliberalismo… A lista pode ser longa. Quando se tornam instituições, concretas ou abstratas, são patológicos e perversos – mesmo aqueles que podem ter sido criados com as melhores das intenções –, porque deixaram de ser movimentos e passam a ser determinantes do espírito da época, obviamente, interditando o espírito da profundidade.
Homens e mulheres somos convocados, pelo que há de melhor no ser humano, a lutar para que a dinâmica patriarcal seja superada pela dinâmica da alteridade, anunciada no contexto da revolução aquariana. Muito além da defesa ou tolerância a qualquer “ismo“, há o fato fundamental e primeiro de que precisamos exigir direitos iguais e equidade, independentemente de qualquer tipo de diferença. Como nos ensinou Jung, o patriarcado é o tempo dos “ismos” e da massificação, com suas polaridades, territorialidades e hierarquias, estimulando os extremismos.
“Todo extremo psicológico contém secretamente o seu oposto ou está de alguma forma em estreita relação com ele”, adverte Jung. “Na verdade, é desta contradição que ele deriva a dinâmica que lhe é peculiar. […] quanto mais extrema se tornar uma posição, tanto mais se pode esperar a sua enantiodromia, sua reversão para o contrário” (OC 7/1 – §581).
Nosso maior desafio é o de conseguirmos estimular um maior número possível de pessoas a ficarem conectadas com o si-mesmo e desencaixadas – com respeito, onde cabe respeito – de todos os “ismos“, incluindo os padrões de conduta econômicos, políticos e religiosos, para que a função transcendente possa nos presentear, no tempo de kairós, com a boa nova da alteridade, alinhados com a ética da era aquariana. Porque, como afirma Jung, a era de Peixes é a da polarização:
“Se o éon de Peixes foi governado, ao que tudo indica, principalmente pelo tema arquétipo dos ‘irmãos inimigos’, por coincidência, com a aproximação do mês platônico imediato, isto é, de Aquário, coloca-se o problema da união dos opostos. Já não se trata mais de volatilizar o mal como mera privatio boni, mas de reconhecer sua existência real. Mas este problema não será resolvido nem pela filosofia, nem pela economia de Estado, nem pela política ou pelas confissões históricas, mas unicamente a partir do indivíduo[…]” (OC 9/2 – §141/142).
Assim, a evolução exige de nós a superação dessas especializações institucionalizadas que tanto valorizam o processo de massificação e impedem que o processo de individuação aconteça. Ora, “tais problemas nunca serão solucionados por meio de uma legislação ou por artifícios”, argumenta Jung. “Só podem ser resolvidos por uma mudança geral de atitude. E esta mudança não se inicia com a propaganda ou com reuniões de massa, e menos ainda com violência. Ela só pode começar com a transformação interior dos indivíduos. Ela produzirá efeitos mediante a mudança das inclinações e antipatias pessoais, da concepção de vida e dos valores, e somente a soma dessas metamorfoses individuais poderá trazer uma solução coletiva” (OC 11/1 – §135).
Ora, o autoconhecimento e a autoconsciência produzem desconforto, por fazer com que o indivíduo se perceba absolutamente diferente dos outros, deixando de corresponder às expectativas comuns. Também, causa incômodo no seu entorno relacional, porque suas reações passam a ser imprevisíveis e, na maioria das vezes, conflituosas com as normas coletivas. Por isso, para fugir do desconforto e do incômodo e não saírem do padrão dominante do patriarcado ficam reativos. Gostam de divulgar “reatcs”, “cartas abertas” e outras bobagens para continuarem aprisionados nos seus “ismos”, ou na intenção perversa de ganharem seguidores e “consumidores” dos seus produtos ou serviços.
“Quais são os grandes movimentos propulsores de nossa época?”, interroga Jung. “Justamente as tentativas de nos apoderarmos do dinheiro ou dos bens dos outros e de defendermos o que é nosso. A inteligência se ocupa principalmente em inventar ‘ismos’ adequados para ocultar os seus verdadeiros motivos ou para conquistar o maior número possível de presas” (OC 11/5 – §772).
Um ponto comum em toda essa discussão deve ser o de não se tolerar qualquer tipo de discriminação. Dito isso, o que estou considerando é que, para seguirmos adiante rumo à equidade, igualdade, fraternidade e liberdade, precisamos afirmar a exigência do amor, da democracia e da superação do patriarcado e de todos os “ismos” institucionalizados, porque eles, inevitavelmente, projetam sombra, massificam seus adeptos e fortalecem seus opositores, mantendo a polaridade sem fim. E isso nos impede de atingirmos a consciência unitiva da revolução aquariana que precisa superar a era de Peixes, que é, mais uma vez, a da polaridade dos irmãos inimigos e do patriarcado territorialista e patrimonialista, com seus “ismos” como uma de suas marcas fundamentais.
Em Aion: estudo sobre o simbolismo do si-mesmo, Jung ocupa-se com o símbolo do Anticristo, que, na tradição cristã, aparece como personagem central do Fim dos Tempos, e que, aqui, pode ser entendido como esse tempo de transição entre as eras de Peixes e Aquário – e Jung o faz no contexto da crítica ao racionalismo, intelectualismo e doutrinarismo:
“Infelizmente – poder-se-ia quase dizer – seu advento ameaçador já se acha predito no Novo Testamento. Ele é tanto mais perigoso quanto menos o conhecemos. Mas quem poderia adivinhá-lo sob a capa de seus nomes sonoros tais como ‘bem-estar’, ‘segurança de vida’, ‘paz mundial’ etc.? Ele se dissimula sob o manto dos idealismos e de todos os ‘ismos’ em geral, entre os quais o pior é certamente o doutrinarismo, a mais antiespiritual das atividades do espírito. A época de hoje deve se confrontar com o sic et non (sim e não), sob sua forma mais drástica, isto é, com a oposição absoluta que não somente dilacera politicamente o mundo, como divide interiormente o coração de cada homem. Precisamos voltar a um espírito originário, vivo, que, precisamente devido à sua ambivalência, também é um mediador e unificador dos opostos, ideia esta que ocupou a Alquimia (se bem que de maneira imprópria) durante muitos séculos” (OC 9/2 §141).
Jung deixa claro que todo esse monoteísmo da consciência e todo esse racionalismo, mesmo que amparado nas teorias do cientificismo sociocultural, correm o risco muito sério de se tornarem vítimas do unilateralismo, que é estimulador das polarizações. Com efeito, Jung aponta, linhas antes, no mesmo parágrafo:
“A era do Anticristo tem isto de inerente: o Espírito se transforma, dentro dela, em Espírito maléfico, e o arquétipo vivificante submerge pouco a pouco no racionalismo, no intelectualismo e no doutrinarismo, conduzindo à tragicidade do modernismo que pende, de modo assustador, qual espada de Dâmocles, sobre nossas cabeças. Na antiga fórmula trinitária, sobre a qual Joaquim [de Fiore] se baseia, falta a figura dogmática do diabo que leva uma existência ambígua, como mysterium iniquitatis, em qualquer parte, à margem da metafísica teológica” (OC 9/2 §141).
O patriarcado estimulou a especialização, mas também produziu a classificação e, consequentemente, o sectarismo e toda forma de discriminação preconceituosa das minorias ou grupos humanos que fogem à média estatística que a ciência busca. Daí é que advém o racismo e todos os padrões preconceituosos. “Nossa identificação com a consciência contemporânea do momento é tão grande”, afirma Jung, “que nos esquecemos do ser ‘eterno’, dos fundamentos psíquicos. Tudo o que existiu e continuará existindo por mais tempo do que o vaivém das correntes contemporâneas é considerado como algo fantasioso, que deve ser cuidadosamente evitado”. O resultado pode ser considerado trágico:
“Mas, desta forma, caímos no maior dos perigos psíquicos que hoje nos ameaça, que seria aquele dos ‘ismos’ intelectuais, separados de todas as suas raízes espirituais, e que sempre estabelecem conceitos, sem levar em conta o homem verdadeiro. Lamentavelmente, se presume que só aquilo que é consciente nos atinge, e que para cada assunto desconhecido já existe um especialista que há tempo fez disso uma ciência. Esta loucura se torna ainda mais convincente pelo fato de que realmente se tornou impossível a uma única pessoa ter a visão de tudo o que uma área especializada conhece e que esta pessoa não estudou. Já que as experiências de maior efeito subjetivo são, ao mesmo tempo, as mais individuais, e por isso as mais inverossímeis, o interrogante receberá, em muitos casos, justamente por parte da ciência, uma resposta insatisfatória” (OC 10/4 – §701).
Os movimentos surgem para provocar mudanças, mas não podem virar instituições dos “ismos“, para não se tornarem instrumentos de doutrinação, dominação e poder. Quando isso acontece, o polo oposto fica igualmente estimulado e potencializado e, neste caso, mergulharemos num conflito sem fim. Como já mais de uma vez afirmamos, essa é a dinâmica do patriarcado. Essa dinâmica perversa precisa ser superada pela alteridade, que estimula equidade, respeito, cuidado, empatia e amor.
Feminismo x Machismo
Apesar de difícil de digerir, o feminismo, mesmo sem a intenção, pode potencializar o machismo, e este, por sua vez, potencializar o feminismo, reproduzindo a dinâmica do duplo monstruoso que René Girard evidencia na temática do desejo mimético: cada polo, inconscientemente, deseja conquistar aquilo que está projetado no outro. Por isso, como exemplo, o cientificismo exagerado acabou produzindo o negacionismo igualmente exagerado.
Ter tolerância com os reativos é uma aprendizagem necessária. Mas sem permitir que nos desrespeitem. E sem parar de trabalhar para que um maior número de pessoas possa sair da condição de autômatos funcionais e escravos financeiros.
O interessante é que, com nosso protagonismo e antagonismo, esses ataques só servem para fortalecer e ampliar o nosso caminho evolutivo e nossa missão, sem precisarmos tentar escalar nas costas de outros, como algumas pessoas e pseudoescolas ou instituições junguianas estão tentando fazer, por meio desses ataques nas mídias sociais – vale dizer que esse fenômeno faz parte da nossa história e acaba nos fortalecendo ainda mais, porque somos treinados para ele.
“Os ‘ismos’ dominantes, que nada mais são do que perigosas identificações da consciência subjetiva com a consciência coletiva, constituem a mais séria ameaça a este respeito”, sugere Jung. “Semelhante identificação produz infalivelmente um homem massificado, com sua tendência irresistível à catástrofe. Para escapar desta terrível ameaça, a consciência subjetiva deve evitar a identificação com a consciência coletiva, e reconhecer tanto a sua própria sombra quanto a existência e a importância dos arquétipos. […] Entretanto, nada sabemos, por assim dizer, com certeza acerca desta matéria, sobretudo ali onde florescem os ‘ismos’ que não passam de substitutivos sofisticados do elo perdido de ligação com a realidade psíquica. A massificação da psique daí resultante infalivelmente destrói o sentido do indivíduo e, consequentemente, também a cultura em geral” (OC 8/2 – §427).
Nossa trajetória de confrontos
Quando começamos com o IJEP, fomos atacados pela reserva de mercado dos psicólogos e das “igrejas” junguianas dependentes de instituições estrangeiras para se reconhecerem como tais, mas que na realidade não passavam de grupos sectários constituídos por pessoas muito ricas e muito brancas, como brincava o meu analista Leon Bonaventure. Depois também surgiram ataques de muitos médicos, quando questionamos essa medicina mercantilista que nega a psicossomática por não conseguir ver o homem de forma integral (Vejam esse artigo: https://blog.ijep.com.br/psicossomatica-e-a-dinamica-do-adoecer-afetos-emocoes-e-complexos/). Também teve outro ataque por conta de termos associado o câncer de laringe que o Presidente Lula teve na época com a psicossomática, neste outro artigo: https://blog.ijep.com.br/licoes-de-psicossomatica-cancer-de-laringe-do-lula-o-grito-do-nao-dito-ou-do-mal-dito/.
Em outro momento vieram os ataques dos neopentecostais fanáticos, porque deixamos clara a diferença entre a persona religiosa e a religiosidade, que, no sentido indicado, nem depende de o indivíduo estar encaixado num “ismo” institucional, doutrinário e dogmático (como mostram estes dois artigos: https://blog.ijep.com.br/religiosidade-e-espiritualidade-na-obra-junguiana/ e https://blog.ijep.com.br/a-sombra-dos-religiosos/.
Quando questionamos a chamada “Cura Gay” e os conflitos a respeito da identidade de gênero, recebemos uma saraivada de críticas e ataques dos homofóbicos e heteronormatvos. Estes dois artigos abordam esse tema: https://blog.ijep.com.br/a-cura-gay-lgbtqia/ e https://blog.ijep.com.br/identidade-de-genero-e-a-alma/.
No final de 2018, diante do risco de termos como presidente um indivíduo abjeto, obsceno, ignorante, incapaz e corrupto, fizemos um manifesto público, que está neste link: https://blog.ijep.com.br/manifesto-publico-do-ijep-para-salvaguardar-a-democracia/. Obviamente, como esse personagem acabou se elegendo, tendo votos de mais da metade da população brasileira, recebemos mais um monte de ataques, perdemos alunos e até professores. Na época, fiquei impressionado em ver “feministas”, negras e homossexuais apoiando esse sujeito – e sabemos como isso aconteceu e ainda acontece por conta do patriarcado, que alimenta o machismo estrutural e o sectarismo do Ismocracismo Patriarcal.
Mais recentemente começamos a publicar temáticas a respeito da masculinidade tóxica: https://blog.ijep.com.br/a-pratica-da-psicoterapia-o-sectarismo-e-a,-masculinidade-toxica-na-abordagem-junguiana/, e também recebemos muitas críticas por parte do público masculino. Claro que os pseudocríticos não se colocavam nem como machistas e muito menos como masculinistas, apesar de demonstrarem muita raiva contra as feministas. Nem imaginam o que é o femismo, como a maioria da população, e chegam a afirmar, em consonância com o senso comum, que “essas mulheres feministas odeiam os homens porque são mal-amadas, abandonadas (geralmente porque são feias – como disse o inominável: ‘não te estupro porque você é feia’), mal ‘comidas’ ou ‘sapatões’.”
Tudo muito triste, mas é nossa realidade sociocultural, como resultado desse machismo estrutural amparado pelo dinamismo patriarcal, que comanda o “espírito da época” e nos afasta do “espírito das profundezas”. Quem dita as regras do que é politicamente correto, fazendo a “manada” seguir irrefletidamente, ainda é o patriarcado. Isso nos faz ponderar que não podemos tapar o sol com a peneira, nem ficar ilhados e iludidos nos recônditos acadêmicos ou nos grupos identitários, que inevitavelmente produzem seus pares opositores e antagônicos, igualmente iludidos, interditando-nos do “espírito das profundezas” e, consequentemente, do processo de individuação e do advento do dinamismo da alteridade.
Não se deve brincar com o espírito da época, porque ele é uma religião, ou melhor ainda, é uma crença ou um credo cuja irracionalidade nada deixa a desejar. Ainda por cima, possui a desagradável qualidade de querer que o considerem o critério supremo de toda a verdade, tendo a pretensão de ser o detentor único da racionalidade. Jung considera que “o espírito da época não se enquadra nas categorias da razão humana”:
“É uma propensão, uma tendência sentimental, que, por motivos inconscientes, age com soberana força de sugestão sobre todos os espíritos mais fracos de nossa época e os arrasta atrás de si. Pensar diferentemente do que, em geral, atualmente se pensa, tem sempre o ressaibo de ilegitimidade e de algo perturbador; é considerado mesmo como algo de indecente, doentio ou blasfemo e, por isso mesmo, socialmente perigoso para o indivíduo que deste modo nada estupidamente contra a corrente” (OC 8/2 – §652/653).
A saída evolutiva depende de encararmos nossa sombra para que possibilidades criativas e evolutivas possam surgir, como o terceiro elemento não dado – o tertium non datur, na expressão de Jung. Este transcende criativamente a atual polarização do espírito da época patriarcal, ajudando-nos a fugir do encastelamento nos “ismos”, que servem apenas para fortalecer a polaridade opositiva, conforme ampliaremos a seguir.
O Bom, o Belo e o Verdadeiro
Como referência didática, utilizarei as três instâncias cerebrais que, em função da angústia diante dos desafios existenciais, produziram criativamente o que catalogamos como o bom (religião – cérebro neocortical), o belo (arte – cérebro límbico) e o verdadeiro (ciência – cérebro reptiliano). O bom, o belo e o verdadeiro são conceitos que têm sido discutidos há muito tempo na filosofia ocidental. Cada um deles pode ser associado a uma ideologia ou “ismo“.
O bom refere-se à moralidade e à ética, isto é, o que é certo e errado. O “ismo” que se relaciona a esse conceito é o moralismo.
O belo é associado ao “esteticismo”, que se concentra na busca da beleza pela beleza nas artes e na natureza. O esteticismo entende que a arte e a beleza são importantes por si, e não como meio para se alcançar outras finalidades. Isso irá excluir as expressões que reproduzem o caos e a angústia, para que o belo possa ser ativado em nós.
O verdadeiro, por sua vez, é frequentemente associado ao “verdadeiro-realismo”. Essa corrente filosófica enfatiza a importância da verdade e da realidade objetiva na vida humana, de modo reducionista, causal, atrelada ao materialismo da verdade objetiva e verificável, desqualificando a subjetividade, as peculiaridades e a idiossincrasia natural de cada ser humano que é único, complexo e criativo, apesar de possuir um substrato objetivo e universal em seu inconsciente coletivo.
Mais uma vez, e já avançando para o final deste texto, os “ismos” de que estamos tratando referem-se a ideologias, crenças movimentos questionadores a sistemas de pensamento ou padrões socioculturais, artísticos ou religiosos que servem para questionar e transformar as relações humanas em todas essas instâncias. O problema acontece quando um “ismo” passa a moldar a maneira como as pessoas entendem e interagem com o mundo ao seu redor. Embora esses movimentos, originalmente, possam ter sido positivos, quando viram instituições, concretas e formais ou abstratas, podem, enantiodromicamente, justificar comportamentos discriminatórios e opressivos, uma vez que são criados por pessoas, e, como tais, refletem as crenças, preconceitos e atitudes conservadoras dessas pessoas. No fundo, são retrógrados diante da necessidade evolutiva.
Como já afirmei inúmeras vezes neste texto, cada “ismo”, mesmo que não seja sua intenção e desejo – e sobretudo quando, como afirma Jung, se separa de “suas raízes espirituais”, irá produzir um movimento enantiodrômico opositivo. É nesse sentido que, como vimos, o cientificismo gerou o negacionismo, tão presente em nossa atualidade deste Ismocracismo Patriarcal.
Cientificismo e Negacionismo
O cientificismo e o negacionismo são duas direções opostas em relação à ciência e ao conhecimento científico. O cientificismo é a crença na capacidade da ciência de explicar e resolver todos os problemas da sociedade, levando à valorização excessiva do método científico e da tecnologia. Por outro lado, o negacionismo é a rejeição da ciência ou de evidências científicas, geralmente por motivos ideológicos ou políticos. O negacionismo pode se manifestar em várias áreas, como mudanças climáticas, vacinas, evolução, entre outros, e pode ser extremamente prejudicial à saúde e bem-estar das pessoas. Enquanto o cientificismo busca aplicar o método científico para compreender e resolver problemas, o negacionismo pode rejeitar informações válidas e estimular, impedindo o progresso científico e social.
Encerro esse texto remetendo os leitores a um outro artigo que fiz, intitulado: “Medo de Amar”, neste link: https://blog.ijep.com.br/medo-de-amar/.
Amor como finalidade existencial
E para este vídeo – veja o link no final deste texto –, intitulado “O que é o AMOR?”
O que é o AMOR? Quem, de fato, tem prontidão para amar? Quem reflete a respeito do amor nesta nossa época, em que estamos tão carentes do verdadeiro amor, aquele que liberta e se dedica para a realização plena do amado, mesmo que ele vá numa direção oposta à nossa? Acredito que essa reflexão oferece uma contribuição muito importante neste momento em que estamos vivendo, com essa contínua falta de tempo, amedrontados com a vida, com o futuro, e aprisionados numa contínua competição, mesquinha e egoísta, que não sabe o que é amar o amor e amar.
Isso que expresso no vídeo e que recupero neste texto está alinhado com o que defende minha parceira feminina há quase 50 anos, a Dra. Simone Magaldi. Ela acredita que o caminho para um mundo melhor depende da integração amorosa de todos os seres humanos identificados em diferentes formas de “ismo” institucional concreto ou abstrato, para que a união entre os princípios masculino e feminino possa fazer com que feministas, masculinistas, machistas ou femistas alcancem, simbolicamente, a experiência vivencial e prática do Rebis. Para que toda humanidade possa se perceber, animicamente, como a andrógina celestial, equivalente metafórica do hermafrodita rotundum da dimensão áurea alquímica.
Esse ideal utópico, que precisa acontecer primeiramente no íntimo de cada indivíduo, é a condição sine qua non para que possamos transmutar da dimensão patriarcal deste atual “ismocracismo” da era de Peixes para a da alteridade da era de Aquário.
Jung recorda, nesse contexto, o que diz o autor anônimo do Rosarium Philosophorum: “Faze do homem e da mulher um círculo redondo; extrai daí um quadrado, e um triângulo a partir deste último. Torna o círculo redondo, e obterás a pedra filosofal” (OC 11/1 – §92).
Waldemar Magaldi – Analista didata e diretor do IJEP
Agradeço ao colega e analista em formação pelo IJEP, o Dr. Dimas Künsch, que fez sugestões e a revisão deste texto.
Vídeo que reflete a respeito do amor: https://youtu.be/jpnwsD7lm3k